Cultura

VOLTA DOS CABOCLOS PARA PANTEÃO É MAIS AUTÊNTICA QUE 2 DE JULHO (TF)

Surpreendeu ontem a quantidade de pessoas presente na volta dos carros dos caboclos
Tasso Franco , Salvador | 06/07/2023 às 19:04
Retorno somente com o povo
Foto: BJÁ
     A volta dos carros da cabocla e do caboclo para o panteão da Lapinha vai se transformar com o passar de anos, mais relevante do que o desfile ao 2 de Julho, o evento cívico que se comemora a independência da Bahia contra o jugo portugues, em 1822/23, a guerra de cerco em que o brigadeiro-general revoltoso, Madeira de Melo, retornou a Portugal sem sofrer sua prisão, numa fuga consentida pelo comandante do exército pacificador, coronel José Joaquim de Lima e Silva.
 
  Digo que vai ser mais revelante pela autenticidade, retorno que é feito como o acompanhamento apenas da população, sem políticos, sem sindicalistas, sem militares, sem fanfarras, a de ontem puxada apenas pela Orquestra Xangô do maestreo Reginaldo, com uma quantidade de pessoas nunca vista até então. 

  Ora, o que vimos, ontem, nós que acompanhamos esse retorno há muitos anos e no governo Imbassahy (1997/2004) era preciso pedir a alguns servidores municipais que fossem participar da "volta" - popularmente assim chamada - porque ia pouca gente, foi uma multidão. 

  Lembro que, certa ocasião o professor Cid Teixeira, em comentário dizia que a "volta" era autêntica porque dela só participavam os abnegados e os homens do "quebra ferro", necessitando, assim, de maior suporte em divulgação. Mas, que nela não deveria se mexer deixando que a própria população se interessasse sem a interferência do poder público.

  Enquanto no 2 de Julho vão as autoridades e neste 2023 até o presidente da República, Lula da Silva, desfilou um pequeno trecho numa caminhonenete, atrasando a saída do cortejo, e há uma disputa intensa entre os políticos e sindicalistas com suas palavras de ordem - balões, bandinhas, seguranças, estandartes, camisas plotadas, etc - fanfarras com sons estridentes, filarmônicas e mini-cortejos de vereadores, deputados, chefes de Policia, etc, o que modificou o sentido comemorativo da festa cívica, na "volta" só a população é que participa, os diferentes tipos populares da cidade, numa fuzarca em que não há um comando, uma ordem estabelecida.

  Raimundo - permita-lhe chamar assim, pois, não quis dizer seu nome - um senhor de aproximadamente 55 anos, ontem, despejou o líquido de duas cervejas malzebiers nas folhagens dos carros da cabocla e do cabocla, e, em seguida, acendeu um charuto e baforou-os, benzeu-se, ajoelhou-se, e então perguntei a ele por que fazia aquilo e ele respondeu: "Para agradar os caboclos pois eles gostam de cerveja da preta e fumam charutos". 

  Então falei para que a cabocla era a representação simbólica de Catarina Paraguaçu que viveu no século XVI e as lutas da independência aconteceram no inicio do século XIX e na Bahia não havia cerveja preta. "Ora - meu caro, respondeu mais uma vez - sei que os caboclos gostam de cerveja e de charuto e sempre que posso venho ao Campo Grande, na volta dele para suas casas, e faço essa deferência". 

  Não se pode contestar o povo e acabou. 

  Uma senhora conseguiu um abacaxi na farra das frutas no desmonte dos balaios aos caboclos e quando a orquestra Xangô começou a tocar a música de Ari Barroso ela caiu no samba, em frente da orquestra, coreografando com o abacaxi; e o artista visual Adilson Guedes com uma arte que ele produziu e intitulou de "caboclinho" se aliou a tropicalista do abacaxi - e estamos falando de uma senhora com aproximdamente 80 anos - na dança.

  E uma terceira senhora levou uma foto do seu filho, que, segundo ela, está preso, por isso veio pedir aos caboclos para soltá-lo. Perguntei: a senhora acredita que eles vão soltá-lo? - Tenho certeza, foi o que respondeu. 

  É assim a festa do povo sem a intromissão de gestores disso e daquilo, cada qual faz o que quer, dança, canta, chora, sorri, ao seu modo e foi assim que se deu a "volta" dos carros dos caboclos entre o Campo Grande a a Lapinha cortejo que levou mais de duas horas com apotoses no Campo Grande, no Terreiro de Jesus e no Panteão da Lapinha.

  O povo sabe das coisas e se ele sentir que haverá ainda mais interferência no 2 de Julho, a "volta" vai superar em participação popular. Hoje, já bem mais autêntica e livre de amarras. (TF)