Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 21: TULHERIAS, JARDIM DAS TELAS DE MANET

Local predileto de dois gênios da cultura francesa: Baudelaire e Manet, no centro de Paris
Tasso Franco ,  Salvador | 06/11/2022 às 10:24
Jadin des Tuileries
Foto: BJÁ
   Descrevi em capitulo anterior que a Avenue Champs Élysée é o coração de Paris. Entendendo-se no jargão popular da crônica que esse tipo de citação significa dizer que se trata do principal local - o mais pulsante - uma vez que o coração representa a vida, o motorzinho que não para, trabalha 24 horas mesmo as pessoas dormindo e quando desliga por qualquer problema registra-se a morte. O uso dessa expressão em cidades é frequente o que representa o local que não dorme, funciona 24 horas, tem um intenso vai e vem de pessoas e veículos, um coração que nunca para.

   Há quem ache, no entanto, que Paris tem vários corações em Halles, Pigalle, Marais, Montmartre, Montparnasse e até em ruas como a Saint Denis, a des Archives, Rivoli, Buci, Vaugirard e outras. São muitas opiniões e não saberia nominá-las todas uma vez que meu conhecimento sobre a cidade é limitado. 
  Alguns autores e pintores famosos (os 'influencer' dos séculos XIX e XX) tinham seu mundo parisiense e deles se apegaram de tal forma que ninguém seria capaz de modificar. 

  Danuza Leão amava Saint-Germain-des-Prés; Ernest Hemingway a zona boemia de Montparnasse; Gertrude Stein, a Rue de Fleurus e o Jardin de Loxembourg; Charles Baudelaire, o poeta maldito, cidade e sua gente no global; Walter Benjamin tudo o que se referia a arquitetura; Victor Hugo, o Marais e a Place de Vosges, onde morava; Marcel Proust, Champs Élysée e o faubourg Saint-Germanin onde pôs a habitar sua personagem a duquesa de Guermantes; Pablo Picasso as colinas de Montemartre. Edouard Manet,  tulherias. 

  Há inúmeras publicações literárias sobre Paris e centenas de pinturas do realismo e do impressionismo sobre locais da cidade e seus personagens.

  Uma cidade não vive sem seus persoangens, famosos e anônimos. Victor Hugo, em "Les Miserables", cita dezenas deles que transitavam nas igrejas, nas lojas, nos ateliês, nos cabarés, açougues e assim por diante. Baudelaire, em "O Spleen de Paris" um refinadíssimo livro publicado após sua morte (1868), poemas em prosa, trata desse mundo parisiense sem citações de locais especificamente destacando os personagens do dia-a-dia da cidade que ia vendo sua transformação na segunda quadra do século XIX com a implantação dos boulevards, das novas edificações, o surgimento das passagens e magazines, e sua pluma é fantástica e sedutora no apresentar como viviam nesse mundo o estrangeiro, as velhas, a solidão, as viúvas, o engraçadinho, as tentações, o vidraceiro, o cão, todo um caldo de cultura do que era Paris.

  Jean-Paul Sartre, em seu livro Baudelaire (1947), comenta que o Spleen “é o próprio símbolo da insatisfação”, um estado de tristeza autoconsciente e reflexivo. Edgardo Cozarinsky, o qual escreveu as orelhas da publicação brasileira da Editora 34 sobre o Spleen, diz: "Eu te amo capital infame". De um promontório imaginário, Baudelaire examina a variedade que a cidade oferece a seu apetite: prostitutas, ladrões, hospitais, lupanares, o movimento incessante de quem ainda não perdeu a força de querer, o desejo de viajar, a vontade de enriquecer. Sente que esse "encanto infernal" tem o dom de rejuvenescê-lo"

  Então, meu caro leitor, Paris são vários mundos e por mais que se ande por suas ruas, praças, avenidas e jardins há esse espectro a lhe acompanhar, essa sombra da história e vivos estão esses personagens do século XIX, os mendigos, as prostitutas, os descamisados, os estrangeiros pelas ruas da ville. 

  E teria sido Baudelaire quem criou a figura do "flâneur" com o olhar crítico, o andarilho que sabe apreciar além da beleza da cidade, em si, o Sena, os palácios, as edificações majestosas, as pontes, as suas transformações sociais e o que isso impactava na vida das pessoas, sobretudo os pobres. 

  O jardim das Tulherias (Jardin des Tuleries) - o mais central da cidade situado à margem direita do rio Sena, entre a praça da Concórdia e o Arco do Triunfo do Carrossel (Arc de Triomphe du Carrousel) monumento datado de 1809 e construído por Napoleão I  (Napoleão Bonaparte) à oeste do Museu do Louvre, observando no conjunto do 1º Arrondissement (distrito) se integra a Champs Élysée ou se mostra com uma perna mais longa dessa monumental avenida, é um exemplo de Paris de séculos passados (a atual). 

  Há quem considere, nos dias atuais, que esse conjunto central vai do Carrossel até o Arco do Triunfo da praça Charles de Gaulle ou até mesmo ao Arco de La Défense mais adiante. Numa linha reta olhando-se a partir da Praça do Carrossel é possível ver toda essa dimensão.

   O Tuleries (de telhas, de muitas casas que haviam cobertas com telhas de cerâmica no século XVI, daí vem o topônimo) foi criado pela nobre italiana Catarina de Médici, rainha consorte da França entre 1547 e 1559, casada com o rei Henrique II, em estilo italiano, modificado no século XVII para estilo francês - formal e simétrico com estátuas - e assim se conserva até os dias atuais - com as devidas modificações."Tuile" em francês significa telhas e nessa área da cidade por volta de 1550 havia uma concentração de olarias.

   Vê-se, pois, onde estamos a andar e a contemplar o verde e as estátuas de mármore. Esses personagens em pedra não falam e há uma contemplação vice-versa tal a perfeição dos artistas ao retratá-los, imaginando nós que eles também estão a nos observar e a criticar os nossos modos de andar e as vestes que usamos.

   De algum ponto mais elevado tem-se uma perspectiva a olho dos Champs Élysées, do Arco do Triunfo e do Grande Arco de la Défense, área nova da cidade com prédio com estruturas em aço e vidro, centro financeiro. Observa-se, pois, a Paris de Baudelaire pois logo à frente está o palácio do Louvre e a majestade da Paris do século XIX que Benjamin documentou com seu saber em "A Capital do Século XIX" tanto em relação ao urbanismo - a arquitetura - quanto da ocupação humana "o dom de despertar no passado as centelhas da esperança; e a Paris do século XXI com o futurismo de La Deéfense, posto com muita perspicácia na série Netflix, "Emily em Paris" e apresenta um jovem inglês executivo que trabalha e mora no envidraçado centro financeiro da cidade com seu arranhas-céus.

   Tulherias vive neste finalzinho de maio com a presença de uma enxurrada de turistas de todo planeta em vai e vem permanente entre a esplanada do Louvre até o Champs Élysées e os jardins, em si, estão descuidados em alguns trechos com mato invadindo alguns canteiros de flores, precisando capinar. No mais, o local é muito bonito e muitas famílias residentes em Paris levam seus filhos para passearem, jogar bola, organizarem pic-nics e assim por diante. 

   Esse local era um dos prediletos de Edouard Manet para levar seus modelos e o amigo Baudelaire para pintar e confraternizar. Produziu, em 1862, a obra "Música nas Tulherias" seu primeiro trabalho impressionista (seu rompimento com o realismo). 

  Em 1863, pintou a polêmica ohra "Almoço na Relva" - um escândalo na época pela nudez que críticos acharam vulgar, dois homens vestidos (seriam ele e Baudelaire) e a mulher nua sua esposa Suzanne Leenhoff e Victorine Meurent (sua modelo preferida) que posaram para a composição, sendo o corpo de Suzane e o rosto de Victorine). 

  Em Spleen, Baudelaire, dedica-lhe um dos poemas em prosa mais dramáticos do livro intitulado "A Corda" que o tradutor Samuel Titan Jr explica sobre o texto se tratar de um fato verídico, pois Alexandre, jovem assistente de Manet, havia cometido suicídio no estúdio do pintor na Rue Lavoisier.

  O jardim possui uma variedade enorme de flores, muitas estátuas (a mais apreciada é a do imperador romano Júlio César) e labirintos, sendo um lugar ideal para o relaxar e quem gosta de ler ao ar livre sentado próximo a um corredor de árvores nada melhor. Há, em alguns espaços, lugares para um drink e refeições. Turistas ficam horas sentados em frente da estátua de César, admirando a peça de pedra polida em mármore, e ficamos a imaginar o que pensam essas pessoas. Seria isso uma prática mnemotécnica para apenas estimular a memória ou algo socio-patológico? 

   Algumas estátuas estão com peças quebradas - braços, etc - e os pombos fazem a festa decorando-as com coco. Outros pousam nas cabeças dos personagens. Nesse aspecto, também, precisam de uma limpeza geral.

   No Tulherias há cafés que servem crepes franceses e champanhe. É tradição na França o 'petit déjeneur' com pães, queijos, tortas, crepes e champagne. Em La Concórdia há um lago onde se pode sentar na beirada e contemplar a paisagem. O espaço recebe eventos anuais como a Feira de Arte Contemporânea em outubro e, desfiles de moda 'street style' entre outros.

   Uma coisa de cada vez ou várias ao mesmo tempo dependendo de sua disponibilidade. Ou seja, você pode visitar somente o jardim e se concentrar nele entre a Concorde e o Carrossel; ou pode, também aproveitar e fazer uma visita ao Museu do Louvre; e se ainda tiver disposição e fôlego, caminhar até o Champs Élysées e subir no Arco do Triunfo donde se tem uma bela vista do miolo central da cidade e de como flui o trânsito. De quebra, pode fazer umas comprinhas nas lojas de grife da Élysées onde há muitas opções em perfumes, bolsas, sapatos, vestes e demais.