Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 54: O ADEUS (À UN AUTRE JOUR) NO FLORE

Café de Flore fica localizado em Saint-Germain-des-Prés à gauche do rio Sena, 6º arrondissement (distrito), centro
Tasso Franco ,  Salvador | 02/03/2023 às 08:26
Café de Flore o mais emblemático de Paris
Foto: SELFIE

    Bem amigos - tomo emprestado essa expressão do Galvão Bueno - para despedir-me da temporada de crônicas em Paris, entre maio e julho deste 2022, mais de cinquenta textos que dedicamos aos meus leitores publicados originalmente no www.BahiaJá.com.br, sendo a derradeira no Café de Flore. O que virá a seguir é um epílogo mostrando porque vale a pena passar uma temporada na cidade mais desejado do mundo, de uma beleza fora do comum, mas também um local de tragédias. E o saber compensa tudo.

   Creio que não poderia ter sido em melhor lugar do que no Café da Flora (em português) fundado na década de 1880 e, ainda nos dias atuais, um dos mais queridos da ville em Saint Germain-des-Prés, Café de Flore (em francês).

  Trata-se de um café que foi frequentado por Pablo Picasso, Jean-Paul Sartre e Albert Camus, entre outras personalidades da cultura mundial, famosos do passado e do presente por suas contribuições à literatura, a dramaturgia e ao jornalismo como Charles Maurras, Remmy de Gourmont e Georges Bataille, cronistas e literatos brasileiros como Carlinhos de Oliveira e Danuza Leão, enfim, um lugar super especial por sua tradição, boa comida, vinhos de ótima qualidade e gente entusiasmada

  E dizer que o escritor norte-americano Ernest Hemingway andou pelo Flore nos anos 1920, época da chamada "Geração Perdida" - e que, de perdida nada teve aos olhos de hoje - ainda um jovem desconhecido que cobria a guerra mundial a partir da Espanha - e antes de tirar a própria vida na década de 1960 escreveu "Paris é uma festa" com narrativa desse templo dourado onde brilhavam Josephine Baker, F.Scott Filzerald, Gertrude Stein e os já citados arriba Picasso e Camus. Então, vê-se como esse café é emblemático.

  Diz-se que ir a Paris e não saborear um vinho e petiscar um foie no Flore e também não passar no salão do bistrô seu vizinho o "Le Deux Magots" é um pecado capital. Yo e la madame Bião já tínhamos ido ao Magots e decidimos nos despedir em crônicas, nesta temporada parisiense, no Flora. Danuza Leão, que nos deixou recentemente, nmodelo e depois escritora que morou várias temporadas em Saint-German-des-Prés amava o Flore. 

  Que agradável. Conseguimos uma mesa num ótimo local e fomos atendidos por um garçom que, além do francês e do inglês, falava português de Portugal o que significa dizer que era um luso. Há muitos na cidade, não só em bistrôs e restaurantes, mas, nos táxis e nas áreas da saúde e assistência social. 

  E, mais saboroso ainda, havia uma família de brasileiros - marido, esposa e duas filhas adolescentes - segundo o garçom família de flamenguistas - que papeava ao nosso lado.

  - Antes que você volte a falar de futebol, pois vejo que gostas traga-nos dois larges beers sob pressão que o calor está demais, disse ao garçom.

  - Os terá em instantes, mas, digo-vos (que português letrado este garçom de mediana a alta idade, impecável com sua gravata borboleta e camisa social no estilo smoking - que Neymar está em Paris há 5 anos, não sabe falar francês e joga pouco futebol.

  Contestei a altura: - É o melhor do mundo. Ele sorriu com minha observação e foi buscar nossas beers. 

  A madame Bião estava encantada com o local. Nos sentamos numa área coberta com toldo gris e a marca do histórico café à vista - muitos turistas passam por sua fachada só para fazerem fotos - numa área mais reservada entre o salão e a parte da terasse que fica na calçada e brindamos a história.

  Creio que para qualquer viajante que vai a Paris ir ao Flore tem essa representação. A gente se sente importante, intelectualizado, como se um dia fôssemos também um Picasso ou um Hemingway, e isso tem um significado interior bem sugestivo e surreal. 

  Poderia dizer a madame Bião: - Eu estou em corpo e alma, aqui, como o dramaturgo Gourmont e ela haveria de acreditar visto que a via como a Josephine Baker.

  Na real, no entanto, estávamos Dom Franquito e la Bião a petiscar rillettes de porc - carne temperada e depois cozida lentamente submersa em gordura a uma taxa extremamente lenta por várias horas - com torradas. Mudamos a gelada para a Hoegaarden a cerveja belga mais premiada e famosa do mundo, conhecida por sua referência e sabor único caracterizada pelo trigo aromatizado.

  Tínhamos que fazer jus à fama do Flore. A nossa frente dois norte-americanos petiscavam algo parecido com a nossa pedida, mas com picles verdes.

  E para fechar a tarde início de noite tacinhas de Côte de Nuits Gevrey-Chambertin. Poderia ainda ter levado uma lembrancinha da loja do Flore que vende pratos, taças, saleiros e outros.

  Levo na memória o prazer de frequentar o Flore ao menos uma vez na vida. Quem sabe, um dia ainda poderei voltar a esse emblemático local, quiçá ser atendido pelo mesmo garçom.

  É difícil desgrudar de Paris.