Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 55 (FINAL): VALE A PENA UMA TEMPORADA

Livro será editado pela Ojuobá e publicado no site Amazon.com ainda neste mês de março
Tasso Franco , Salvador | 05/03/2023 às 11:19
O símbolo mais representativo da cidade, a Torre Eiffel iluminada no 14 Juliet
Foto: BJÁ
 
   Existem milhares de citações sobre Paris. A mais comum - por isso mesmo insuperável - é: "A mais bela cidade do mundo". Não vou criar uma de minha pena porque seria chover no molhado. Aliás, permita-me chamá-la de "bosque da alma". Não sei se alguém já falou isso, mas como cada pessoa tem sua alma própria, esse meu bosque é de bétulas violáceas. Não tenho veia poética de Baudelaire, o qual disse: "Eu amo capital infame". E temia a solidão e o crepúsculo, que "excita os loucos".

   Paris é assim, uma loucura: cidade dos sonhos, da volúpia, do prazer, da inspiração, dos “les miserables”, das cocotes, dos vinhos e queijos, da sofisticada culinária e também a cidade das tragédias, das ocupações romana, prussiana, alemã e russa, da guilhotina, da noite de São Bartolomeu, de tantas e tão antigas história que lembra na imaginação de Proust em seu romance "Em Busca do Tempo Perdido" - Sodoma & Gomorra - as duas que Deus teria destruído diante de tantos pecados e ninguém sabe se, de fato, já existiram ou são apenas narrações ficcionais da bíblia, ainda hoje no imaginário popular.

   Paris, no entanto, existe, é palpável, anda-se por suas ruas e às margens do Sena, nada está submerso salvo as antigas muralhas que a protegeram contra as invasões, numa delas, dos hunos, não concretizada porque uma jovem de 15 anos chamada Genoveva convocou a população para resistir ajoelhando-se e rezando, o que fez com que Átila mudasse de rumo e rumasse para Orleans. Sendo Paris uma cidade da libertinagem não teria virgens suficientes para sua tropa de bárbaros - é o que narram historiadores.

  Posteriormente, a igreja católica santificou Genoveva tornando-a Saint Geneviève a padroeira do lugar; e submersos estão alguns templos antigos e o casario que deu lugar aos bulevares, ruinas embaixo da terra.

   No mais tudo é visível e belo, a Torre Eiffel, a catedral Notre Dame, La Chapelle, Sacre Coeur, o Louvre, Tulheries, os arcos do Triunfo e do Carrossel, Bois de Bolongne, Bagatelle, as pessoas - ricos, pobres, mendigos, prostitutas, cafetões, policiais, taxistas, padres de missa, acordeonista etc, etc, num imenso caleidoscópio universal que frequentam suas ruas, praças, bistrôs, museus e tudo que tenha vida.
 
  Ao encerrar as crônicas deste livro que intitulei "Paris ao Som do Bandolim", eu um modesto tocador deste instrumento que é de origem italiana, mas tem a cara de Paris, como as publiquei por capítulos no www.bahiaja.com.br e no www.wattpad.com - site canadense de literatura - alguns abnegados leitores me perguntaram se vale a pena passar uma temporada em Paris e o que se ganha com isto. 

  Permita-me lembrar de um personagem de Ivan Turguêniev do conto "Hamelt do distrito de Schigri", o qual em noite numa hospedaria encontra-se num quarto com um homem tosco das estepes. Confessa o desconhecido que passara três anos no exterior, só em Berlim oito meses onde estudou Hegel e conhecia Goethe de cor. Mas, sendo reflexivo, o que valeria para um russo conhecer as teorias de Hegel. "Julgue o senhor mesmo, tenha a bondade de dizer, que proveito eu poderia tirar da Enciclopédia de Hegel? Diga-me o que essa enciclopédia tem em comum com a vida da Rússia? E como poderíamos aplicar ao nosso modo de vida a filosofia alemã e, digo mais, também a ciência"? 
  Achei essas observações interessantes e fiquei a me perguntar o que deveria responder aos meus leitores, majoritariamente brasileiros e baianos, se a cultura (o saber) - assim entendo que é o bem mais precioso que se ganha numa temporada em Paris, para que serviria a um brasileiro e se isso convenceria os meus leitores a também seguir o meu caminho - que já foi de tantos outros e continua sendo - de passar uma temporada na cidade luz.
  A cultura! Que vale aos brasis saber sobre a Revolução Francesa de 1793? Sobre os impressionistas do d'Orsay? Sobre o cemitério Père Lachaise e a tumba de Proust ou de Jim Morisson? Ah! e sobre a Torre Eiffel que é um monumento de ferro do final do século XIX? Os vitrais de Saint-Étienne-du-Mont? A fonte dos Médicis no Jardim de Luxemburgo? O museu de Picasso e a velha igreja de Saint-Germain-des-Prés? 

  Bem, essee pedacinhos da história da França são também da história mundial, do que nós estudamos em parte no colégio do ensino fundamental e na faculdade, que inspiraram outras revoltas pelo mundo. E, ainda nos dias atuais, nada há que supere o Museu do Louvre com suas milhares de peças de arte instaladas no palácio da época de Felipe Augusto, nem se entende porque a Eiffel aquela peça de ferro tão criticada pelos intelectuais do Paris Capital do Século XIX, como escreveu Walter Benjamin, magnetiza milhões de pessoas que visitam a cidade e é adorada pelos franceses da capital e do interior?

  São os mistérios de Paris meu nobre. Quando entrei pela primeira vez no "Café de Flore" o bistrô encantado de Saint-Germain-des-Prés imaginei que dois note americanos que bebiam cerveja em goles imensos e mastigavam picles verdes com pão, com desejos submissos, seriam o Ernst Hemingway e o Scott Fitzerald, assim como no filme "Meia Noite em Paris", de Woody Allen. 

  Falei para a madame Bião de Jesus minha esposa e companheira da viagem: - Veja, aos nossos olhos dois grandes escritores: o Hemingway e o Scott. - Não me deixe mais louca do que já estou com suas visões fantasmagóricas, respondeu com fina ironia. Acrescentou, no entanto: - O Hemingway está usando meias com cores diferentes deve ter se atrapalhado ao calçar os sapatos. - É, é possível, sorri.

  O que narro neste livro são pedacinhos de Paris. Como diz a escritora Selma Santa Cruz em "Para entender Paris" não faltam livros com as mais diferentes abordagens e em quase todos os idiomas. "No entanto, a mais fascinante cidade já construída pelo homem é um tema inesgotável", diz a jornalista e historiadora. 

  E, em sendo assim, dou minha contribuição de um andarilho que não conhece a cidade de berço como um Victor Hugo ou um Charles Baudelaire, mas tudo vale em nome da cultura, eu que tive a felicidade (por acaso) de morar no mesmo prédio que um dia residiu Walter Benjamin, 10, Rue Domblase, 15º Arrondissement.
 
  E andei de secar as canelas em 90 dias que passei na cidade, a madame ocupada com um curso de francês e eu, que mal falo o português, olhando a rua, a praça, o povo, o bistrô, a velhinha na igreja de Saint Lambert, a Rue de Bucci e a Maison Sauvage, sobrevoando com meu olhar atento a cidade do alto da Torre de Montparnasse, passeando nas alamedas do Jardim de Luxemburgo, sentando-me em frente da fonte de Maria Médici vendo as crianças brincarem de velejar, andando pela Rue de Fleurus onde viveu Gertrude Stein e visitando vários museus - o de Arte Moderna, o Louvre, o d'Orsay, o Picasso.

  Andei tanto que baixei no Hôtel-Dieu o grande hospital público de Notre Dame e frequentei a Clínica Didot de Fisioterapia por mais de 30 dias. Não é fácil uma jornada dessa natureza para um velho cachaceiro de 77 anos de idade que experimentou, no que seu bolso pode, vários vinhos da França comprados nos supermercados que são bem mais baratos do que no Brasil, infinitamente. 

  E toquei bandolim, ao meu modo, na Eiffel, na Concórdia, em Montemartre, e experimentamos a comida alsaciana num restaurante clássico da Elysée, andamos por onde De Gaulle participou da libertação da cidade da ocupação nazista da II Guerra Mundial, passeamos nas Tulheries onde Edouard Manet pintou seus famosos quadros, fomos a igreja de Saint Marry, a Eiffel várias vezes, adoramos os nossos vizinhos e sentimos que a Rue Vaugiraud era a nossa casa no 15º distrito.

  Éramos com o se estivéssemos em Salvador onde moramos definitivamente na ida quase diária a padaria, ao Dupont e o Le Quotidien os bistrôs prediletos de nosso bairro, a feira livre da Rue de la Convention onde comprávamos ovos, rabanetes e alcachofras; lavanda, queijos e tortas; visitamos Invalides onde repousa os restos mortais de Napoleão Bonaparte o francês mais conhecido no mundo, a ponte Nicolau III e a tumba de Alan Kardec no Père Lachaise, o fundador do espiritismo e que influenciou nossa familia a seguir essa doutrina, meu pai Bráulio Franco fundador do Centro Espírita Deus Cristo e Caridade, em Serrinha BA, em 1940, leitor e admirador de Kardec, diariamente, sentado em sua cadeira de vime na sala de jantar do chalé do meu avô.

  Claro que estive na praça da República e na Praça de Grèves onde fica a Prefeitura e muitas cabeças rolaram na guilhotina e foi citada com destaque no romance do imortal Victor Hugo em "O Corcunda de Notre Dame", um dos mais emblemáticos livros sobre a Paris do século XV, ainda hoje com os lugares descritos pelo escritor como se você estivesse andando por onde bailaram a cigana Esmeralda e o bronco Quasimodo. 

  Estivemos na Praça de Vosges local onde viveu o autor de "Les Miserables" outra obra de grande significado para entender sobre o povo parisiense, a ralé, e almoçamos no Café Hugo nas arcadas próximo a onde morou o poeta, um dos maiores da França.

  Uma jornada que se estendeu a Praça da Bastilha como não poderia deixar de ser contemplando o monumento e sonhando com a história, com a queda da Bastilha e a Revolução Francesa que imortalizou o lema "Liberdade, Fraternidade, Igualdade". Percorremos a badalada rua Montorgueil e no Escargot Restaurante, um dos mais antigos de Paris, e passeamos pela Temple e Archives os redutos LGBT do Marais. Foram tantos os lugares que convido os meus leitores a lerem todos os capítulos deste livro e assim ficarem conhecendo uma parte, pequena que seja, da história de Paris.

  Paris é uma festa, mas também tragédia. Que outra cidade guilhotinou tanta gente quanto a capital francesa? Estima-se que, entre os anos mais efervescentes da revolução (1793 e 1794) milhares de pessoas perderam a cabeça. Isto é, tiveram a cabeça separada do corpo por uma lâmina afiada criada pelo médico Joseph-Ignace Guillotin, entre elas, o Rei Luis XVI, a rainha Maria Antonieta, e até mesmo os líderes da revolução Geoerges Danton e Camile Desmoulins. 

  Mas, como entender que uma revolução que pregava a igualdade, a fraternidade e a liberdade, derrubou a monarquia de milhares de anos e instituiu a República, de repente Paris vira um caos?

  A França mergulhou na Guerra da Vendeia com mais milhares de mortes e vai emergir Napoleão Bonaparte, um militar de carreira que se tornaria imperador até 1812, quando derrotado na sua tentativa frustrada de invadir a Rússia. E, vejam a ironia do destino, restaura-se a monarquia com Luís XVIII o qual era irmão do rei guilhotinado Luís XVI; e quanto este morre, em 1824, passa o trono para outro irmão Carlos X.

  É uma história tão complicada que só poderia ter acontecido em Paris. E a cada mudança, mais cabeças rolavam na guilhotina e nas balas das metralhadoras. 

  Não parou por ai: Carlos X é obrigado a renunciar e assumiu Luís Felipe de Orleans, o qual também é derrubado do governo instaurando-se uma Segunda República a custo de mais 800 mortes na cidade, sendo eleito pelo voto direto nas urnas Carlos Luís Napoleão Bonaparte que em pouco tempo, a partir de 1848, se tornou imperador com o nome de Napoleão III. 

  A partir da Revolução Francesa e ao longo de aproximadamente 80 anos, os franceses seriam submetidos a sete regimes diferentes: três monarquias constitucionais (sob as constituições de 1791, de 1814, e de 1830), duas repúblicas  (a primeira, entre 1792 e 1804, e a segunda, de 1848 a 1852) e dois impérios (o primeiro, de 1804 a 1814, e o segundo, de 1852 a 1870). Uma terceira república surge após a guerra Franco-Prussiana (1870-1871).

   Os primeiros dois presidentes, Adolphe Thiers e Patrice de Mac-Mahon, tiveram de focar suas administrações em preservar a república. Mas, ainda teriam uma Quarta República (1946-1958); Quinta República (1958-presente).

   Onde estava o foco de todo esse rolo compressor: Paris. A Comuna de Paris, eclodida em 18 de março de 1871 é considerada uma das mais importantes insurreições populares do século XIX. Nasceu com o abalo provindo da Guerra Franco-Prussiana e a ascensão da ideologia e do desenvolvimento político de ideais socialistas entre o proletariado europeu, expressos pela expansão da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT).

    A Comuna foi uma rebelião que objetivou a tomada do poder pelos trabalhadores e começou em Montmartre. Em pouco tempo a cidade estava em chamas e ardiam em brasas o Hôtel-de-Ville, o Palais Royal e o Palácio da Justiça. A repressão comandada pelo presidente Adolphe Thiers matou 25mil pessoas numa semana, conhecida como a Semana Sangrenta. 

  Há, no cemitério Père Lachaise o Muro dos Federados que simboliza a execução de 47 communards por tropas do general Mac-Mahon, em represália a morte do arcebispo de Paris, Georges Darboy. Mahon substitui Thiers na presidência. 

  Paris é um poço de história, a mais conhecida dos brasileiros, a “Noite de São Bartolomeu” aconteceu em 1572 quando protestantes reunidos para celebrar a união de Henrique IV com Margarida (Margot) Médici foram atacados pelos católicos carnificina com milhares de mortos. Estima-se 15 mil almas.

  Não dá pra contar nem a missa metade e esse não é nosso objetivo, pois são muitas as revoltas desde as populares “Jacqueries” a resistência as ocupações dos alemães. Mostramos o que foi possível e os leitores que tirem suas conclusões. O certo é que Paris, como retrata sua história é uma cidade de amor e ódio; de luxúria e de pobreza; indestrutível.