Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 14: SAINT SULPICI E TODOS OS SANTOS

A França é um país muito católico e Paris tem 12 catedrais (basílicas) e 200 igrejas, ao menos
Tasso Franco ,  Salvador | 13/10/2022 às 09:12
Saint Sulpici, as duas torres diferentes, a fonte e as castanheiras da praça
Foto: BJÁ


  Quando os portugueses descobriram a Bahia durante a expedição exploratória da costa brasileira determinada pelo rei Dom Manuel e confiada a Gaspar de Lemos e ao cartógrafo Américo Vespúcio, era dia 1º de novembro de 1501. Obedecendo o calendário cristão-católico colocaram o nome de Baía de Todos os Santos no acidente geográfico que iria banhar para sempre a cidade do Salvador, erguida a partir de 1549.

  Salvador, a cidade onde moro, nasceu sob o signo do cristianismo católico e o rei Dom João III ao mandar erguer uma fortaleza que fosse "segura e forte" colocou o nome do Senhor, do Salvador. Até hoje não se sabe se essa foi uma ideia do rei, diretamente, ou de alguém de sua Corte.

  Diz-se, hoje, que Salvador possui 365 igrejas, uma para cada dia do ano. Trata-se, evidente, de um folclore - uma lenda ou tradição popular - pois o populacho sequer sabe distinguir uma basílica de uma igreja; e igreja de capela; e demais oratórios de rezas. O certo, no entanto, é que se somarmos as 4 basílicas da cidade - Bonfim, São Sebastião, Sé e Nossa Senhora da Conceição da Praia - as dezenas de igrejas e centenas de capelas e oratórios é possível que haja, de fato, 365 locais de orações católicas.

  Os santos mais cultuados são de origens portuguesa, espanhola e italiana - Santo Antônio, Santo Ignácio, Santa Isabel, São Domingos, São Benedito, São Francisco, Santa Clara, Santa Tereza, São Roque, etc - e poucos da França, provavelmente, as mais conhecidas sejam Santa Terezinha do Menino Jesus, Nossa Senhora de Lourdes e Nossa Senhora da Medalha Milagrosa que são invocações marianas atribuídas a Virgem Maria.

  Faço este nariz de cera - em linguagem jornalística, uma introdução para se chegar ao assunto principal - para falar da igreja de São Sulpício (Saint-Suplice), em Paris, santo que não é cultuado na Bahia, pelo menos que eu saiba. É a segunda maior igreja da capital parisiense e ocupa uma boa parte da praça onde há, ainda, uma belíssima fonte d'água. Foi construída pelo fundador da Sociedade de São Sulpício, congregação que foi enviada ao Canadá para a evangelização dos nativos, quando da sua colonização.

   Paris é uma cidade católica. Por onde se anda há sempre templos religiosos católicos imensos. No meu distrito, o 15º, já comentamos neste livro, existe a Paróquia de Saint Lambert de Vaugirard, um santo belga.

  É complicado entender esse zoneamento da cidade por distritos e não por bairros. Vaugirard é uma avenida que vai do 15º até o 6º, mas não significa dizer que passa por outros distritos o 14º ou o 8º. Como a paróquia fica a maior caminho da avenida leva esse nome. Somente quando se mora na cidade percebe-se esses detalhes.

  Em Salvador, moro no bairro da Barra e minha esposa frequenta a igreja da Assunção do Senhor, em Ondina, por ser a mais próxima de nossa casa. No entanto, é mais fácil de entender o zoneamento de uma cidade por bairros do que por distritos. Em Paris, morando na rue Domblase, que de um lado cruza com a Vaugirard e do outro com a Convention, embora muita gente classifique essa zona como Vaugirard não existe o bairro Vaugirard, a origem medieval do lugar, e sim o 15º Arrondisemant (Distrito). Então, morava num distrito com uma paróquia que leva o nome de uma avenida.

   Estima-se que existem 50 mil templos religiosos católicos na França num território (543.940km2) que é menor do que o tamanho da Bahia, 567.295 mil km quadrados. Em Paris existem 12 catedrais (basílicas) e 200 igrejas. Os santos são desconhecidos dos brasileiros - salvo exceções - como Sèverin, São Luis IX, Dionísio, Cesário de Arles, Bernardo de Claraval, Johana, Medeleine, Alexandre Nevsky, Eustáquio, Ephrem-le-Syriaque, Jean Montmartre, Nicolau-du-Chardonnet entre outros. A igreja mais antiga é Saint-Germain-des-Pres, do século VI.

  A França, entre 1309 e 1377, foi sede do papado por imposição do Felipe IV (o belo) e elegeu 7 papas de origem francesa, desde Clemente V (Bertrand de Got), natural de Bordeaux; até Gregório XI (Pierre Roger de Beaufort) cisma que foi resolvido no Concílio de Constança, em 1414, retornando a sede a Roma. O período do papado na França ficou conhecido como "Cativeiro de Avingnon" e os papas residiam num suntuoso palácio (ainda existente nos dias atuais) chamado Palácio dos Papas. O famoso vinho "Châteauneuf-du-Pape" vem daí.

  A Companhia dos Padres de São Sulpício foi criada pelo padre Jean-Jacques Olier e atuam na França, Canadá e Estados Unidos, mas há representações no Brasil na Diocese de Crato (CE) e em Brasília. À semelhança da Companhia de Jesus, de Ignácio de Loyola, criada no século XVI e que atuou no Brasil, a partir de Salvador, em 1549.

  Não vimos em Paris como há no Brasil, na atualidade, a proliferação de igrejas evangélicas. Os franceses seguem muito católicos mesmos os socialistas.

  Padre Jean Jacques Olier era considerado um reformador e montou um pequeno seminário nos arredores de Paris, em 1641. Quando foi nomeado pároco da Igreja de São Sulpício, mudou o seminário para a paróquia e convidou vários outros sacerdotes a se juntar a ele criando a "Companhia dos Padres de São Sulpício".

  Um século e meio depois, nos Estados Unidos, John Carroll, o primeiro bispo dos Estados Unidos, solicitou que os sulpicianos um seminário em Baltimore, onde cresceu a partir do século XVIII.

  A companhia foi aprovada pelo papa Papa Pio IX  e dedicou-se ao trabalho missionário, na França, no Vietnã e na África francófona.

  São Sulpício nasceu na cidade de Vatan, na França e faleceu em 644, na cidade de Bourges, França.

  A igreja no 6º arrondisemant é belíssima com destaque para as suas torres. A primeira vista parecem iguais, mas, olhando-se com cuidado vê-se as diferenças. No interior há obras de Eugène Delacroix; pias de água benta, oriundas de Veneza, como presente ao rei Francisco I; e um órgão com 15.836 tubos, e santaria em mármore branco.

  Quando entrei no tempo me senti pequenino diante da imensidão de sua nave. Uma senhora cuidava da limpeza de uma área lateral e havia poucos fiéis em orações e apenas alguns turistas a admirar a beleza do templo. A atual igreja foi edificada sobre os alicerces de um antigo templo romano do século XIII, que sofreu sucessivas ampliações até 1631. E guarda essas características com imensas colunas numa mistura do gótico com o estilo romano.

  As grandes janelas com vitrais permitem uma iluminação natural com a claridade da primavera.

  Uma das atrações desta igreja é o seu gnômon - coluna que marca a hora do dia projetando a sua sombra no solo. Languet de Gercy (o sacerdote de São Sulpício) precisava de um sistema para controlar os equinócios e poder predizer qual era a data da Páscoa, e encarregou dessa tarefa o astrônomo e relojoeiro inglês Henry Sully.

   É uma lâmina disposta na vertical do relógio que projeta a sombra do sol, indicando as horas. É considerado o primeiro aparelho para a indicação do tempo, durante o dia. A coluna é feita em mármore com uma linha, no meio, de latão, paralela aos meridianos da Terra. Essa linha segue até um obelisco de onze metros, e com um sistema sofisticado de lentes, localizado em uma das janelas.

  O meridiano de Saint-Sulpice foi por muitos séculos o ponto “0” na marcação da longitude. Somente em 1884, o ponto “0” foi transferido para o meridiano de Greenwich, na Inglaterra. A mudança ocorreu na Conferência Internacional do Meridiano, realizada em Washington D.C., Estados Unidos. Nessa conferência ficou decidido que a diferença entre um fuso é de 15° entre dois meridianos e, o fuso “0”, seria o de Greenwich. Essa decisão só foi acatada pela França e pelo Brasil, em 1911.

  O livro e o filme "O Código Da Vinci" escrito por Dan Brown (grande sucesso no mundo ocidental), tem como um dos cenários a Igreja São Sulpício. O o gnômen integra uma das pistas seguidas por Robert Langdon, o professor de iconografia religiosa.

   A igreja está situada na praça de São Suplicio, construída na segunda metade do século XVIII, sempre silenciosa e com uma aura de paz. No dia em que estivemos nela, jovens conversavam sentados à beira da fonte com jorros d'água e grupos de moradores papeavam a sombra das castanheiras.

   Nesta praça fica o Café de la Mairie, famoso por haver aparecido em numerosos filmes franceses, mas não deu tempo de visitá-lo. Fiquei de retornar ao local para conhecê-lo, mas não apareci por lá. Fica para a próxima viagem, se ainda o fizer.

  Diria que Paris, a semelhança de Salvador, segue como a terra de todos os santos, suas simbologias e mistérios.