Cultura

O ANDARILHO DA CIDADE DA BAHIA 8: LOUVORES AO VERDADEIRO PADROEIRO

Meu navio de sonhos só navega na memória do tempo observando o peregrino Antônio a andar pelo interior da Itália, a dialogar com os peixes, em Rimini,
Tasso Franco ,  Salvador | 18/06/2023 às 09:30
O andarilho ao lado da imagem de Santo Antônio no Além Carmo
Foto: OG

  O velho andarilho está ancorado no Largo de Santo Antônio Além do Carmo nos louvores ao santo de Lisboa e Pádua, no 13 de junho, data em que o glorioso morreu há 792 anos quando desceu da árvore Nogueira, hoje, mosteiro de Clarissa de Clausura Estrita, desfalecendo nos braços do frei Rogério

Meu navio de sonhos só navega na memória do tempo observando o peregrino Antônio a andar pelo interior da Itália, a dialogar com os peixes, em Rimini, a convencer uma mula as ajoelhar-se e receber a sacristia, em Tolosa, a converter infiéis, a selar a paz entre os guelfos e gibelino, na monumental Florença

A encantar o papa Gregório IX que o canoniza e o sagra santo no alvorecer do século XIII e minha nau navega no século XXI, no Além Carmo, com uma fé indomada a rezar, o povo a cantar, o povo da Bahia a dançar, em homenagem a este santo

Que devoção é esta que eu vejo, que escuto, que aprecio, o rodar de uma saia ao som do clone de Luís Gonzaga, o Val, a tocar e cantar no correto do largo, senhoras sentadas nos bancos da praça orar, todas de cabelos brancos como a neve, baianas dos Perdões, do Boqueirão, do Barbalho, da Saúde, da Soledade, do Taboão

Pipocam fogos, a procissão se arrasta pelo chão na rua mais bela da cidade, a Direita, um paraíso que leva ao céu, e ouço cantos e ladainhas, os andores avançam, o pároco em altar instalado à frente do templo a Antônio a gritar, cantem mais alto, aplaudam, lá veem eles

À frente, em andor emoldurado com as bandeiras do Brasil e da Bahia adentra na praça embandeirada com lanternas de papel crepom e palmas de coqueiros nos postes, o santo dos santos, o Senhor, o Salvador, o Senhor do Bonfim, que abre a fila para saudar o franciscano de Lisboa e abençoar o povo na praça

 

E logo atrás lá vem o andor de Antônio, as mulheres se alvoroçam, as viúvas se agitam, as solteiras põem as mãos aos céus e em sua direção, oh! milagreiro salvai-nos, dai-nos um marido que seja bondoso e fiel como foste tu, a Deus a igreja

Viajo em pensamentos para Lisboa onde nasceu o pequeno Fernando de Bulhões em casarão do nobre Martin de Bulhões e Maria Thereza Taveira, neto de Godofredo de Buillon, chefe da 1ª Cruzada para libertar Jerusalém, numa cidade que havia acabado de ser livre dos mouros por Afonso Henriques, em 1147, onde hoje está sua basílica

Que menino sagas, peralta, letrado, estudioso, vai ser um nobre e guerreiro em armas como o pai e o avô para defender Portugal e Jerusalém, para se alistar nos campos de batalha de Dom Sancho

Fernando atravessou a juventude sem ceder as desordens da paixão da carne, muitas eram as mocinhas a lhe paparicar, a lhe chamar de belo, se distanciou dos dardos do amor nos namoricos das ruas escuras da velha Lisboa

O jovem subiu a ladeira que dá até o Convento da Ordem dos Frades Pregadores de São Vicente, próximo dia sua casa, e tocado pela mão de Deus e disse aos pais que seu caminho era outro, não às armas e as lanças, não a luxúria e aos vinhos, não à riqueza e as argolas e colares de ouro

E seguiu para Coimbra internando-se no Convento da Santa Cruz para alisar os bancos do saber com os doutores da igreja, para um deles ser, e vestiu o hábito branco dos franciscanos e trocou de nome para Antônio e seguiu sua trajetória iluminada

Seu desejo de conhecer o superior da ordem, Francisco, de ser um pregador errante pelas terras da Europa que era o mundo até que. após embarcar em missão para a África, numa missão franciscana em que os que lá chegaram foram degolados pelo mulçumanos, uma tormenta fez a sua nau aportar na Sicília, avariada

E tocado pela mão de Deus saiu a pregar a sua palavra e os seus ensinamentos aos incréus, aos infiéis, aos gananciosos, ao povo de uma forma geral até quando suas forças físicas resistiram

Foram anos de peregrinação até ser nomeado Provençal da Romanha, ser também amaldiçoado pelos poderoso, ter a sua garganta esgoelada pelo satanás, mas nada disso impediu a sua trajetória se tornando um sábio da igreja, tendo inclusive o poder da bilocação, de estar ao mesmo tempo em Bolonha e em Lisboa

Frade Antônio pregou na quaresma para milhares de peregrinos na praça de São Pedro e pela virtude do Espírito Santo falou várias línguas para que todos entendessem, e o papa Gregório IX que estavam diante da "Arca do Testamento" e do "Tesouro da Santa Escritura" e assim disse: "Olhem para aquele em que está confiada a noiva de Cristo"

E seu legado vejo aqui no Além Carmo ajoelho-me para orar como o fiz no local onde nasceu, em Lisboa, no dia em que Fernando veio ao mundo, em 15 de agosto de 1195, e o faço na reza pública de Rodrigo Guedes o artista que comanda na casa de sua avó na Direita do Carmo, e na missa campal do largo celebrada pelo bispo auxiliar dom Valter Tomás

Salve Antônio, o velho andarilho da cidade da Bahia também dança em frente ao coreto do Além Carmo, e ouve o som da sanfona, a zabumba e o triângulo a saudar o casamenteiro, rodopeia, quase cai e vai aos beijus, aos alfarjós e a carne de sol com pirão de leite

É a cidade filha de Lisboa a dar seu tom, seu toque de caixa, sua picardia com canjicas e bolos de milho e de aipim, vendo a alegria do povo, dos humildes como Antônio, e chega o momento das orações mais concentradas na missa campal para o verdadeiro padroeiro da cidade

Um certo Francisco Xavier o destronou do padroado com a força dos jesuítas e a incúria da Câmara, mas o povo, a gente da Bahia, os ricos e pobres, seguem a Antônio, louvam a Antônio, e são tantas as igrejas, no centro, na Barra, na Mouraria, nos bairros, em toda a Bahia que esse título ninguém lhe tira

É o santo mais querido da Bahia, o milagreiro, o casamenteiro, o simples, o sábio, e tem o nome da gente do povo que vira Tonho, Toinho, Antonho, o que importa é que é um dos nossos

Não duvidem, se perguntarem ao povo, dirão que nasceu na Bahia, nas dunas de Itapuã, achada que foi sua imagem, de pé, em 1595, dito pelo frei Antônio de Santa Maria Jaboatão ser proveniente de Argoim, Costa d'África, e lançada ao mar por naus de franceses luteranos

E no 25 de agosto de 1595 foi conduzida para o Convento de São Francisco, com maior pompa e solene assistência de representantes da Câmara e do Cabido, e a esta Câmara toda a Cidade da Bahia tomaram o santo como seu padroeiro, como consta da ordem do governador do estado, Rodrigo da Costa

E a população desta cidade como vemos no Além Carmo, bairro que tem seu nome, o ama para sempre