Cultura

O QUE ACONTECEU NA 46 MOSTRA DE CINEMA SÃO PAULO, por DIOGO BERNI

*O jornalista viajou a convite da 46 Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Diogo Berni , SP | 28/10/2022 às 09:35
46mOSTRA
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    La Jauría, é a estreia de longa-metragem do diretor colombiano Andrès Ramirez Pulido Caso; 2022. Caso não fosse pelo idioma, acharíamos que estaríamos vendo mais uma adaptação literária de Jorge Amado, por tratar-se de jovens infratores como protagonistas, assim como em Capitães da Areia, por exemplo. 

   Todavia, além do idioma ser diferente temos outros aspectos diferenciam das obras de Jorge Amado: tais como, os jovens infratores eram pegos e colocados em uma selva para fins de reabilitação, diferentemente de Capitães de Areia, onde eles viviam em gozo de plena liberdade.

    Focando no filme, temos esta espécie de prisão, alocada no meio do mato, onde ao invés de ser uma segunda chance de reabilitação o infrator sai pior de que entrou; e mera semelhança com as antigas Febens, e agora chamadas como fundação CASA (em caixa alta mesmo), não são coincidências. 

  O regime disciplinar abordado no longa colombiano, inclusive premiado na semana paralela da crítica de Cannes/2022, e tão ruim como o regime disciplinar adotado em território brasileiro, ou seja, a chance é zero de uma segunda chance ou reabilitação, como estar mais em voga a ser chamado hoje em dia. 

   A diferença do filme para a realidade brasileira se encontra apenas no local: aqui, ao invés de floresta tropical, os infratores são alocados em prisões de concreto, bem parecidos com as de adulto. Deixando as diferenças sociais colocadas pra trás em plena semana eleitoral, o filme sul-americano tem uma espécie de disciplinador que comete atos desumanos, como por exemplo, ordenar que os reclusos tiram quilos e mais quilos de lama de uma piscina abandonada, sendo que no dia seguinte o local estará cheio de lama novamente por estarem em uma floresta tropical. 

  O exemplo citado de Capitães de Areia com o filme tem um sentido: há uma transgressão que ocorre na selva, obviamente a não ser dita para não dar spoiler. O filme deixa uma indagação em relação a que tipo de punição seria mais eficaz para o jovem infrator, e ainda provoca que preparação o disciplinador teria que ter para uma de fato reabilitação, tão improvável, porém ainda dever do Estado tentar. 

  O filme foi premiado no principal festival do mundo, Cannes, por ter “ardência crua”, onde infratores fazem papéis deles mesmo (com devidas semanas de treinamento em explicar como atuarem para uma câmera), e o resultado se não é excepcional, fica acima bem ainda da média. 
                                                                                ****

  Mestre da Fumaça; direção de Andre Sigwalt, Augusto Soares | 122 min | Brasil | 2022 | Ficção Classificação: 18 anos. O filme paulistano independente é um híbrido de ação e comédia. Como enredo temos uma terceira geração familiar em que é obrigada a ter uma espécie de duelo com uma outra família tradicional japonesa a fim de saber qual família, e no caso a desta geração, é a melhor em artes marciais.

  O clã “japa” é representado em Sampa por um norte-americano que tem a obrigação de matar os dois integrantes da família rival, porém o mais velho tem de completar 26 anos para tal ação seja concretizada. Acontece que o primogênito toma um tiro antes dos 26 anos, e assim o estadunidense não compre com o combinado tendo de ficar ainda no Brasil, preso.

   Então o caçula começa a treinar artes marciais para vingar o irmão com o mestre da fumaça; este que vê a maconha, ou melhor vê as fases de plantar e fazer um baseado como fases para aprender artes marciais de maneira chapada, ou seja, uma forma diferente de luta. O processo de aprendizado do protagonista é uma versão cômica imitada dos filmes Tarantinesco Kill Bill I e II.

   Sou o tipo de crítico que apoia o cinema independente, pois com condições de financiamento podemos avançar na qualidade das produções; o filme vale para algumas gargalhadas não se prendendo a questões relacionadas a roteiro.
                                                                                 *****
   That Kind of Summer (Un Été Comme Ça), de Denis Côtè, Canadá-Québec, 2022, Ficção/137 min. Certos filmes não obedecem ao padrão de início, meio e fim. Neste caso especifico do longa o fim já se encontra no início, sendo o meio, o meio mesmo, e o início no final. Côtè tem esta habilidade em nos deixar hipnotizados do inicio ao fim: cada gesto, cada palavra de cada personagens tem significados, e seus silêncios, idem. Falado em francês, temos três ninfomaníacas que entram em um retiro de 26 dias sem sexo, mas com direito a uma fugida do local. 

  Três “ninfos”, porém  com diferentes personalidades exóticas. Como apoiadores temos uma professora adjunta alemã e um psiquiatra argelino. A estória acontece no Québec, então supõem-se que as três pacientes sejam canadenses, já que não é explicado tal detalhe. 

  Sobre as pacientes: uma é exímia desenhista e curte substancias químicas , além de sexo, óbvio; talvez seja a mais normal de todas pelo fato de ser artista, creio. A segunda paciente é uma mulher que sofreu abuso sexual do pai, sendo que a características de o pai deixar seu esperma escorrer entre sua calça, ou seja, não gozar dentro, faz com a paciente se torne desconfortavelmente relações sexuais onde seus parceiros não façam o mesmo que o pai: tinham que gozar fora para que ela “brincasse” com o esperma. A terceira paciente é a mais jovem e a única profissional de sexo delas. 

  O detalhe de ambas é que todas tinham crise de ansiedade e o sexo se tornava como válvula de escape, e então pensando e fazendo relações desta maneira, o sexo se tornaria algo totalmente carnal. No filme não existe cura para ninguém, já que nenhuma está doente; o que existe é um comportamento que deseja ser mudado, e por isso elas vão ao retiro “não-sexual”. 

  O que torna interessante do filme são os mecanismos de poder que, tanto das pacientes como também dos doutores, porque no final ninguém tem razão, nem mesmo os doutores tem certeza de que quando surge o tesão, então porque não o aproveitar ?

                                                                             ****
  Blanquita, direção e roteiro de Fernando Guzzoni, Chile, México, Luxemburgo, França, Polônia/2022. Pessoas públicas chamam mais atenção por serem justamente públicas. A esfera da política pública ( a outra esfera seria os famosos, como os artistas ) tem de ser cobrada pelo dinheiro ser público, de todos nós, em que eles gastam, muitas vezes só eles gastam tudo.

   Entretanto o devido olhar nos políticos, pode ocorrer também com interesses de outras pessoas ou núcleo de pessoas, como os partidos políticos. No longa especificamente temos o interesse de duas pessoas: a Lolita, protagonista da trama, e o seu supervisor-tutor. A jovem vive com o tutor em um orfanato de garotos. 

  A denúncia chave do filme é de que um senador da república fazia orgias com adolescentes, e que em ao menos uma orgia dessas estaria Lolita. Pronto: de um lado um senador família e ficha limpa de bons costumes, e do outro a denúncia de pedofilia. 

  O filme transcorre nas armas em o que lado acusador trama estratégias para pegar o exemplar senador de “calça-curtas”. Entra-se neste “tentar de lenhar” a vida do politico a igreja católica, onde vai até o ponto em que lhe conveniente , após isso, dá um chute na bunda do supervisor da Lolita e do dela; mostrando quem é de fato poderoso no frigir dos ovos. Um filme que aborda de forma detalhada como é feito um dossiê a fim de queimar um político, e este independente de ser fake ou vero; o que vale é a estratégia que o plano traz ou o enredo do que foi visto, e com muito prazer. O filme faturou o prêmio de melhor roteiro na sessão horizontes do último festival de Veneza.