Cultura

O REGGAE DA INDEPENDÊNCIA E O GLOBO REPÓRTER, por JOÃO PAULO COSTA

João Paulo Costa é jornalista ex-secretário de Comunicação no Governo Paulo Souto
João Paulo Costa , Salvador | 01/07/2023 às 13:27
A independência folclorizada
Foto: Rede Globo
    No distante ano de 1979, a finada TV Tupi tentou relançar os Festivais de Música, que na década anterior haviam sido responsáveis pelo despontar nacional de futuros mestres na nova MPB, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Elis Regina e tantas outras estrelas. E muita gente boa usou essa nova janela para se projetar a um público maior – Arrigo Barnabé, Kleiton e Kledir, Oswaldo Montenegro, Joyce, entre outros passaram pelo palco e pela tela e se tornaram conhecidos de um grande público. 

  Mas, de acordo com um dos mais ilustres participantes daquela disputa musical, o já citado Caetano, a melhor canção disparada do Festival Abertura (o nome dado pela Tupi para se vincular ao momento político do país) foi Reggae da Independência, dos baianos Jorge Alfredo e Chico Evangelista, com letra de Antônio Riserio. Pena esse ter sido o entendimento do júri que não classificou a canção para a final do concurso. 

   De qualquer forma, como o próprio Jorge Alfredo disse em entrevistas posteriores, ninguém em São Paulo o no Rio tinha a menor ideia do tema da canção – a Independência no Brasil na Bahia. E, pior, segundo Riserio pouca gente mesmo no meio musical sabia o que era Ijexá. O que dizer do outras coisas citadas como Pirajá, Dona Dada do Matatú e (da Mata Escura) Dona Zilá? 

   O fato é que os livros de história adotaram como narrativa (olha a palavra aí para melhor datar esse texto) do 7 de setembro para simbolizar a Independência do Brasil, mesmo sabendo que a famosa imagem do Grito do Ipiranga foi uma recriação artística – na verdade uma cópia de um pintura francesa – e que os fatos históricos que levaram a separação entre Brasil e Portugal foram muito mais complexos e intricados do que o arroubo do príncipe Dom Pedro que queria virar Imperador. 

  Mas o 2 de Julho passa hoje por um processo nacional de resgate ou mesmo descoberta, ao mesmo passo que historiadores mais esclarecidos vêm revelando a um maior público a participação decisiva de instituições nacionais como o Clube da Resistência e de pessoas Jose Bonifácio e da futura Imperatriz Maria Leopoldina na separação de nosso país de Portugal. 

  Dessa maneira temos que louvar a iniciativa do Rede Globo em exibir um Globo Repórter produzido pela afiliada TV Bahia para trazer informações sobre a Independência do Brasil na Bahia, o novo nome oficial da data que realmente precisa ser mais conhecida e valorizada por todos os brasileiros. E teve direito até a reportagem especial no Jornal Nacional para anunciar o programa. 

  Surgiu aí a primeira pulga atrás da orelha. A repórter Camila Marinho, a mesma que protagonizaria todo o Globo Repórter, foi às ruas de Ipanema para mostrar a pouco conhecida estátua do corneteiro Lopes Luiz e dizer que as ruas do bairro, como Maria Quitéria, Marques de Pirajá, Barão da Torre e Garcia D’Ávila, eram homenagem aos heróis da independência da Bahia. Bem, aqui na Bahia nós chamamos o herói improvável da Batalha de Pirajá de corneteiro Lopes e sabemos que Garcia D’Ávila e Barão da Torre são a mesma pessoa e nada tem a ver com a Independência da Bahia.

  Mas tudo bem, poderiam ser pequenos erros frente à grandeza do tema que merece todo o destaque possível. Porém, veio o Globo Repórter e quem esperava um relato sobre a história e a importância do 2 de Julho, se deparou com um programa de turismo e gastronomia, no qual os relatos históricos são apenas panos de fundo para uma venda das belezas naturais da da Ilha de Itaparica, Iguape, Cachoeira e Recôncavo – algo justo também, mas que deixa muito a dever em termos de informação sobre o tema que todos precisam saber mais: a Independência do Brasil na Bahia. 

  Quem imaginava ouvir falar das pesquisas e textos do professor Luís Henrique Tavares, viu Camila Marinho tomando banho de mar e andando de bicicleta aquática em Cachaprego. Quem esperava conteúdos mais profundos sobre os heróis e heroínas, viu Camila Marinho comendo moqueca e provando cacau de uma “fazenda-modelo” em São Francisco do Conde.

   E para completar, quem esperava informações precisas sobre datas e fatos históricos, assistiu o programa citar em locução e nos créditos finais que a Orquestra Sinfônica da Bahia que interpretava o Hino ao 2 de Julho era regida pelo maestro Fred Dantas – quando a imagem mostrava o real Diretor da Orquestra, Carlos Prazeres. Mais que imprecisão e confusão de informações, o programa revela a nova gramática da TV Brasileira: a submissão estética ao padrão das redes sociais.

  O Globo Repórter parecia uma mosaico de vídeos de Instagram, onde paisagens e experiências pessoais são mais importantes que informações. Por essa lógica, mais interessante é ver imagens de golfinhos e das praias da Baía de Todos os Santos do que ter acesso a conteúdos de valor histórico. Tanto faz se o nome do maestro está errado ou se o Bembê de Santo Amaro surgiu muitos anos depois da independência, porque o importante é mostrar Dona Canô e a família de Caetano Veloso (olha ele aí de novo). O importante é encher a tela de referência de pessoas famosas e lugares bonitos para conseguir likes e seguidores. E quem quiser saber realmente da Independência da Bahia, vá ouvir Jorge Alfredo e Chico Evangelista.