Cultura

FESTIVAL DE CINEMA SALVADOR: CIDADE PORTO, COMENTA DIOGO BERNI

Cidade Porto, dirigido e roteirizado por Bernard Attal, Bahia/2022, em estreia mundial na competitiva nacional do XVIII Panorama Internacional Coisa de Cinema, em Salvador e Cachoeira
Diogo Berni ,  Salvador | 07/11/2022 às 10:24
Forte do Mar
Foto: BJÁ

  Pelo fato do festival de cinema de Salvador estar ocorrendo em igual período ao festival de literatura, e este estar homenageando Jorge Amado, não tem como o novo documentário do francês mais soteropolitano da cidade, não se esbarar na obra de Jorge. Peguemos Jubiabá, ou então se preferir Capitães de Areia, ou principalmente Mar Morto: todos estes livros tem como matriz principal o porto de Salvador, onde os personagens vão ganhando pano pra manga, assim como ocorre no documentário: as personagens vão ganhando cara e cor no local descrito como somente porto do Salvador: Porto este o segundo em que mais recebeu cativos africanos, ficando atrás do de Liverpool em todo o período do regime escravagista.

 Então é um porto já com um passado bem digno de fazer algo cinematográfico nele, todavia o porto de Salvador, além de ter tal passado historiquíssimo, mostra também a sua cara em seu presente , e logo no início do filme já somos presenteados com um alto padrão de bom gosto de animação mostrando-se um suposto posto futurístico, além de também de forma bem didática, mostrar o porquê de existir um porto marítimo em uma cidade, e esta pode, assim como é a nossa Salvador, porém poderia ser em Santos, no Rio ou qualquer outra cidade de grande porte que tenha o mar como um agregador econômico.

  Ou seja, onde se despejam alimentos e mercadorias diversas, e em contrapartida se esvaem ( se vendem ) alimentos e outras diversas mercadorias da região para outras lugares onde não se tem aquilo enviado. A forma narrativa do documentário procura uma comunicação que foge do institucional, caso isso acontecesse seria uma propaganda política e não arte, por isso o cuidado do diretor. Prumando seus personagens, que são os trabalhadores do porto de diversas áreas; cada mostra como está o local em algumas facetas classificadas sempre com verbos em infinitivo; por exemplo: Brincar = onde ouvimos as estórias de infância no plano inclinado do diretor de teatro Fernando Guerreiro.
                                                                             
   Vender = quais ainda eram as lojas ou atividades comerciais que insistiam em ficar por lá, tais como fábricas têxteis, o senhor que costurava as bolas de futebol etc. Entretanto o documentário se prosta também a dar atenção aos trabalhadores do porto, ou do bairro do comércio, já que o tempo de ter trabalhadores braçais no porto, como estivadores, ainda existem, mas em número reduzido ao comparar com o número de trabalhadores diferentes no bairro. Fala-se da revitalização do comércio. Um dos personagens diz : “ já tem trinta anos que ouço falar disso e nada”.

   De fato, para quem mora na cidade este papo de revitalização do local acaba sendo uma espécie de lenda por tantos políticos entrarem, prometerem que iria fazer a revitalização. Até o metrô “calça curta’ vingou e até hoje nada de uma revitalização 360 graus na região portuária e do comercio da cidade. 

  Um prefeito entra e faz uma melhoria em tal segmento , outro entra e não faz nada até outro entrar e prometer e não cumprir, aliás é o que mais acontece são prefeitos optarem por não olhar o local e acaba-se ,por tanto tempo, a região estar da forma como se encontra: um local inseguro e não vistos a bons olhos pelos especuladores tanto privados como públicos, já que após a década de 1970, quase todos os órgãos e jurisdições públicas, foram deslocadas para a área alta do Salvador, onde se tem mais olhos a segurança pública e as obras de investimentos públicos, como BRT, metrô etc. 

  O que o Attal faz é abrir sua câmera e mostrar o quanto aquele abandono continua sendo uma burrice dos prefeitos de Salvador, desde a época de Imbassay até o atual Bruno Reis. O recado que o filme propõe é o de mostrar o porto de Salvador e a região do Comércio como locais que ainda podem ser economicamente viáveis, desde que tenham incentivos públicos como BRT, metrô, e segurança por lá também para então que a revitalização de fato possa se concretizar. 

  Sem dúvidas trata-se de um “filme presente” para a cidade do Salvador ( e isto o filme conseguindo não ser algo institucional ) , e para quem é daqui, como é bom ver nosso sotaque e conhecer mais da estória do lugar que vivemos em tela grande.

Paloma, dirigido e roteirizado por Marcelo Gomes, Brasil/2022.

O filme de abertura do XVIII Panorama Internacional Coisa de Cinema, teve um anuncio do Cláudio Marques, curador do festival: “ precisamos abrir o festival com um filme que fale de amor, e por isso Paloma foi o escolhido”. De fato o longa aborda o amor em forma de gente, ou seja, os personagens são amorosos, todavia o tema escolhido nem de longe é só amor: existe também muita dor, preconceito e acima de tudo ignorância, esta fracionada pelos tempos de “ time dividido” em território Brasilis, onde a cultura perdeu de goleada ou de golpeada. 

O filme aborda, ficcionalmente, um caso real: o de uma travesti querer ter um casamento de vera na igreja católica com o seu companheiro. Neste aspecto a ficção copia a realidade, entretanto a protagonista se forma nas origens características do que o diretor queria, até achar a sua Paloma, e então faça-se a fusão da Paloma que existiu com que a se queria colocar nos planos sequências. Estamos no sertão do Cariri, território do Crato: a protagonista é uma coletora de mamões, onde se fazia por chamar-se de moça e aceita por sua competência na lavoura. 

Casada, mãe de uma menina, tem um pedreiro que divide o teto, muito bem interpretado pelo ator Ridson Reis, originário do bando de teatro Olodum, e obviamente emocionado por ver seus parentes e amigos na plateia. O casal é aceito até quando não “queimam” o nome da cidade por ter a petulância de escrever uma carta ao Papa pedindo o casamento de véu e grinalda na santa igreja. Quando o fato vem à tona, aí sim vemos como os moldes jesuítas são incisivos e de fato como o sistema social no Brasil é bruto e regrado pelas inquisições religiosas.