Cultura

ANDARILHO DA CIDADE DA BAHIA 4: O POETA ÁLVARO E O VOO PARA ETERNIDADE

Em busca da felicidade o poeta Álvaro fazia qualquer coisa ao seu olhar
Tasso Franco ,  Salvador | 21/05/2023 às 07:45
O poeta Álvaro e o voo para a eternidade
Foto: Borega
  Em busca da felicidade o poeta Álvaro fazia qualquer coisa ao seu olhar

   Amava a lua, as estrelas, o pão que saboreava nas manhãs

   Adorava os pássaros com seus cantos, o soluçar das ondas do mar

   Cultuava o sol e o deus eros com suas asas de anjo 

   Praticava o arco e flecha e exercitava a mente com a meditação chinesa 

   Se o coração celeste fica entre o sol e a lua, os dois olhos

   Atingiria, pois, com treinamento e aplicação: o nirvana

   Mas, coitado, nunca conseguiu alcançar a Flor de Ouro, a luz

   Os confucionistas chamavam-na: o centro do vazio

   Coração celeste a morada; a luz, o senhor da casa, Confúcio assim definiu

   Como, então, desvendar o segredo da flor de ouro e chegar a terra dos antepassados

   E conhecer a ancestral felicidade? 

   Que poderia fazer para conseguir tal façanha?

   Ah! seria, então, inacessível e um dom somente para os budistas, o terraço da vitalidade?

   A felicidade estaria nesse terraço?   

   Deu-se conta, certa ocasião, de que ainda tinha muita estrada a rodar

 

   Porém, quanto mais andava mais a felicidade se distanciava dele, assim lhe parecia

   Daí tantos temores a assaltar a sua mente, imagino, fértil

   Seu amor foi-se embora e com outro teria partido, trocou-o por um ser visível

   É verdade: Sentiu a sua ausência, a sua falta, mas culpava a si e não a ela

   Mulher inocente, casta, pura que vivia com um supérfluo, inútil, eis tudo

   O que era, isto sim, um ser insignificante

   E agora, por conta disso, temia as mulheres como o diabo da cruz

   Precisava, pois, trocar os sapatos, aposentar o surrado casaco bege

    Dar um novo corte no cabelo, bem que ela avisava: "Você não tem mais cabelos".

   Modernizar-se

   O poeta, no entanto, malgrado as evidências, resistia às mudanças da vida à vista

   O terno de linho branco que usava era o mesmo modelo do Ruy, do Patrocínio

   O chapéu inglês e a bengala já estavam em desuso há anos

   O cavanhaque, o bigode retorcido, o picinê, tudo já havia morrido

   Quando ela se foi lhe disse: "Acompanhe as transformações da sociedade"

   Não necessitas ajudar aos pobres e sim a si mesmo, ouviu isso

   Avance se recicle, saia do neolítico e entre na modernidade

   Ouviu tudo de forma resignada

   Convicto estava de que o tempo daria um jeito na sua forma de ser 

   Mudar, jamais, a esperança havia escapado de suas crenças há anos

 

   Dava-se, pois, o luxo de cultuar o nada como Bázarov

   Que se danem todos, que o mundo gire e exploda

   A Cidade da Bahia é dividida em duas, a baixa e a alta

   Essa é a terra de morada do poeta Álvaro e de tantos outros

   Dizem ser bela como a deusa Isis, como Cleópatra

   Certo dia, ao subir o Elevador Lacerda, o carril público que liga as duas cidades

   Deparei-me na entrada do ascensor com o poeta

   Que me pareceu disperso, aéreo, imaginei com vontade de voar

   Não que tivesse o espírito aventureiro de Santos Dumont

   E seu balão dirigível que contornou a Torre Eiffel

   Parecia-me por sua atitude sonâmbula que voaria para a morte

   Em "As Dores do Mundo", Schopenhauer diz que "a morte é o gênio inspirador da filosofia"

   Sem ela, dificilmente ter-se-ia filosofado

   E o poeta Álvaro era também um filósofo das trevas

   Contive-o em palavras: - Onde pensas que vais?

   Esta é a porta de saída e a janela aberta para o voo 

   Quem desce para a cidade baixa usa a outra porta - confidenciei em seu ouvido

   - Equivoquei-me, respondeu-me

   Estou sem senso de direção, sem esperança, sem encontrar a luz

   Daí imaginei voar um pouco sobre a Baía de Todos os Santos

   Livrar-me-ei da roda de Ixion e das chamas interiores

   Mas, que bom vê-lo, poderíamos voar juntos

 

   - Não. De forma alguma, ainda não chegou a nossa hora 

   Venha - peguei-o pelo braço, vamos ao Café das Meninas para um curto

   A nossa caminhada é em outra direção na praça que nasceu a fortaleza

   A terra abençoada pelo Senhor, o Salvador

   - Sigamos, então, alegrou-se o poeta

   Tomemos a rua direita do palácio e cuidado para não voar seu chapéu

   Passamos pela Tira Chapéu e pela Rua dos Capitães

   E brindamos cafés com brioche

   Rimos à mancheia, contamos causos, bolinamos mocinhas assanhadas

   - A vida aqui parece mais alegre, mais amena, confidenciou-me o poeta

   Foi uma tarde maravilhosa até que nos despedimos

   Eu, em direção ao Carmo; ele rumo a ladeira de São Bento

   Meses depois, encontrei o poeta Mendes Jr no Porto Moreira

   E, entre saudações, procurei saber se tinha notícias do poeta Álvaro

   Sim, a gazeta de hoje diz que voou para o além

   Antes de sobrevoar a Baía de Todos os Santos, como relata a reportagem

   Aterrissou na ladeira da Montanha saudando a filosofia

   Os anjos não o sustentaram

   Mas não disse; nem eu perguntei

   Tomamos um drink em silêncio