Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM,CAP 20: AV CHAMPS ÉLYSÉES, MAIS BELA DO MUNDO

Quem a percorre tem sensação de liberdade e fraternidade entre os povos de todo planeta
Tasso Franco ,  Salvador | 03/11/2022 às 09:27
A Champs Élysée num domingo sem trânsito vendo-se as castenheiras da Índia
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  A Avenue des Champs Élysées é a via monumental de Paris. Todos os eventos mais significativos da França - cívicos, esportivos, fúnebres, etc - com multidões acontecem neste local, desde meados do século XVII. O último, grandioso, foi o desfile em carro aberto da seleção campeã do mundo do futebol, conquistada na Rússia, em 2018, 4x2 contra a Croácia, com os craques da bola comandados pelo técnico Didier Deschamps e o capitão Hugo Loris. Uma apoteose com milhões de franceses nas ruas a comemorar e cantar o hino "Merci Blues".

  Curioso é que, em 1998, quando a seleção da França derrotou a do Brasil, 3x0 em Paris, naquele jogo em que Zinédine Zidani fez história e Ronaldo Fenômeno deu caruara, um apagão que quase não entra em campo diante de uma perda de consciência, Didier Deschamps era meio de campo no time do técnico Roger Lemera com o fantástico goleiro Berthez. Foi uma festa tão grande em Champs Élysées em 13 de julho de 1998 que nunca se viu igual.

  Paris tem essa coisa de Salvador da Bahia em que um Carnaval é sempre maior do que o outro; e as comemorações na Élysées são assim. São tantas comemorações e eventos favoráveis à França e ao civismo e também contrários que fica difícil saber qual o maior deles. Dizem - os historiadores e a imprensa - que teria sido o cortejo fúnebre para sepultamento do escritor Victor Hugo, em 1º de junho de 1885, quando quase 2 milhões de pessoas se concentraram na Champs até a Rue Soufflot que leva ao Panteão onde foi sepultado.

  Victor Hugo era extremamente popular em Paris local que imortalizou com duas das obras mais expressivas do romantismo francês, "Les Miserables" e "O Corcunda de Notre Dame" e amargou um exilio de muitos anos perseguido pelo governo de Napoleão III, eleito e depois dando um golpe, em 1851, tornando-se imperador. Quando este sobrinho de Napoleão Bonaparte faleceu, Hugo já havia retornado para morar no Marrais, na Place Royale (hoje, Vosges) e durante seu sepultamento o corpo ficou exposto em caixão por uma noite no Arco do Triunfo e no dia seguinte, acompanhado por uma multidão, seguiu para o Largo da Concórdia, Saint-Germain-des-Prés, Boulevard Saint Michele até Rue Soufflot e Panteão.

  Paris tem uma longa tradição em cultuar seus mortos o que os franceses chamam de "Funeral Nacional" com parte das despesas bancadas pelo governo. Assim aconteceram com os funerais de Edith Piaf, a "pequena pardal", morta aos 47 anos de idade, em 10 de outubro de 1963; e com outros dois grandes ídolos da música francesa o roqueiro Johnny Hallyday, em 2017; e Charles Aznavour, 2018, este bem conhecido dos brasileiros, o qual faleceu com mais de 90 anos de idade. Foram três funerais que também entraram para a história da Champs.

  Há, no plano político e das guerras e revoluções em que a França esteve envolvida, um ponto de referência e exaltação a liberdade e as conquistas, pró e contra, tendo a Champs Élysées como cenário. O principal deles é a data nacional da Queda da Bastilha, o 14 de Julho, comemorado todos os anos com desfile das tropas militares, bandas e concertos e a presença do presidente da República.

  Na época das conquistas de Napoleão e seu avanço sobre a Rússia, em 1812, chegando a Moscou que estrategicamente foi incendiada por ordem do czar Alexandre I o exército francês, "Grande Armée", foi perseguido pelo exército russo e pelos cossacos, Napoleão recuando numa época de inverno quando milhares de franceses foram mortos. Uma aliança de russos com prussianos, austríacos e outros seguiram nos calcanhares de Napoleão quando se deu a Batalha de Paris, nos dias 30 e 31 de março de 1814, o Exército francês comandado por José (Joseph) Bonaparte, irmão de Napoleão, sendo derrotado. 

  No dia 31, o czar Alexandre I desfilou pelos Champs Élysées montado num cavalo, espada em punho, tendo ao seu lado o rei da Prússia e do outro o general Schwarzenberg, da Áustria, seguido de outros generais das tropas da Aliança e 20 mil cossacos. 

  Alexandre I foi para Talleyrand número 2 da Rue Saint Florentin e restabeleceu a monarquia francesa, que havia sido apeada do poder pela Revolução de 1789, colocando um bourbon no trono, Luis XVIII. Napoleão ainda tentou reagir - já tinha abdicado e estava em Elba, na Toscana - e Luis XVIII governou até 1824, exceto 100 dias, em 1815, quando Napoleão voltou ao poder e foi derrotado definitivamente morrendo em 1821, na ilha de Santa Helena.

  Claro que quem era monarquista na França aplaudiu o czar e suas tropas e quem defendeu a invasão alemã, em 1940, na II Guerra Mundial, na República de Vichy, aplaudiu as tropas alemãs que desfilaram em Champs Élysées.

  Foram dois momentos de ocupações dos alemães em Paris na I e na II Guerras Mundiais. Quando essas guerras terminaram os desfiles das tropas dos Armistícios de 1918 e da reconquista com os generais Panton (norte-americano) e De Gaulle, em 1945, se deram em Champs. Na atualidade, há uma estátua de De Gaulle no seu trajeto.

  Benjamin Santos conta em "Hemingway e Paris - um caso de amor" como foi a entrada das tropas da II Guerra Mundial em Paris, comandadas pelo general Philippe Leclre e a ocupação do Bois de Boulogne, em 25 de agosto de 1945, até alcançar o Arco do Triunfo. Hemingway integrava um rupo de subalternos do coronel David Bruce e do tenente coronel Marshal, que ocupava o cargo de historiador oficial do exército americano. A avenida da "grande honra e liberdade" como é chamada assistiu ao desfile das tropas da reconquista.  

  Tive a oportunidade, em 2022, de assistir o desfile do 14 Juliet, a data magna da França, nas proximidades da Champs e passado o desfile das tropas, das bandas, das esquadrilhas de aviões, caminhar pela avenida toda embandeirada. Dá uma sensação enorme de liberdade e de fraternidades com milhares de pessoas transitando usando cores da bandeira da França - azul e vermelho e o branco da realeza - famílias com pais filhos e avós, militares e tudo mais.

  Champs Élysées é considerada uma das mais belas avenidas do planeta. O escritor Marcel Proust (1871-1922) em sua obra "Em Busca do Tempo Perdido" cita que, quando pequeno se apaixona (amor infantil) por uma linda menininha que brincava com ele em um jardim da avenida Champs. E que sua família não gostava desses passeios pois considerava o local insalubre. Isso no início do século XX.

 Outros grandes escritores franceses a louvam, cenas de filmes têm a avenida como cenário, vídeos promocionais a enaltecem, milhares de modelos já fizeram clips tendo-a como cenário, enfim, trata-se da estrela maior da cidade.

  E, claro, é um ponto turístico obrigatório, local excelente para passear e ir às compras em suas lojas luxuosas e para a classe média, sentar-se na terrasse de um café e ficar apreciando o Arco do Triunfo, monumento que se situa no seu topo e glorifica as conquistas napoleônicas, vê uma cidade pulsante e do glamour com gente usando todo tipo de look, madames com cachorrinhos peludos entrando e saindo de galerias, policiais armados com fuzis e metralhadoras e lojas de grifes com filas nas portas mostrando que a crise mundial, que tanto se fala, sem limites, vendo-se adiante mendigos a esmolar, batedores de carteiras, todo tipo de gente. 

  A Champs tem o metro quadrado mais caro do planeta e é reverenciada pelos franceses como "La plus belle avenue du monde" - a mais bela do mundo - e tem 71 metros de largura por 1,9 km de comprimento, iniciando-se na Place de la Concorde, junto ao Obelisco de Luxor, Museu do Louvre e Jardins das Tulherias, e seguindo a orientação sudeste-noroeste e termina na praça Charles de Gaulle, onde está o Arco do Triunfo. O prolongamento para noroeste segue na direção do Grande Arco de la Défense. 

Noutra oportunidade fiz todo esse percurso com a madame Bião de Jesus a pé saindo de la Concorde até o Arco do Triunfo apreciando cada espaço e como era um dia de domingo parte da avenida estava fechada ao trânsito e seu espaço sendo utilizado para jogos de basquete, volei e uso de skates pelos jovens e garotos com suas famílias o que deu para aproveitar ainda mais. 

 A Champs-Élysées forma o eixo histórico da cidade e do alto do Arco do Triunfo pode-se verificar como o trânsito flui nessa área parecendo pernas de uma tarântula em intenso movimento, sem sinais eletrônicos, todos se entendendo.

  A Champs termina no Arco do Triunfo, construído por Napoleão Bonaparte para homenagear suas conquistas, monumento dos mais admirados do mundo e com réplicas em várias cidades, como Barcelona. Na própria Paris há um outro arco, do Triunfo do Carrossel, que se localiza nas proximidades do Museu do Louvre, também arte de Napoleão, o francês, provavelmente, o mais admirado do país.

  Na história, o primeiro projeto da avenida data de 1667, pelo arquiteto Le Nôtre. A avenida foi sendo prolongada ao longo dos séculos. Quando um dos mais queridos presidentes da França, Marie François Sadi Carnot, foi assassinado em Lyon por um anarquista, em 1894, seu funeral na Champs foi considerado o segundo maior da história. 

  Por lembrança foi este presidente que, em 11 de dezembro de 1891, ordenou que seu país prestasse todas as homenagens fúnebres ao ex-imperador do Brasil, Dom Pedro II, falecido no Hotel Bedford na Rue L'Arcade com cortejo até a igreja de Saint Madeleine, estimado com 300.000 pessoas.

  Em Janeiro de 2021 foi anunciado que a avenida vai ser alvo de uma grande transformação depois de 2024 quando Paris sediará os Jogos Olímpicos. O projeto é do arquiteto Philippe Chiambaretta e a sua agência PCA-STREAM e pretende transformá-la numa avenida “mais verde". A primeira fase do projeto vai focar-se na renovação da Praça da Concórdia, que terá de acontecer antes dos Olímpicos.