Cultura

A HISTÓRIA DOS BAIRROS DE SERRINHA,2: MISTÉRIO NA CONSTRUÇÃO DA MATRIZ

Não existe documentação de data da construção da igreja de Sant'Anna e é provável que o 1780 do frontispício corresponda ao inicio da mudança de capela para igreja
Tasso Franco , Salvador | 23/11/2022 às 09:38
A igreja matriz de Sant'Anna construída no local da capela
Foto: BJÁ

  A igreja matriz de Senhora Sant'Anna, em Serrinha, é uma das únicas edificações do tempo da Colônia (1549/1822) na área urbana. Data, provavelmente - o início de sua construção - de 1780 como está inscrito no frontispício do templo localizado na Praça Luís Nogueira. Mas, há dúvidas sobre isso, e pode ser sido erguida a modificação de capela para igreja na época do Império (1822/1889).

  O que se sabe, de objetivo e documental, é que Bernardo da Silva - o fundador do povoado - comprou de Joana Guedes de Brito terras do Sertão de Tocós (e este documento existe no IGHB), em 1723, quando se mudou com a família da Fazenda Tambuatá, onde vivia, para a Serra-Serrinha. 

  A partir dessa data e já morando no sitio Serrinha construiu uma casa de morada e a pedido da esposa, Josefa Maria do Sacramento, uma capela em louvor a Senhora Sant'Anna. Essas duas datas - de construções da casa e da capela são incertas - porém, feitas depois de 1723. 

  A sua casa de morada é onde, já no século XX, o intendente Luís Nogueira ergueu a sede do Conselho - casa do poder executivo, câmara e cadeia - prédio que está em ruinas ao lado da igreja matriz, e tem uma águia na fachada.
 
  Bernardo morre em 25 de setembro de 1750 sendo sepultado na capela de Sant'Anna onde era o administrador. Esse era um hábito naquela época e a capela (as capelas de uma forma geral) servia apenas a família, como ainda é hoje. Algumas fazendas em Serrinha têm capelas restritas aos familiares e, eventualmente, abertas às comunidades. A capela do Retiro, que data do século XIX (1829), ainda é assim.

   Com a morte de Bernardo e depois de sua esposa, seus filhos decidiram doar a posse da terra onde se situava a capela à Senhora Sant'Anna (isto é, a igreja católica) dando conta de que, o reverendo Antônio Manoel de Oliveira, filho de Antônio Manoel da Mota e bisneto de Bernardo, deveria morar em casa adjacente à capela (sem foro ou cobrança de impostos anuais).

   De documental, o que existe é o termo da designação de Antônio Manoel de Oliveira pelo 13º arcebispo primaz do Brasil, Dom Frei José de Santa Escolástica, como capelão oficial, isso em 1805, permanecendo até 1838 como capelão e sendo substituído por Francisco Furtado de Mendonça, o qual permaneceu como capelão até 1868. 

   Agora, veja o seguinte: a escritura pública passada pelo filho de Bernardo da Silva, Apollinário da Silva, dando à posse da terra para Sant'Anna dá-se em 1831, portanto, quando já existia um capelão oficial.

   Vamos trocar em miúdos: a capela (templo com apenas 1 altar) teria sido construída a partir de 1723 e ficou sob a administração da família Bernardo até 1831, portanto, mais de 1 século, passando à administração da Igreja Católica somente com a nomeação do capelão, que se deu em 1805. 

  Aí é que reside a grande dúvida e permite a seguinte suposição: o capelão (tetraneto de Bernardo) ficou administrando a capela entre 1805/1831 o templo e a posse da terra ainda de Appolinário da Silva (filho mais velho de Bernardo) e quando essa transferência de posse se dá para a igreja católica, o templo ainda era uma capela.

   Isso significa dizer (e aí está o mistério) que a igreja (templo com três altares, como ainda se encontra hoje) só passou a ser construída a partir de 1831, já na época do Império e não da Colônia.

    A primeira citação do termo igreja (até onde pude pesquisar) data de 1879 quando o padre Luís Batista da Silva Picado assume a Paróquia. A essa época, a Vila de Senhora Sant'Anna de Serrinha já tinha sido desmembrada de Purificação dos Campos (Irará), em 1876.

   Vale, ainda, observar o seguinte: até 1º de junho de 1838, o distrito de Paz de Serrinha era vinculado a Água Fria (São João Baptista da Água Fria). Ou seja, os documentos relacionados a vida religiosa e jurídica de Serrinha se concentravam em Água Fria. 

   O vigário Francisco Furtado de Mendonça escreveu um livro (a bico de pena), em 1850, com os nomes de todas as fazendas de Serrinha, famílias e herdeiros. Não existe mais.

   Conclusão preliminar: a transformação da capela em igreja não se tem uma certeza da data, mas é admissível que se deu a partir de 1831, quando a posse da terra (e da capela) passa formalmente para a Cúria (Igreja Católica). 

   A data que existe no frontispício da igreja (1780) provavelmente é uma referência à capela, mas também pode ser o marco inicial da mudança de capela para igreja. Ou seja, essa mudança pode ter sido feita pelos filhos e netos de Bernardo mesmo antes de passarem à posse da terra à igreja. Não há uma documentação precisa sobre isso.

   Sabe-se, ainda, por oralidade, que os filhos de Bernardo, padre Prudente da Silva e Maria da Purificação (a Piedosa), que não se casaram nem tiveram filhos, teriam sido os influenciadores de construção da capela juntamente com Josefa Maria do Sacramento, a original, a partir de 1723.  

  Outro detalhe curioso – observando-se o povoamento no início do século XVIII supõe-se acreditar como verdadeiro que, no sitio Serrinha, já havia nesta época, 1723, pedreiros, carpinteiros, oleiros e ferreiros justamente quando começou a Primeira Revolução Industrial na Inglaterra (1760-1850). 

   Ora, se Bernardo mandou construir uma casa e uma capela, e nenhum dos seus filhos trabalhavam em construção, contratou esses artífices no povoamento profissionais que residiam na localidade ou imediações. A casa era coberta com telhas, a base era de pedra, a alvenaria de adobes e as portas de madeiras. As portas e janelas eram fechadas com trancas de madeira e as dobradiças fundidas artesanalmente por algum ferreiro. 

   As fechaduras e chaves de ferro e outros equipamentos mais sofisticados – ferro de engomar, máquina de costura, instrumentos musicais, a estrada de ferro e as locomotivas a vapor, etc – só chegam em Serrinha a partir da Segundo Revolução Industrial (1861/1945).