Cultura

A HISTÓRIA DOS BAIRROS DE SERRINHA,CAP 33: CULTURA E BACALHAU DA BARÃO

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Tasso Franco ,  Salvador | 12/07/2023 às 09:44
Apresentação do grupo "Filho de Quelé", Bacalhau da Barão, 2023
Foto: BJÁ
   O conjunto dos bairros é que formata uma cidade. Qualquer cidade começa com poucos e depois vão surgindo mais e mais, em movimento contínuo. E cada bairro tem sua identidade própria, suas atividades esportivas, religiosas, comunitárias e culturais.

  Em Serrinha, o futebol foi o diferencial, desde 1919, e cada bairro criou seu campo, seus times e até ligas como aconteceram na Rodagem, Cruzeiro e Recreio. Nas atividades culturais e nos relacionamentos sociais isso também aconteceu e o maior exemplo foi a vaquejada, um misto de atividades esportiva e musical, que se transformou num bairro e projetou Serrinha, nacionalmente, como sede da maior vaquejada do país.

  Infelizmente, Serrinha não dispõe de centros culturais estaduais e municipais, bibliotecas públicas e museus, até a biblioteca municipal que existia - a Reginaldo Ribeiro - foi reduzidas às cinzas, e o significativo que tem é graças a iniciativa privada como a Filarmônica 30 de Junho e o Museu Gonzagão, do Guilherme Machado. 

  Ainda assim os bairros se mexem, se exercitam, porque a cidade está sempre em movimento, e os grupos culturais e lúdicos se espalham nos bairros, a Cidade Nova, hoje, já tem seu São João próprio; e há 13 anos surgiu um furdunço misto de atividades culturais - música e teatro -, brincadeiras infantis, queima de Judas, e festa - o lúdico - intitulado "Bacalhau da Barão" que está se tornando, aos poucos, uma atividade cultural da cidade, já reconhecida pela lei 1.357/2023 aprovada pela Câmara e sancionada pelo prefeito Adriano Lima, no calendário de eventos da Prefeitura.

  Inicialmente, todas as atividades culturais eram realizadas na praça Luís Nogueira, desde as apresentações da Sociedade Cultura Filarmônica 30 de Junho aos desfiles dos blocos carnavalescos e batucadas da comunidade negra, dos ternos de reis e dos festejos religiosos para a padroeira Senhora Sant'Anna e na procissão do Fogaréu que tinham, também, seus ornamentos culturais. 

  Dessas manifestações a que descentralizou essas atividades voltadas para a cultura popular foi o São João, cujos festejos eram realizado além do centro, na Rodagem, Cruzeiro, Bomba, Santa, Abóboras, só para ficarmos nos bairros mais antigos, que aconteciam nas portas das casas as famílias se confraternizando, realizado simpatias, acendendo fogueiras e soltando balões. A procissão do Fogaréu também tinha todo uma cultura artesanal própria cada fiel fazendo a sua tocha. 

  Com o passar dos anos e onde entra o poder pública a cultura vai para o espaço acabaram com o Carnaval, descaracterizaram a Fogaréu com tochas com marca da Prefeitura e estão acabando com o São João transformando a festa da porta das casas para ser um showzão.

  Por isso mesmo, o Bacalhau da Barão, o São João da Cidade Nova, o samba do boi do antigo Matadouro, os bailes do Machô Machô, em Novo Horizonte, as cantigas de rodas da Rodagem, os Filhos de Quelé, Orquestra Sanfônica, etc, têm valores inestimáveis e a comunidade serrinhense deve sempre apoiar a sua instituição cultural mais antiga que é a Filarmônica 30 de Junho, fundada em abril de 1896 e ainda hoje atuando. Pena que o Só Falta Você, de Marieta e Zé Ramos, dos afrodescendentes tenha desaparecido.

   O BACALHAU DA BARÃO 

    O Movimento Cultural e Artístico Bacalhau da Barão conhecido popularmente como "Bacalhau da Barão" nome derivado de uma iguaria servida na semana santa - o bacalhau; e do Barão de Cotegipe - João Maurício Wanderly - figura polêmica do Império, em cuja rua do centro histórico da cidade - liga a praça principal e casco antigo onde se situa a igreja matriz de Senhora Sant'Anna à Rua Getúlio Vargas - é um evento que vem sendo realizado durante 4 dias da Semana Santa, em Serrinha, Bahia, desde 2011, sendo interrompido somente durante os dois anos da pandemia do coronavirus.
 
  Trata-se, pois, de um evento artístico que acontece a partir da quinta-feira santa e vai até o domingo de Páscoa com atividades voltadas para as crianças - corrida de saco, pau de sebo, quebra pote, teatrinho, etc - e para os adultos - o serviço do bacalhau e apresentações musicais sempre abertas pela centenária Filarmônica 30 de Junho com ápice no sábado da Aleluia quando se queima um Judas estilizado na praça Benedito Matos. 

 O objetivo deste evento é o congraçamento entre os moradores desta rua e de outras dos bairros da Bomba e Cruzeiro comunidades populares de Serrinha carentes de atividades de lazer e cultura, daí nossa intenção de ampliar o "Bacalhau da Barão" como um movimento que possa ser permanente criando uma estrutura voltada para atividades culturais permanentes com grupos de teatro, de música, de atividades extra-classe para crianças uma vez que foi criada uma Associação dos Moradores da Barão de Cotegipe (AMBARCA), legalmente constituída a 4 de junho de 2011 para dar suporte.

   Sendo eleito presidente da AMBARCA, Antonio Carlos Batista e constituindo a primeira diretoria os senhores: Wandenberg Santos de Matos, Valdemar Santos de Matos, José Alexandre Ramos de Jesus, Almir Alves Borges, Aélcio dos Santos, Oriosvaldo Batista dos Santos, Gilvan dos Santos, Diógenes Santos de Matos, João Santos de Matos, Edilson Alves Borges, Antonio Jorge Santos de Matos, Maria de Lourdes Oliveira Borges, Lindomar Borges Oliveira, Tadeus Ramos da Silva e Joseval Barbosa dos Santos. Para diretor de Esportes foi eleito Verimar Dantas de Oliveira.
 
  Registramos que, no ano de 2023, em 18 de abril, graças a uma ação política dos vereadores Reginaldo Damasceno Santana, Lucas Maciel de Oliveira e Odenilton Cardoso de Araujo a Câmara de Vereadores de Serrinha aprovou o Projeto de PL (PL) 020/2023 (vide doc em anexo) tornando o "Bacalhau da Barão" evento a ser incluído no calendário de eventos da semana santa da cidade e o prefeito Adriano Lima (vide doc anexo) sancionou a Lei número 1.357/2023 que dispõe a inclusão do Evento Bacalhau da Barão no calendário de eventos do município durante a semana santa, em 12 de maio de 2023.

  Portanto, como podem verificar os técnicos da Secretaria de Cultura do Estado, trata-se de um evento com respaldo em legislação municipal.

A SEMANA SANTA 

  As manifestações religiosas da semana santa em Serrinha são bem antigas. Desde quando o descendente de portugueses Bernardo da Silva adquiriu o sitio Serrinha aos herdeiros da família Guedes de Brito e mudou-se da Fazenda Tamboatá para este local, em 1723, portanto completando 300 anos em 6 de setembro, construiu uma casa de morada e uma capela em louvor a Senhora Sant'Anna. Como este local que era passagem de boiadeiros e curraleiros foram instaladas rancharias no largo (hoje, praça Luis Nogueira) e nasceu um povoado.

  A capela foi ampliada para igreja e no frontispício há a data de 1780 como de sua conclusão. Estima-se que, já nesse período, século XVII, Serrinha - ainda um povoado - já promovesse atos na semana santa. Mas, somente a partir de 1814, o arcebispo primaz da Bahia, José de Santa Escolástica, nomeou o 1º capelão para Serrinha, este permanecendo até 1838, sendo substituído pelo padre Francisco Furtado de Mendonça. 

  Bem não se sabe a data certa, mas é provável que um desses dois párocos instituiu as comemorações da semana santa, em Serrinha, com procissão na praça principal, uma vez que, em 1831, o filho mais velho de Bernardo da Silva (o qual já havia falecido) doou à posse da terra da Fazenda Serrinha a Senhora Sant'Anna.

  Pesquisa realizada pelo diácono Lúcio Eusébio dos Santos aponta que o cruzeiro do monte Guarani, na estrada antiga para Barrocas, data de 1883, portanto, a peregrinação mais antiga da cidade e que se estendia para essa área rural ainda hoje em evidência. E, em 1930, o padre Carlos Ribeiro, natural de Serrinha e que havia sido padre do bairro do Bonfim, em Salvador, onde havia uma procissão noturna com fiéis conduzindo tochas, quando transferido para Serrinha pelo cardeal Augusto Álvaro da Silva instituiu uma procissão similar em Serrinha dando o nome de "Fogaréu", realizada toda quinta feira, à noite, no centro da cidade.

  Na década de 1980, a procissão do Fogaréu ganhou novo percurso descendo a rua Direita e subindo a Bela Vista até a colina de Sant'Anna, imagem colocada num morro na década de 1950, por um devoto da Santa (Samuel Nogueira a pedido de sua esposa), hoje, um bairro, e ganhou destaque televisivo estadual e até nacional.

  Com a instalação da Diocese em 2006 a semana santa de Serrinha se tornou um evento estadual dos mais importantes do estado no campo da religiosidade. 

  OS MENINOS DA BARÃO

  A peregrinação ao Morro Guarani é, portanto, bem antiga e os meninos residentes na Barão de Cotegipe e nos bairros da Bomba e Coruja e outros da Serrinha iam com seus pais, desde pequenos, subir o morro na sexta-feira santa, o que acontece até hoje. Esses meninos e meninas da Barão, em especial da família Matos, filhos de Benedito e Lurdes, foram ficando homens e mulheres e na década de 1980 na descida do morro paravam no sítio de Nilda, irmã de Carlinhos Avião, para saborearem um churrasco e beberem vinho e cerveja. 

  Nesse caminho da peregrinação ao morro havia outros locais de vendas de bebidas e comidas, em especial, na Coruja, e com a chegada da diocese o bispo dom Ottorino solicitou ao prefeito que proibisse esses festejos lúdicos no roteiro da peregrinação o que foi atendido. Com o fechamento desses locais, a turma da Barão, já adulta, que sempre saia das proximidades da Serraria de Benedito para irem ao morro, decidiu no retorno fazer um encontro na garagem da Serraria de Curumba, um dos filhos de Benedito e que abrirá uma filiar após a linha do trem.

  Então, em 2011, houve esse encontro na garagem de Curumba, anexa a sua serraria, e outro filho de Benedito, Jorge Matos, colocou o nome de "Bacalhau da Barão" convidando outros serrinhas que faziam parte do Encontro dos Amigos de Serrinha, reunião anual de final de ano que acontece em Salvador, para ampliar o congraçamento. "Deu tanto certo - diz Jorge - que decidimos criar a AMBARCA e ampliar a festa, em 2012, com a instalação de um palco, apresentações da 30 de Junho e bandas locais, brincadeiras para as crianças e a queima de Judas".

  Daí, também surgiu a ideia e servir um bacalhau de forma mais organizada (no ano de 2011 houve um tira gosto de bacalhau) e a AMBARCA solicitou apoio do comércio para pagar as bandas, de voluntários que quisessem oferecer o bacalhau sendo que Gika Lopes forneceu 20k e a cozinheira Juciara Barbosa dos Santos Rocha produziu o bacalhau de moqueca e que foi vendido o prato a preço simbólico. 

  Nessa arrancada apoios decisivos de Jorge Matos, Berg Matos, João Matos, Jorge Matos Sobrinho, Tadeu Ramos da Silva, Antonio Carlos Batista, Verimar Dantas (fotógrafo do evento), Getúlio, Landinho, Betinho de Antide, Pedrinhio de dona América,  Malcon Greenhalgh, Edilson Alves Borges (Pião) Theo Ramos, Val Negão, Chicão do Vagão e outros.

  A partir de 2012, o evento embalou, o empresário Wardinho Serra doando espetinhos com carnes para o churrasco, embora ainda houvesse muita improvisação. Na realidade, a quadra da Barão de Cotegie que vai da casa de Sêo Felipe até a Serraria Matos sempre foi festiva e havia (ainda existe) um pau grosso colocado em frente a serraria, no meio fio do passeio da rua, onde se dizia (e ainda se diz) que quem é autêntico da Barão tem que "sentar no pau grosso", ainda que alguns sentem e gostem e digam: "lá ele".

  Certa ocasião, lembra Jorge, usamos a carroceria do caminhão de Jesse Pinho, o mais folclórico de Serrinha e que continha os dizeres "Amarelo Forte com Deus Vai" (Jesse já faleceu) para divulgar o testamento do Judas a ser queimado, "confecção nossa com a ajuda de Gleide (Guêdinho) filho de Sêo Dedé da Leste," e, tendo o caminhão como palanque, soletrou: - Para Luis, que gosta de passarinhos/ deixo minha gaiola/ com 17 sapinhos; e para Pedrinho/ que gosta de ser chofer/ deixo meu carro velho/ que só vai na marcha ré.

  Essa turma também jogava babas todos os domingos e participava de outras estripulias.

  Pelo Bacalhau da Barão já se apresentaram vários artistas da Serrinha - Maninho e seu violino, maestro Vinicius e seu teclado, Isaias Moreno, Filhos de Quelé, Filarmônica 30 de Junho, Supernova, Danilo Santiago, Chicão e Victor, e outras.

Por lá, também, já andou um lobisomem de Serrinha estilizado distribuindo rosas às mulheres, o jornalista Tasso Fraco já lançou dois livros e autografou outros, a turma do Encontro dos Amigos está sempre presente, e há um congraçamento geral todos os anos, com apoio da Prefeitura de Serrinha, do comércio, do site www.bahiaja.com.br e outros.