Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM: CAP 15, SAIN-GERMAIN-DES-PRÉS, BAIRRO CULT

Uma das localidades mais queridas e objeto de desejo para morar a gauche do Sena no 6º Arrondisement (Distrito)
Tasso Franco , Salvador | 16/10/2022 às 11:39
Visitando a igreja em Saint-Germain-des-Prés
Foto: BJÁ

   Já que estamos falando de santos e igrejas seguimos na mesma pisada comentando sobre Saint-Garmain-des-Prés, no 6º Arrondisement. Na realidade trata-se de uma área distrital do 6º que é vista como um bairro. 

   São Germano é um santo francês não cultuado em Salvador da Bahia. Teria nascido em 496, em Autun, e se tornado padre a abade em Saint Symphorien. Quildeberto, rei de Paris, da dinastia merovíngia, designou Germano bispo da cidade.

   Ao morrer, em 28 de maio de 576, foi sepultado na abadia fundada por Quildeberto e por ele, em 558, junto a Paris, conhecida mais tarde como Abadia de Saint-Germain-des-Prés. 

  A referência "junto a Paris", significa dizer que era um local fora dos muros da “cité” que ocupava a ilha formada pelo rio Sena, a gauche do rio. Ou seja, a esquerda, não muito distante do rio, junto ao rio ou perto (prés), porém ainda um prado (des-prés). Por isso mesmo, considera-se, também, Santo-Germano-dos-Prados - em francês Saint-Germain-des-Prés. Adiante, na mesma linha, onde hoje estão o Jardim de Luxemburgo e Montparnasse eram vinhedos, vivendas.

  Germano começou a ser venerado como santo pouco tempo após sua morte. O rei Pepino, o Breve, presidiu a translação da sepultura do santo para uma localização atrás do altar principal da igreja da abadia. As relíquias desapareceram com a Revolução Francesa, em 1793. Os revoltosos saquearam várias igrejas católicas da cidade furtando joias e alfaias e depenando locais onde estavam sepultados santos e reis.

  A localidade originou-se ao redor da abadia. A partir do início do século XIX com o advento e avanço da revolução industrial, o uso do ferro e do vidro nas construções, o conjunto religioso foi destruído em sua maior parte, criando espaços para novos moradores e lojas. 

  Da abadia restou a igreja, que atualmente serve a paróquia de Saint-Germain-des-Prés. Este monumento, construído entre os séculos XI e XII, é a mais antiga igreja de Paris. A antiga abadia é do século VI.

  Com o crescimento de Paris em várias épocas, desde a Idade Média, Renascimento, Revoluções Industriais – sobretudo a partir do final do século XVIII os muros e torres de vigia foram desaparecendo e a cidade tornou-se única, divida territorialmente em 20 distritos e não em bairros.

  E alguns locais emblemáticos como Champs Élysée, Saint-Germain, Montparnasse, Montmartre, etc, são também conhecidos como bairros que integram distritos. As correspondências são assim endereçadas. Quem mora numa rua de Saint-Germain, coloca o número do prédio em que mora, o nome da rua e o código do distrito. 

  Nós morávamos no seguinte endereço: 10, Rue Dombasle, 75015. Ou seja, no Departamento 75 (Paris) distrito 15. Os apartamentos não são numerados e as correspondências vão para as caixas do correio na entrada do prédio. No nosso caso, apartamento alugado no 7º andar a correspondência ia para a caixa da proprietária do imóvel, que nos cedeu as chaves por 90 dias.

 Desde a "Belle Époque", passando pela "Geração Perdida", e períodos da I e II Guerras Mundiais - entre 1914/1918; 1937/1945 - Saint-Germain tornou-se um lugar de excelência da vida intelectual e cultural parisiense. 

  Frequentaram os seus cafés e bares nomes como Pablo Picasso, Malarmé, Ernest Hemingway, Di Cavalcanti, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Juliette Gréco, Jean-Luc Godard, François Truffaut e tantos outros filósofos, escritores, atores e músicos. A lista é imensa. O local se tornou "cult" e foram se instalando teatros, livrarias, galerias de arte, restaurantes e também se tornando objeto de desejo para morar.

 A jornalista, escritora e modelo Danuza Leão, brasileira apaixonada por Paris, em crônica, narrava para a Folha de São Paulo, em 2009: "Minha história com a cidade começou muito cedo (1953) e marcou minha vida para sempre; a primeira vez eu tinha 17 anos e morei lá por dois; depois voltei, aos 30, e fiquei cinco anos".

 Cita que seu quartier amado era a Rue du Dragon até o Odéon (em Saint-Germain). - Por que “meu quartier amado”? Primeiro porque ando de um lado para outro, a pé, não tenho que reservar o restaurante e a isso chamo liberdade, coisa que prezo muito. 

 - O Flore é o melhor café que existe. Ao lado tem uma livraria maravilhosa, a La Hune, aberta até a meia-noite. E atenção: a metros de distância há outro café, o Deux Magots, bem parecido com o Flore, mas em Paris é preciso escolher: ou você é Flore ou você é Deux Magots. E fez a ressalva: "Eu sou Flore".

  Noutra crônica profetizou: "Saint-Germain-des-Prés está acabando. Lembro quando, na esquina da rua de Rennes com o bulevar St. Germain, havia um café que foi demolido e ali surgiu uma drugstore. Foi uma grita geral, mas aos poucos os parisienses foram se acostumando. A drugstore tinha uma ou duas salas de cinema pequenas, livraria, delicatessen, loja de pequenos presentes de última hora, jornaleiro, fechava às duas horas da manhã e era passagem obrigatória antes de se ir para casa".

  - O tempo passou, Armani comprou o ponto, e outra grita: ninguém precisava de Armani no "quartier" [bairro]. E Saint-Germain, que era um típico pequeno bairro com lojinhas na rua, foi se transformando.

   - O hotel onde fico sempre, na esquina da rua de Seine com o bulevar Saint-Germain, tinha bem na frente uma peixaria. Fechou. Na pracinha de Saint-Germain, em frente à igreja mais antiga de Paris, que data do século 6º, foi aberta uma loja Louis Vuitton – isso merecia um processo.

  Ora, Danuza Leão não quis "dar o braço a torcer" que as cidades vivem em movimento. Ela entendia, mas não aceitava. Ainda hoje segue nessa corrida louca. E a jornalista, que começou a passar temporadas em Paris a partir da reconstrução da Europa no pós-grande-guerra também presenciou o surgimento de grifes internacionais, de novas tecnologias em construções, do surgimento das lojas de departamentos (e depois shoppings), de modelos de automóveis a cada dia mais sofisticados e a cidade acompanhou esse processo. Hoje, a Av Rennes tem comércio de ponta-a-ponta até Montparnasse - local de vinhedos - mas ainda existem ruas menores como a Buci onde há um marché e bares pés-sujos.

                                                                             ****
  Visitei a igreja de Saint-Germain-des-Prés, no final de maio de 2022, o que restou do conjunto monástico medieval, essa construção do século XI.

  Lembrando que a abadia beneditina foi fundada em meados do século VI pelo rei franco, Quildeberto I, da dinastia merovíngia, criado para guardar relíquias de São Vicente de Saragoça e um relicário com um pedaço da Cruz de Cristo, obtidas pelo rei numa expedição militar pela Hispânia visigoda. Inicialmente, a abadia foi inicialmente dedicada a São Vicente e à Santa Cruz.

  A consagração da abadia aconteceu em 558 por Germano, bispo de Paris. Neste mesmo ano morreu o rei franco, que foi sepultado no edifício. Vários membros da dinastia merovíngia (originários de Meroveu, reis dos cabelos longos) foram sepultados ali, como Quilperico I (584) e sua rainha Fredegunda (597), Clotário II (629), Quilderico II (673) e sua esposa Biliquilda (675). Tornou-se uma necrópole real.

   A abadia ocupava uma enorme área em 1790, quando foi dissolvida durante a Revolução Francesa. Nessa época o complexo monástico foi ocupado por uma fábrica de salitre. No século XIX, a igreja foi reformada e redecorada com pinturas murais.

  É um templo muito bonito e colorido internamente com azuis claro e escuro, afrescos e vitrais. É raro vê-se uma igreja tão antiga com essa pintura chamativa. 

  Estive, também, em momentos diferentes, no Flore Café e no Les Deux Magots, donde, deste último, vê-se a igreja de Sain-Germain quase tocando-a com as mãos. 

  Não sou, obviamente, um frequentador assíduo desses cafés como fora Danuza Leão do Flore, o seu predileto. Gostei de ambos, mas elegi o Magots como o meu preferido. Achei-o mais acolhedor e com uma vista para a igreja, a praça e o andar das pessoas em direção ao Sena ou a Montparnasse; ou ao Jardim de Luxemburgo mais palpável.

  Ao andar pelas ruas de Saint-Germain não senti as diferenças observadas por Danuza Leão e outros escritores porque não conheci o local antes dessas transformações. O que pude observar é que há uma simetria nos edifícios e monumentos históricos do local, mantendo-se as construções dos séculos XVIII e XIX, evidente com novas fachadas e uso das tecnologias atuais.

  O que destoa é a Torre de Montparnasse um prédio de 60 andares, 210 metros de altura, nas proximidades desse conjunto arquitetônico, localizada no 15º distrito.