Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 12: A SORBONNE E SAINT-ETIENNE-DU-MONT

A rua é motivadora, digo eu. Atrai, impulsiona desejos e nos leva aos subterrâneos da história.
Tasso Franco ,  Salvador | 06/10/2022 às 10:52
Estudantes no campus da Sorbonne como na época de Diderot
Foto: BJÁ
   
  Ao que se registra, o filósofo e escritor francês Denis Diderot é o autor da frase "c'est beau la rue" (como é bela a rua) e creio que esse "flâneur" do século XVIII nascido em Langres e estudante da Universidade de Paris, onde se formou e viveu até a morte, foi um andarilho do Quartier Latin em especial.

  A rua é motivadora, digo eu. Atrai, impulsiona desejos e nos leva aos subterrâneos da história. Depois de visitar o Jardim de Luxemburgo, yo e a madame Jesus deixamos o local pelo portão que dá acesso ao Boulevard Saint Michel, depois pegamos a Rue Cujas até o Panthéon Universidade de Paris I - Sorbonne, a Place do Panthéon, ao monumento Panthéon e a Sain-Etienne-du-Mont e fomos observando estudantes sentados em bancos de mármore da praça a conversar, outros a lanchar e casais de namorados aos beijos e carícias.

  Victor Hugo quando descreveu a Paris do século XVI (1418) em "O Corcunda de Notre Dame" afirmou que Paris era dividida em três cidades distintas e separadas; a cité - a ilha; a universidade - margem esquerda do Sena desde Tournelle até a torre Nesle, sua cercadura entrava bem amplamente pelos campos em que Juliano havia construído suas termas, com ponto culminante dessa curva de muralhas na porta papal, na localização, mais ou menos, do atual Panthéon"; e a cidade, que é a maior das três porções.

  Estávamos, pois, nesta segunda área andando pelos passeios da Sorbonne, Universidade de Paris que foi fundada no século XII (1170) e o prédio da escola do teólogo Robert Sorbón (1257), que popularizou o nome "Sorbonne".

  Tem alguma emoção esse flanar? Diria que sim, sobretudo para quem conhece, como eu, a origem do Brasil, cuja colonização começou em 1549, na minha cidade do Salvador da Bahia onde a primeira escola de nível superior se instalou em 1808, com Dom João VI, a Escola de Cirurgia (Medicina) e a Universidade Federal da Bahia, onde estudei, fundada em 1946, pelo abnegado primeiro reitor Edgard Santos. 

  Estamos falando de uma diferença de 776 anos entre uma e outra; e 689 anos para a Sorbonne, um período tão longo que é maior do que a existência do Brasil europeu nativo, matas, florestas, montanhas e mar, que data de 1500. 

  Então fui observando que aqueles estudantes que estavam na praça do Panthéon eram assemelhados aos dos séculos XII e XIII, com vestes apenas diferenciadas diante dos elementos temporais, um precipício, e ao observarmos o prédio do Panthéon, em sí, a arquitetura, e os elementos góticos da igreja dedicada a Santa Genoveva, a padroeira de Paris, esses elementos temporais eram mais estreitos porque conservados como no modelo em que foram erguidos.

  Eu, portanto, um ser do século XXI estava andando por onde andaram Diderot e outros estudantes de vários séculos anteriores.

  Saint-Étienne-du-Mont é uma igreja católica situada no Monte de Santa Genoveva, no 5º arrondissement, onde se situa o Quartier Latin. Nela, está a tumba com os restos mortais de Genoveva, padroeira da cidade, e também de Blaise Pascal e de Jean Racine. É belíssima no seu interior e a entrada é gratuita. No exterior tem uma fachada sem despertar tanta atenção, mas quando se entra no templo o visitante é surpreendido pelas obras de artes e os vitrais.

  Santa Genoveva nasceu em Nanterre no ano de 422. Quando tinha 8 anos o bispo Dom Germano estava indo da França para a Inglaterra. Ao passar em Nanterre para uma celebração deu a bênção ao povo e convidou a criança para seguir a vida consagrada, a qual fez votos da virgindade consagrada. 

  Com o falecimento dos seus pais, foi residir em Paris na casa de uma madrinha onde viveu uma vida de oração e penitência. Conta a história que, quando os hunos estavam para invadir Paris - era comum invasões seguidas de saques - Genoveva chamou o povo para a oração e penitência. Como não aconteceu a invasão, a população passou a enxergar em Genoveva uma consagrada por Deus. 

 Genoveva morreu em 512, aos 90 anos de idade. Seu corpo foi levado para a igreja dos Santos Apóstolos. Em 1129, a França, foi atingida por uma peste. Estêvão - nome francês de Etienne, bispo de Paris - pediu ao povo que invocasse a intercessão de Genoveva e a peste foi contida. O episódio é conhecido como “Milagre dos Ardentes” e o Papa Inocêncio II, ordenou celebrar-se todos os anos a sua memória.

 Essas narrativas da igreja católica são fantásticas. Na minha cidade do Salvador, aconteceu uma ação assemelhada durante um período de cólera morbus (1855) na cidade. Os jesuítas que detinham o poder político e religioso invocaram preces a São Francisco Xavier, apóstolo das Índias, as mortes cessaram e a peste desapareceu. De quebra, trocou-se o padroeiro da cidade que era Santo Antônio para São Francisco Xavier, um santo que é pouco cultuado na Bahia.

  A história da igreja instalada em Saint-Etienne-du-Moont data de 502, quando Clovis, o primeiro rei francês, construiu, no então Mont Leucoticius, uma igreja dedicada a Saint-Pierre e Saint-Paul (São Pedro e São Paulo), assim como uma abadia.

  O rei, sua esposa, Clotilde e Geneviève (Genoveva) passaram a frequentar o lugar e manifestaram o desejo de serem enterrados ali. Em 512, Geneviève morre e, graças à sua religiosidade e aos feitos que fez para salvar Paris dos hunos, é proclamada santa e padroeira da cidade. Assim, a abadia passa a ter seu nome: Saint-Geneviève.

 Até 1220, as missas aconteciam nesta igreja fundada por Clovis. Só que o número de fiéis aumentou muito e o bispo de Paris mandou erguer uma nova igreja, ao lado daquela fundada por Clovis, em louvor a Saint-Étienne (Santo Estevão no Brasil), considerado o primeiro mártir cristão.

  A cidade seguiu em movimento. Graças a instalação da Universidade de Paris no Quartier Latin, o local cresceu bastante e Saint-Étienne se tornou uma das maiores paróquias de Paris. Então, é decidido derrubar a construção existente e erguer uma nova igreja no lugar.

  Os trabalhos começam em 1492 e duram 132 anos, até 1626. Essa demora deu-se pelo causa do período turbulento pelo qual passava a França, conhecido como as Guerras de Religião. No final da construção, a igreja foi financiada por Marguerite de Valois, a rainha Margot, primeira mulher do rei Henrique IV, que coloca a primeira pedra da fachada em 1610.

  Na época da Revolução Francesa, a partir de 1789, Saint-Étienne e outros templos religiosos em Paris foram saqueados, incluindo o túmulo da santa, cujos ossos foram queimados na Place de Grève e as cinzas jogadas no Sena. 

  A atual igreja Saint-Étienne-du-Mont reúne dois estilos: o gótico e o renascimento. Medem 68 metros de comprimento, 29 metros de largura e 25 metros de altura. Abriga em seu interior 21 capelas, dentre as quais o, a Chapelle Sainte-Geneviève e a Chapelle de la Vierge. Possui um dos mais valiosos conjuntos de vitrais originais, a maior parte deles realizada nos séculos XVI e XVII.

  Não vamos entrar em detalhes sobre as obras de arte que existem no templo tais como o púlpito suportado por Sansão ajoelhado sobre um leão, os vitrais e outras peças, pois são muitas peças; nem comentar sobre as guerras religiosas onde católicos romanos e huguenotes lutavam entre si. O certo é que o relicário para santa Geneviève, vazio de suas relíquias desde a Revolução Francesa, é mantido lá. A igreja também abriga um órgão cujas origens e buffet remontam à década de 1630. 

  Saint Étienne, além de ser o nome francês para Santo Estêvão, protomártir da Igreja Católica, é também cidade da França, e o time de futebol dessa cidade.

  O importante em todo esse caldo de cultura é fazer o que fiz, andar por esses sítios e conhecê-los de perto. Não dá para memorizar tudo ou ter uma visão completa de tanta história, mas consegue-se guardar alguma coisa na cachola.