Cultura

O ANDARILHO DA CIDADE DA BAHIA - 10: O BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA

A Bahia é uma Nação com suas particularidades e miscigenação, a cara do Brasil
Tasso Franco ,  Salvador | 03/07/2023 às 10:44
Guarany da ilha de Itaparica
Foto: BJÁ


A multidão formada por homens e mulheres esteve presente às ruas da Lapinha e da Soledade para comemorar os 200 anos da independência da Bahia do jugo português

Vinde meus compatriotas à festa cívica mais relevante dos baianos da capital e do Recôncavo

Ouvi o governador, o prefeito e o diretor do Instituto Geográfico e Históricos com seus discursos rococós

O presidente da República também apareceu, tropeçou e quase caiu nos arredores de um convento e desfilou numa caminhonete cercado de seguranças, aplaudido pela população

Em tempos idos caminhava ao lado do povo, em tempos atuais, mudam, todos eles são sempre assim

Somos uma nuvem de gente a caminhar para o Terreiro de Jesus e Praça Municipal, os gafanhotos da liberdade 

Sou o andarilho também a pisar nas colinas de Cabrito e Pirajá a seguir pela serra de São Caetano

Os bravos que lutaram no conflito glorificam a nossa liberdade das garras de Madeira e Dom João VI, somos Lima e Silva, Elesbão e Dom Pedro I

Os tiranos não avançaram além da estrada de Campinas e da Boa Vista de São Caetano e foram expulsos de Salvador no 2 de Julho de 1823, de retorno a Portugal

A cidade voltou a ser dos brasileiros, a música das filarmônicas do Recôncavo, da Chapada e do Recôncavo ecoam dobrados dos maestros Azevedo e Wanderly

E avançamos em cortejo pelo Baluarte, Perdões, Ossos, Carvões, Ladeira do Boqueirão, Cruz do Pascol, Rua Direita de Santo Antônio e Carmo

O júbilo é intenso, vivas são entoados, lágrimas são derramadas  

Não ouvimos sons de foguetes e fogos de artifícios; nem o pisar dos cavalos dos Encourados do Pedrão

Abrem-se as portas da Igreja do Boqueirão, que milagre

A alegria toma conta da multidão e os sons dos sinos do Convento do Carmo e da Igreja do Passo são perceptíveis

As autoridades, poucas que vi, passam cercados de segurança, de meganhas, de “armários” troncudos

Cada qual ao seu modo praticam o civismo, o amor a causa

Cresce, oh filho de minh´alma/ para a pátria defender/ O Brasil já tem jurado, para independência ou morte

São Titara e Barreto dando o tom emotivo a festa

Passa um padre de missa, um monge franciscano, uma baiana do acarajé

Passa o povo, passa o pobre passa o rico, passa o feio e o bonito

Lá vai o cortejo descendo a ladeira do Carmo em direção ao Pelourinho, ao seu largo imponente, ainda com o nome de José de Alencar, um escravocrata

Esses edis da nossa cidade não se emendam, não consertam essa aberração

Vixe! lá vem os polÍticos com suas frases demagógicas sindicalistas com suas eternas bandeiras de lutas e os mesmos de sempre

O tocar dos bronzes no Rosário dos Homens Pretos chama a atenção e membros da irmandade perfilada se organiza em frente ao tempo com suas vestes alvinegras, homens e mulheres, alguns de cabelos brancos

A turba humana avança e o cântico do hino diz que o sol é brasileiro, os clarins tocam num casarão do Largo do Pelourinho

Os versos de Ladislau dos Santos Titara e José dos Santos Barrêto estão na boca do povo

Que encantador: nunca mais, nunca mais, o despotismo/regerá, regerá nossas ações/com tiranos não combinam/brasileiros corações

As rodas das carruagens puxadas pelos homens do batalhão do Quebra Ferro avançam pelo Carmo e Pelourinho

Uma senhora idosa se aproxima e beija a roda, um homem velho se benze, um jovem filma e lança um buquê de flores e os carros com a cabocla, a representação da Catarina Paraguaçu, e o caboclo, param para receber coroas de flores no Rosário dos Pretos Homens

Vejo um vendedor de picolé, outro oferecendo água, um terceiro do algodão doce, um quarto quebra-queixo, a baiana vende acarajé a abará em frente a Fundação Casa de Jorge Amado, um senhor oferece chapéus

Os tipos populares que passam são um retrato fiel da Bahia como diria Riachão, o torcedor do Ypranga com a camisa amarela e preta; o do Bahia, tricolor; o do Vitória rubro-negro; o fantasiado de Brasil, um marinheiro, um homem usando pernas de pau, uma senhora com pena de papagaio na cabeça

São tantos a anotar: uma alcoviteira, freiras, noviços, um padre barrigudo, crianças, velhos, dançarinos, capoeiristas, sambadeiras

É a festa do povo, da roda de capoeira, do grupo de samba, do violeiro, dos integrantes do Filhos de Gandhy com suas fantasias carnavalescas  

As clarinetas das filarmônicas sorriem, como gosto deste instrumento, as tubas dão o grave, a caixa repica até que a chuva intensa, a natureza toma conta do cortejo, silencia a todos

Os maestros das fanfarras e das filarmônicas estão completamente molhados pelo aguaceiro enviado do céu por São Pedro, que loucura! para-se a música, o cortejo é interrompido

A festa do povo perde seu colorido, seu amor, seu suor, e vai recomeçar noutro astral

Mas, não para: Uma mamãe com duas crianças acena tremulando bandeiras da Bahia e do Brasil e os carros da cabocla e do caboclo chegam ao Terreiro, seguem adiante e estacionam na praça onde Thomé de Souza fundou a cidade, em 1549

A cidade da Bahia reverencia os seus heróis: os tupinambás, os negros, os pardos, os escravos libertos, os marinheiros, os brancos, os sararás, os caboclos, os vaqueiros, as mulheres, os militares dos batalhões da Bahia, da Paraiba e Pernambuco, a elite açucareira, os estrangeiros Crochane e Labatut, toda essa gente que junta e misturada forma a nossa Nação chamada Bahia

Que não tem dono nem patrão, que vive a cantar e a dançar livremente, e é insubmissa