Cultura

EMPREENDEDORES DE RUAS INVISÍVEIS EM SALVADOR, 4: LIVREIRO DA PIEDADE

A Praça da Piedade foi o local onde os conspiradores da Revolução dos Alfaiates foram enforcados no final do século XVIII
Tasso Franco , Salvador | 12/05/2023 às 16:28
Lázaro Santos, 44 anos de idade, 30 na praça da Piedade
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  Uma família - pai, filho e filha - que vivem do comércio na Praça da Piedade, Salvador, a céu aberto, em frente à igreja de São Pedro e têm na rua o sustento e a sobrevivência vendendo um bem precioso e de cuidadosa comercialização: livros de segunda mão ou usados. Trata-se, pois, da sobrevivência a cultura o que é uma tarefa bem mais difícil, experiência, tino para os negócios e um relacionamento com segmentos da população responsável pela doação dos volumes.

  "Não tenho do que me queixar" confessa Lázaro Santos, 44 anos de idade, praticamente nascido e criado na rua, uma vez que ainda muito jovem, um adolescente, começou a "guardar vagas" e lavar veículos no São Raimundo, área que está integrada a Av Sete e fica próxima da Piedade, daí, já com algum conhecimento de pessoas que atuavam nas proximidades do Gabinete Português de Leitura foi ser auxiliar na banca de livros, CDS, “bolachões” (discos de vinil) e outros de Bob Baiano.

   Com o passar dos anos, estávamos falando da primeira década dos anos 1990 e da primeira década do século XXI, Lázaro ganhou experiência desvinculou-se de Bob, "numa boa" e colocou sua própria banca na praça, de testa com a igreja de São Pedro, onde está até hoje e desde 2014. 

   "São muitos anos de experiência vendendo livros usados e hoje sinto que entendo do assunto e tenho a ajuda de muitas pessoas de Salvador, de gente que traz livros e me faz doações, de graça, sem que tenha de pagar nada, e também vou buscar na casa de professores, intelectuais, de quem deseja doar e tem muitos livros em estoque. Marco com essa pessoa, providencio um táxi e vou buscar tudo o que posso, às vezes 100, 200 ou mais livros", confessa.

   - É uma trabalheira enorme, pergunto.

   Lázaro conta-me uma passagem da bíblia já com o livro escrito pelos apóstolos em mãos: - Deus falou para Luzibel, o anjo da luz, você vai construir a casa do rei. E este pensou! ora, se posso fazer a casa do rei, por que não posso fazer a minha? E fez.   

    Então - adianta - eu também construo a minha, trabalho e sou feliz com o que tenho.

   Chega Camila, 23 anos, a sua filha mais nova com uma criança de 7 anos a segui-la. - É minha filha, veio me ajudar. Vou sair para pegar uma encomenda e ela toma conta da banca.

   - Quero saber qual versículo tirou essa parábola da bíblia, questiono.

   - Eu não sei qual é, mas está aqui dentro, aponta para a bíblia ainda em mãos. Se eu for ler a bíblia toda posso ficar alienado como alguns pastores de igrejas de crentes.

   Vixe, mudo de assunto: - A família unida vende livros, pois, a banca ao lado é do seu filho Lucas e está todo mundo integrado, inquiro.

   - É isso mesmo. Camila é minha diretora, brinca enquanto recebe carinho do neto que sai a correr pelo passeio. Além dos livros vendemos CDs e discos de vinil, os "bolachões". Agora, com essa máquina nova, pequena e portátil que está à venda nas lojas os discos de vinil estão valorizados e alguns deles podem chegar a valer até R$1 mil. Eu vendo barato (preços variam entre R$5,00 a R$10,00) mas lá em Jorge (casa da rua da Forca especializadas em vinis antigos e CDs, idem) os preços são outros. Aqui, em nossa banca vendemos 3 CDs por R$5,00.

   - A internet derrubou esse comércio que havia à mancheia na Avenida Sete, comentou.

   - Tudo vai mudando e os vendedores de ruas vão se adaptando aos novos tempos. Nós, aqui, já algum tempo, porém, ainda recente já vendemos nos cartões e aceitamos PIX. O uso do PIX é uma coisa nova. E tudo ajuda nas vendas. Veja outra novidade: eu recebo ajuda da TV de Rua do Valci na divulgação da banca e nas doações de livros e exponho placas com meu número do celular para ficar bem visíveis aqui na banca. No passado não tinha isso.

   - Você acha que dá uma contribuição ao desenvolvimento social e econômico do país?

   - Sem dúvida. Se trabalho, se consumo, se toda família está aqui, pra que contribuição melhor do que essa.

   Lázaro se despede e fico a conversar com Camila.

   - Como você é jovem e já tem um rapazinho? - sondo-a.

   - Ganhei bebê aos 17 anos de idade e hoje estou com 23.É a vida. 

   - Quais livros as pessoas gostam mais de comprar?

   - Ah! compram de tudo. Por isso mesmo a gente espalha tudo misturado - romances, contos, história, técnicos, culinária, etc - e as pessoas que escolham o que querem. Estamos com a promoção de 6 livros por R$10,00; e no individual custa R$2,00.

   Queixo-me do sol que estava forte e sapecando nossas cabeças e ela responde: - Viva o sol. Rui é com chuva que a gente tem que cobrir tudo para não molhar os livros. É horrível tempo chuvoso. As vendas despencam.

   - Deve ser uma correria cobrir isso tudo, digo.

   - Olha! Armou tempo que vai cair chuva a gente começa logo a cobrir. Estamos acostumados. Como nosso negócio é a céu aberto temos que desarmar tudo no início da noite para guardar num depósito. 

   - Quanto custa por mês o depósito?

   - Não sei, meu pai é que sabe. Mas, pagamos o depósito e a licença da Prefeitura.
                                             *****
   Despeço-me de Camila e vou dar um dedo de prosa com Lucas, o filho de Lázaro, dono da banca ao lado. Na verdade, um estrado com os livros espalhados e um mostruário.

   - De outra feita lhe encontrei fazendo piruetas na praça da Piedade usando uma bike, comecei.

   - É, agora tenho minha banca e preciso trabalhar, cativar os clientes, fazer meus negócios. 

   - Como estão as vendas?

   - Variam de dia para dia e depende do sol e dos clientes, mas não temos nada a reclamar. Essa é a vida que escolhemos e temos que encará-la.

   - O que mais vendes?

   - Os livros religiosos, os romances espíritas.
                                              *****
   Bem pra fechar esta matéria informo que esta família é natural da capital baiana e trabalha de sábado a sábado no Jardim da Piedade. No domingo é folga. Normalmente as bancas estão abertas a partir das 8h e ficam assim até às 18hs. 

   Ouço os sinos da igreja do Relógio de São Pedro anunciado que era meio dia. Benzo-me, benzemo-nos. E Lázaro comenta, aos domingos estou nesta igreja de São Pedro, todos os domingos, auxiliando o padre na missa.