Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 16: MORAR NÃO É CHIQUE COMO SE IMAGINA

Veja alguns detalhes importantes para quem deseja fazer o mesmo que o jornalista e esposa, passar uma temporada de 90 dias em Paris
Tasso Franco , Salvador | 20/10/2022 às 09:26
Jornalista TF atualizando o Bahia Já no seu minúsculo apartamento
Foto: OG
 
   Sem desviar a rota, porque o dia-a-dia, as curiosidades, o pechinchar nas lojas e nas feiras de ruas, a burocracia, o modo de viver em Paris com suas idiossincrasias integram o cotidiano vamos comentar sobre algumas peculiaridades de passar uma temporada na capital francesa (90 dias), sem a necessidade de ter um visto de permanência por mais meses e sem um pedido para moradia definitiva, o que exige uma documentação mais extensa e outros procedimentos para obter a "carte de séjour" que dá direito a sua estadia. 

   Há, ainda, a ilusão de que, quem passa uma temporada como a que passamos significa viver no paraíso terrestre, uma maravilha, uma apoteose, lugar chique, coisa para marajás e assim por diante. Alguns amigos e conhecidos nossos diziam assim: "Vocês é que sabem viver"; "Estão desfrutando das mordomias da mais bela cidade do mundo"; "Vocês podem, são afortunados"; "Quisera eu também fazer isso"; "Que chique vocês morando em Paris" e assim por diante.

  Diria que, nem muito ao céu; nem muito a terra arrasada. Tudo tem seu preço, sua disposição em encarar desafios, organização, vontade de atingir um objetivo e encarar uma realidade nova, uma cultura diferenciada da nossa a qual não estamos acostumados e até habilitados. Tudo passa por uma transformação coisa que já havia experimentado noutros tempos em Barcelona (2005) e Londres (1987). Portanto, não era marinheiro de primeira viagem. A madame Bião de Jesus, sim, mas conseguiu tudo o que queria e tirou de letra as adversidades 

 Em primeiro lugar é preciso destacar que, em Salvador, moramos num amplo apartamento, temos dois veículos na garagem, 3 aparelhos de TVs em casa, cozinha completa, cama king, varanda, dois computadores, impressora, home-office, etc, faxineira, passadeira, manicure, cabeleireira, massagista (atendem em casa) etc e estamos a 200 metros da praia. 
 
 Em Paris fomos morar num apê de 20 metros quadrados, sofá-cama, TV, fogão elétrico, mini sanitário, mini banheiro, “terasse” de 18m, cozinha completa e mudamos completamente de hábitos. As atividades domésticas éramos nós que fazíamos, desde o preparo das refeições, a limpeza do estúdio e lavagem de pratos e talheres, lavar e passar as roupas e assim por diante. 

  Sentiram a diferença? Já experimentaram passar 90 dias sem pegar no volante de um carro usando a canela e o metrô? Claro que milhões de brasileiros fazem isso. Acontece que estamos falando de um casal classe média que tem alguns hábitos estabelecidos, plano de saúde, seguro de veículos e pessoais, vai ao supermercado de carro, usa UBER para ir ao TCA e assim por diante. 

 Então, imaginar que alguém que vai passar uma temporada em Paris foi ao paraíso é um ledo engano. Há coisas maravilhosas para se ver e conhecer de uma cultura milenar, mas tem-se que ralar, comprar o pão, trocar o sifão da pia e enfrentar o modo de vida francesa, ainda bastante burocratizada. Bem, se a pessoa é milionária - o que não representa 99% dos que vão fazer um curso na cidade ou um estudo de aperfeiçoamento, são outros quinhentos.

  Há, ainda, uma distinção entre as pessoas que vão passar uma temporada a estudos; as pessoas que vão morar por uma nova opção de viver e têm recursos e capacitação profissional para enfrentar essa nova realidade; e os imigrantes que chegam diariamente da África, Síria, Afeganistão, Índia e outros e só têm a roupa do corpo. Paris, hoje, tem várias favelas (bidonvilles), a maior o Boulevard Ney.

 Para uma temporada como a nossa é preciso ter capacidade financeira e vontade. Exige-se, ao menos, algo em torno de 10 mil a 15 mil euros por temporada de 90 dias considerando morar num flat (estúdio), alimentação, transportes, passeios e o curso a pagar. 

  Paris - todos sabem - é uma cidade cara e um estúdio de 20 metros quadrados para morar custa, em média, 1.300 euros por mês, com água, energia, condomínio inclusos. Para alugar um apartamento é preciso usar os serviços de uma imobiliária (+ 20% da taxa de serviços no primeiro aluguel) e apresentar a declaração do imposto de renda, comprovante de endereço no Brasil, da renda atualizada e do passaporte, além da matrícula no curso que fará. Toda essa papelada é submetida pela imobiliária ao dono do imóvel que decidirá se aluga ou não. Fomos rejeitados, ao menos, por dois proprietários.

 Depois que o proprietário aceita fecha-se o negócio e paga-se 50% do valor do primeiro aluguel como caução, dinheiro que será devolvido quando da entrega do apartamento. Na inicial, um aluguel de 1.300 paga-se 260 euros à imobiliária e mais 650 euros de caução: total 2.210 euros. É necessário fazer-se uma inspeção do imóvel e os móveis utensílios existentes no apartamento - vê se a TV está funcionando, se o microondas liga, etc, etc - porque quando da devolução o proprietário vai verificar todos esses itens. Se você devolve com alguns desses itens com problemas ele desconta na caução.

  Esse processo não é rápido ainda que seja feito pela internet e quando da entrega das chaves utilizamos nosso filho que morava em Milão para recebê-las e fazer a inspeção uma vez que chegaríamos a Paris por volta da meia noite e a imobiliária disse que não tinha atendimento nesse horário. A outra opção era irmos para um hotel e recebermos as chaves no dia seguinte. 

  A França tem regras muito rígidas quanto a aluguel de imóveis e você não pode utilizá-lo para colocar mais pessoas do que o combinado e tem que obedecer às normas condominiais. Não há porteiros nos prédios nem numeração das portas dos apartamentos. Seu endereço passa a ser o do dono do imóvel cujo nome está afixado nas caixas do Correio na entrada do prédio. Então, eu passei a ser madame GH, 7º andar, por 90 dias. 

Para identificar o apartamento que morava no 7º andar, uma vez que havia 3  no andar, significava dizer que era a esquerda da saída do elevador em frente; a minha vizinha era em frente à saída do elevador (de testa); e o outro, a direita do elevador em frente. Veja que confusão dos pecados. Quando há muitos apartamentos num mesmo andar as pessoas marcam suas residências com carpetes coloridos e sinais nas portas.

  Se eu quisesse comprar uma bike ou uma caixa de vinhos pela internet como a caixa do Correios do prédio era só para correspondências e não cabem esses tipos de mercadorias, la Poste (Correio) iria informar que minha encomenda estava na agência próxima da minha rua, a Dombasle, ou num posto de entrega do meu distrito. 

  Veja a diferença: em Salvador, se eu comprar uma bike no Magalu ou no Mercado Livre a entrega é feita na portaria do meu prédio e eu sou avisado pelo interfone para descer e pegá-la. Se eu não estiver em casa, o porteiro recebe e quando eu chegar me entrega. Em Paris, isso não existe.

  A cidade não tem bairros como as nossas. A capital é dividida em 20 arrondisements (distritos) divididos em círculos a partir de Champs Élysée (distrito 1) e cada um tem uma prefeitura (meirie) embora haja uma central, a sede da Câmara de Vereadores (Hôtel de Ville) cuja presidente (Ana Hidalgo) é a prefeita. Eu morava no 15º e tudo que quisesse resolver tinha que ir a Prefeitura do distrito que ficava a 300 metros de minha casa. 
 
  Meu endereço era: 10, Rue Dombasle, 75015. Não tem nome nos prédios e fim de papo. O 75 corresponde ao Departamento (Paris) o 015 (ao distrito), o 10 o número do prédio. Veja a diferença: em Salvador moro na Rua Amilcar Falcão, 202, apartamento 202, Edf Mansão R'escla, Morro do Gato, Barra, cep 40.140.480. Observe, portanto, quando detalhes a terminologia brasileira oferece.

  Outro detalhe é que os números das fachadas dos prédios não são contados na sequência que estamos acostumados: 10, 12, 14; e do outro lado os impares, 11, 13, 15. A contagem é por unidade e alguns prédios com anexos tem numeração do tipo 10 e 10 bis. 

  Quebrei a cabeça para descobrir o endereço de um médico, Dr Simon, que me atendeu no arrondisement 1 porque o prédio do seu gabinete estava marcado número 14. Quando toquei no 14 era outro consultório e a atendente teve a gentileza de dizer que Dr Simon era no 14 bis. Quando cheguei ao 14 bis e consegui acessar o imóvel não havia uma placa com o nome dele na porta em várias salas à minha vista. Salvou-me que ele saiu para despedir-se de uma paciente.

   Então, só para vocês sentirem a confusão eu morava no 10 e em frente ao meu prédio havia uma sapataria que era a 119. Para que um convidado acessasse meu apartamento tinha que descer até a portaria e levá-lo. Se você convidasse 5 pessoas para ir a sua casa desceria 5 vezes. Alguns prédios permitem que se abra o acesso a partir de sua residência.

  Muita gente acha os franceses antipáticos, pouco receptivos, medianamente asseados, narizes arrebitados e sem dar atenção aos estrangeiros e isso tem um fundo de verdade, porém há exceções, e uma enorme variedade de variantes. De uma forma geral são como descritos acima uma vez que, ao menos Paris, a cidade é cosmopolita e tem milhares de estrangeiros de todas as nacionalidade, nas últimas décadas, com uma invasão de asiáticos que instalaram lojas de toda natureza - alimentos, souvenirs, massagens, spas, malas, bolsas, etc - embalados pela industrialização acelerada da China.

 Hoje, em quaisquer lojas de souvenirs de Paris há mais produtos chineses à venda do que franceses ou de qualquer outra nacionalidade. Até as réplicas da Torre Eiffel, de todos os tamanhos e com iluminação, são chineses e vendem milhares todos os dias. Há uma profusão de lojas do tipo coma a kilo asiáticas com os produtos já embalados - saladas, massas, frango, etc - o que facilitam a vida das famílias e são mais baratas do que comer num restaurante ou num bistrô.
 
   Para quem vai passar uma temporada - como nós - são muito utilizadas essas comidinhas pela praticidade e pelos preços. Uma refeição num bistrô custa em média 15 a 20 euros - massas, peixes, etc; e entre 20 a 40 euros se levar carne - de boi, de pato, de veado, etc; isso sem contar o vinho. Um casal gasta, em média, entre 60 a 70 euros se almoçar e/ou ceia num bistrô degustando um vinho dos mais baratos que no supermercado custa 4 a 5 euros, mas nos bistrôs valem entre 27 e 30 euros. Nos asiáticos compra-se uma refeição por 10 euros.

   Então, quem vai passar uma temporada tem que observar esses detalhes: a comida feita em casa a partir de compras nos supermercados tem um preço, mais barata com o vinho; nos asiáticos outro preço; e nos bistrôs e restaurantes mais caras. Um Saint-Emilion rouge num supermercado custa entre 15 e 20 euros; e nos restaurantes entre 50 e 70 euros. Faz parte do show e não falta quem pague porque Paris vive lotada de turistas em quaisquer das temporadas. No verão os preços arribam. 

 Uma outra questão a ser observada são os ladrões muitos que circulam nas ruas, nas estações dos trens, nos metrôs e nos apartamentos. Estávamos morando há 15 dias quando a síndica do nosso prédio colocou uma mensagem no elevador prevenindo os moradores sobre um "sequestrador". Tratava-se de uma pessoa que seguia um morador e entrava no prédio aproveitando algum descuido e ia até seu apartamento e furtava objetos. Alertava para termos cuidado ao entrar no edifício. 

 Em algumas linhas mais movimentadas dos metrôs os batedores de carteiras são tantos (les pickpockets) que o serviço de som instalados nos trens dá avisos de que estão presentes. Não há policiamento nas estações - salvo raras exceções - e com frequência vê-se passageiros (especialmente turistas) gritando ou chorando que foram roubados. E nem adianta dar queixa na Polícia porque a recomendação é você ter cuidado com sua bolsa. 

  Há muitas outras questões que poderia relatar nesta crônica, porém farei noutras, tais como a burocracia no atendimento médico e de emergência; cuidado máximo com o uso do cartão de crédito uma vez que há muitas fraudes e dinheiro (papel moeda) já não é recebido em vários locais; e se você precisar de um fisioterapeuta? e de um dentista? como agir; enfim, coisas do dia-a-dia de uma cultura que você não está acostumado.  

  Nada, no entanto, que signifique terror ou que você não possa resolver.