Cultura

A HISTÓRIA DOS BAIRROS DE SERRINHA, CAP 29: COMO CENTRO HISTÓRICO CAIU

Calçamento antigo feito com pedras roliças e que permaneceu até a década de 1960
Tasso Franco , Salvador | 07/06/2023 às 10:20
Trecho da praça vendo-se casarões de Joaquim Hortélio e Agenor de Freitas
Foto: Loja Mota

 Vimos no capítulo anterior que os bairros em Serrinha só vão surgir a partir de 1891 quando a vila já emancipada como município (1849) desmembrado de Irará recebeu os foros de cidade e como o futebol, o primeiro esporte a ser implementado na localidade, em 1919, se disseminou no correr dos anos em todos os bairros. Um detalhe curioso é que, Serrinha, já na condição de povoado, depois vila e cidade participou dos três momentos políticos e administrativos do país: o Brasil Colônia (1723 - data que Bernardo da Silva compra o sitio Serrinha; a 1822 - fim da época colonial; o Brasil Império - 1822 - 7 de setembro, inicio do Império até 1889 - o seu: e 1889 - 15 de novembro início da República até os dias atuais.

  Veja que curioso: quando Serrinha instalou a Intendência, com Mariano Sylvio Ribeiro (1891/1893) a cidade era imperial e ainda tivemos mais dois intendentes (cargo correspondente a prefeito, atualmente) imperiais: Basílico Cordeiro de Almeida (1893/1896) e Leôncio Marques Pedreira de Freitas (1896/1899) e a Casa do Conselho (atual Câmara de Vereadores) era constituída por representantes dos partidos Monarquista (conservador) e Liberal; e só a partir do governo de Leovigildo Cardoso Ribeiro (1900/1903) é que vai surgir o Partido Republicano (PR).

  E os bairros quais eram dessa época?

  Na prática, só existia um bairro que era o Centro Histórico (hoje, Centro) que se estendia ao Sul até a linha do trem; ao Norte até a praça do Castelo (hoje Miguel Carneiro onde existe a catedral); a Leste até o cemitério paroquial; a Oeste até a rua direita da Praça da Matriz.

  Nessa época imperial começaram a prosperar e se consolidarem aos poucos os bairros: Cruzeiro, Bomba e Treze em função da Rede Ferroviária. Com a chegada da Transnordestina, no governo Getúlio Vargas, na década de 1930, abre-se um novo vetor Leste/Oeste/Norte e vai surgir na área Norte o bairro da Rodagem.

  O CENTRO HISTÓRICO

  Hoje, vejo muitos serrinhenses nas redes sociais da internet "chorando" ou se queixando que foi um absurdo o que aconteceu com o centro histórico de Serrinha, quase todo destruído ou mudado, e diria que esse é um tema complexo e que nenhuma das famílias pode ser culpada ou julgada pelo que aconteceu, pois, se tratou de um processo natural, histórico, que se deu, também, em centenas de localidades no Brasil.

  Alguns fatores são determinantes desse processo. Primeiro, a cultura. O Brasil nunca teve uma cultura de preservação nacional dos centros históricos salvo nos centros históricos muitos tradicionais como Ouro Preto, Mariana, Salvador, Cachoeira, Rio, Petrópolis, Goiás Velho, etc, locais que se contam nos dedos. Bem diferente do que acontece nas cidades europeias e asiáticas.

  Ainda assim, em Salvador, na capital mais antiga do país (1549) derrubaram muita coisa e o IPHAN só nasceu na década de 1930 depois do clamor que foi a derrubada da Sé Primacial de Salvador para passar uma linha de bondes na praça da Sé. E houve uma descaracterização enorme na mancha matriz mesmo no centro mais antigo, Sé, Rua Direita dos Mercadores do Palácio, Avenida Sete (antigo Caminho para a Vila Velha).

  O segundo fator é que Serrinha nunca teve uma legislação municipal que proibisse a derrubada dos prédios históricos especialmente os sobrados da Praça Luis Nogueira, Rua da Estação a transversais.

  Até a década de 1960 ainda existia muitos desses prédios em pé e até bem conservados, mas aos poucos foram sendo demolidos para dar lugar a novas construções.

  Um outro fator interessante são as mudanças nos perfis das famílias. No Centro Histórico viviam as famílias de maior poder aquisitivo e os filhos e netos desses patriarcas e matriarcas migraram para Salvador em busca de oportunidades de trabalho e formação profissional em nível superior. E, a maioria, nunca mais voltou a Serrinha para morar. Só visitam a Serrinha a passeio.

  Temos um grupo chamado Encontro dos Amigos de Serrinha que mostra bem essa realidade: pessoas que residem em Salvador, RMS e fora da Bahia e que não voltaram a morar em Serrinha nunca mais, salvo raras exceções.

  E assim foram os mais antigos e poderia lembrar alguns deles só para efeito de exemplo: quando Ruy Barbosa esteve em Serrinha se hospedou no sobrado de Agenor Pedreira de Freitas. Todos os Freitas das gerações seguintes foram para Salvador e nunca mais se fixaram em Serrinha. Ainda há um casarão na Rua da Estação em processo de definhamento.

  Na minha época de menino (1950), havia um corredor de sobrados na Luís Nogueira e um desses sobrados era a residência e consultório dentário de Dr Palma, o qual foi embora para Salvador com mulher e filhos, uma delas, hoje, idosa, é dentista. Ao lado do dele era o de Dr. Sandoval, juiz, que também desapareceu. Adiante, a residência estilo classista de Moacir Bacelar cujos 4 filhos foram para Feira e Salvador, casa que resistiu até começos do século XXI.

  São dezenas de casos que poderia citar, dos que me lembro.

  Veja, portanto, como esse processo é difícil exige cultura (que a cidade não tem), lei (que a cidade não tem) e interesse familiar (difícil de ser conseguido diante das migrações).

  Daí que tudo foi abaixo e ainda restam de pé a igreja matriz de Sant'Anna (o prédio mais antigo da cidade, 1780), o Paço  Municipal, da época de Luís Nogueira, 1917, desabando há 30 anos; o coreto (tb de 1917, que já se modificou com a retirada do chapéu zincado), o palacete dos Nogueira (órgão da Prefeitura Municipal), a casa de tio Miroró (ao lado do palacete Nogueira). Há, ainda, casas isoladas ainda da época de República Velha (1889-1930) nas Ruas Antônio Rodrigues Nogueira, Barão de Cotegipe e 2 de Julho. E só.