Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 11: O FLÂNEUR E O JARDIM DE LUXEMBURGO

Um parque muito especial no (quase) centro da cidade de Paris
Tasso Franco , Salvador | 29/09/2022 às 10:05
Jardim de Luxemburgo, no 6º Distrito (Arrondisement)
Foto: BJÁ

   Os meus leitores já devem ter observado que estou há 10 dias em Paris, porém ainda não tive a oportunidade de flanar pela cidade como fizeram vários autores brasileiros e estrangeiros que passaram alguma temporada de suas vidas por aqui.  

  Cada qual tem uma visão diferenciada sobre o que vê nas ruas e noutros ambientes interiores e expressa, a partir de observações pessoais, uma síntese da sociedade francesa.

  Nos dias atuais, estamos no século XXI e em 2022, a Paris primaveril de hoje tem alguns traços da "Belle Epoque" - século XIX até 1914, inicio da I Guerra Mundial; do período da "Geração Perdida", segundo epíteto conferido por Gertrude Stein - período de 1883 até 1935/1940 - em que representava a capital mundial da cultura e abrigou escritores norte-americanos que se tornariam famosos - Ernest Hemingway, Scott Fittgerald, John dos Pasos, etc; a Paris do genial Victor Hugo que a descreveu como ninguém no século XV no romance "O Corcunda de Notre Dame"; a do mestre em crônicas José Carlos (Carlinhos) Oliveira, do JB, na década de 1960; e muito menos a cidade do século XIX, de Hugo; ou do crítico literário alemão Walter Benjamin, o qual teve a oportunidade de vivenciar a cidade dos anos 1920/1940 bebendo e captando informações e observações que se moldaram no XIX e avançaram até a II Grande Guerra.

   O "flâneur" - em francês - teria nascido no século XIX quando áreas de Paris se transformaram com o avanço das inovações tecnológicas industriais - sobretudo o ferro e o vidro - o que modificou a paisagem urbana com o surgimento das passagens - conhecidas como magasins de nouveatés, galerias cobertas com vidros e pisos de mármore, precursora das lojas de departamentos; e o surgimento dos boullevards haussemianos que permitiram que algumas pessoas flanassem, caminhassem, observassem e se mostrassem. O que no Brasil - em sentido figurado - se chama hoje de causar.

   "Flâneur" é um quase-sinônimo de "boulevardier" e se transformou num tipo literário do século XIX, na França, descritos em textos literários de várias formas - Valter Benjamin classificava o poeta Charles Baudelaire de flâneur melancólico - essencial e caricato para se entender momentos de Paris.

   Para melhor compreensão dos nossos leitores pense na figura do "malandro carioca" usando camisa listrada, terno e sapatos brancos e chapéu de palhinha, que se configurou para sempre num tipo popular. João do Rio, famoso cronista carioca nascido no século XIX e que descreveu a cidade nos primeiros 21 anos do século XX, dizia ser um vagabundo das ruas: "Por elas flano, perambulo, porém, com inteligência".

   O "flâneur" - tipo literário francês - era o personagem que observava a cidade e sua gente com olho crítico - Carlinhos Oliveira, Ernest Hemingay, Valter Benjamin, o poeta Baudelaire, etc - e ainda hoje ele existe e frequenta os boulevards, os shoppings centers (evolução das lojas de departamentos) e as avenidas de comércio chique como Champs Élysées e Montaigne, pessoas de todos os naipes sociais portando sacolas com marcas famosas. Os olhares se voltam para essas pessoas e os literários, os poetas, os anarquistas e os vadios, no sentido pleno da palavra, adoram vê-las essas e outras gentes dos ricos e do povo que, eventualmente se transformam em seus personagens, como autores baianos imortalizaram a "Mulher de Roxo" da Rua Chile.

    Ao tempo em que, se registra uma época. Uma imensa fila na Dior, na Montaigne, no momento em que há uma guerra na Ucrânia tem um simbolismo especial.

  Benjamin conceituou que "a rua se torna moradia para o flâneur, que, entre as fachadas dos prédios, sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes".

   Temos, também, visões diferenciadas de épocas ao olhar uma cidade. Na primeira vez que visitei Paris, no início da década de 1980, quando Salvador já tinha inaugurado seu primeiro shopping center e era uma grande novidade, fui determinado a conhecer além dos monumentos tradicionais - Torre Eiffel, Arco do Triunfo, Museu Louvre, etc - a Galeries Lafaytte - no Boulevard Hausemman - que fazia enorme sucesso na cidade. Era uma imensa loja de departamentos e fiquei encantado com o que vi, tudo muito diferente e espelhado da loja de departamentos que existia na minha cidade - "As Duas Américas" - a essa época já sem vida. E calculei na minha mente o que fazia existir a Lafaytte, pulsante, era o poder de compra dos franceses e dos estrangeiros que a visitavam, enquanto a nossa havia falido.

 

   Compreendi, assim, que havia dois mundos bem diferenciados. Eu até já sabia disso, através da literatura e do cinema, mas fui tirar a prova dos nove.

   Agora, nesta viagem, fui noutra Lafayette, em Montparnasse, já sem a mesma sensação de 1980. No meu "flâneur" estava determinado e havia convidado a madame Bião de Jesus para conhecermos o Jardim de Luxemburgo, um grande parque nas proximidades da Sorbonne e de Saint Suplice. Minha curiosidade era intensa.

   Fomos de metrô da nossa estação Convention até a Rennes - sete paradas - uma avenida de intenso comércio que liga Montparnasse a Saint-Germain-des-Pres e daí seguimos andando até a rue de Fleurus, onde, coincidentemente, morou Gertrudes Stein cujo apartamento na 27 era frequentado por Ernest Hamingay na década de 1920.

   No seu livro "Paris é uma festa" o autor norte-americano depois prêmio Nobel de Literatura narra detalhes da morada de Stein, a força persussiva dela, a sua influência entre pintores e literatos da "Geração Perdida", ainda hoje, ou sobretudo hoje, uma avenida de residências de alto padrão.

 

  Chegamos ao jardim pelo portão da Rue Guynemer a área verde de lazer mais curtida pelos franceses e turistas nesta cidade um imenso parque público com mais de 22,4 hectares, localizado no 6.º arrondissement. Os franceses chamam essas áreas de jardins e nós, brasis, de parques.

  Nos finais de semana, como nesses 21 de maio - data da nossa visita - milhares de pessoas aproveitam o parque para passear, jogar tênis, petanke (jogo tipo bocha), basquete, volei, peteca, futebol de salão e handebol, fazer pic-nics, montar cavalos, pedalar bikes, namorar, cantar, brindar a vida nos quiosques e restaurantes, alugar pequenos barcos (6 euros 30 minutos) para as crianças controlarem com uma vara, usar os parque infantis com tirolesas e outros, praticar cooper, enfim, manter um contato mais direto com a natureza.

  Falei para a madame Bião de Jesus nos primeiros 150 metros andando dentro do parque: - É um misto de Floresta Amazônica e clube social com tantas quadras e jovens praticando esportes.

  - Não chega a ser uma Amazônia pois há vida por todos os lados, nas alamedas com árvores e nas quadras de esporte, respondeu a bela senhora.

  De fato, no "Luxembourg" - em francês - existem diversas alamedas com milhares de árvores e toda área é cercada com um imenso gradil e portões a leste e oeste sendo que, num deles, chega-se ao campus da Sorbone e é possível visitar o Panteão e a igreja de Santa Genoveva, a padroeira de Paris.

  Há canteiros com flores bem cuidados nas proximidades da fonte principal (Fonte de Médicis) em frente ao Palácio de Luxemburgo e como estávamos na primavera, claro, o verde das árvores e os coloridos das flores formam um visual muito agradável

   Há centenas de cadeiras de metal leve para atender aqueles que não gostam ou não têm mais preparo físico para sentar nas áreas gramadas. Ha, ainda muitos bancos fixos e conteineres para descartar o lixo.

   É comum as pessoas levarem vinho, queijos, pães e outras guloseimas para os pic-nics e também comerem baguetes com queijos nos bancos e cadeiras o que faz com que, haja uma quantidade enorme de pombos (pigeons gordinhos) sempre a volta de quem está comendo e algumas ratazanas bem nutridas. Não vi nenhuma delas, felizmente, pois estava sem pão e queijo e sentei-me numa cadeira de ferro à beira da fonte. 

  Voltei a comentar com a madame: - Na próxima vez que viermos aqui faremos como aqueles que estão sentados na grama saboreando petiscos e bebendo um rosé.

   - Quando os meninos (meu filho e minha nora) vierem para meu aniversário com certeza faremos isso. Já tenho tudo programado, comentou fazendo pose para que fizesse fotos do casal tendo ao fundo a casa do Senado.

 - Não temes as ratazanas, balbuciei.

   - Pelo que dizem só saem das tocas às noites para comerem algum resto de comida que sobram nas alamedas.

   Isso, no entanto, parece ser de menos diante da beleza do local e do desfrute que se tem. Só de áreas para o jogo da petanke - creio, esporte só praticado na França - existem 6 quadras e uma quantidade enormes de quadras para se jogar tênis. Claro, quem pratica esses esportes no local chega cedo para fazer as reservas.

   A construção do palácio e dos jardins aconteceu a partir de 1611 quando Maria de Médicis, viúva de Henrique IV, decidiu construiu um palácio réplica do Petti, de Florença, Itália, sua terra natal. 

   No decorrer dos anos ordenou o plantio de 2 mil ulmeiros e contratou especialistas em jardinagem para recriar os jardins que ela conheceu quando criança em Florença. Comprou o hotel du Luxembourg (hoje o palácio Petit-Luxembourg) e iniciou a construção de um novo palácio.

   O parque, portanto, nasceu no estilo florentino. Com o passar do tempo adquiriu os terrenos mais próximos ao palácio para a ampliação dos jardins, os quais alcançaram sua máxima dimensão em 1792.

  Com a ascensão da Revolução Francesa, o Palácio acabou se convertendo em uma prisão, enquanto durante a Segunda Guerra Mundial foi utilizado como quartel pelos alemães, que construíram um bunker no jardim

  O espaço atual concentra um laranjal, um pomar, jardim de rosas, 3 estufas que contam com 400 espécies de orquídeas, hortênsias e begônias, além de um apiário. Há frequentes cursos de jardinagem e apiário.

  A área verde global é dividida em jardins nos estilos francês - vegetação regular, esculturas em mármore branco e chafarizes - e inglês - vegetação assimétrica como determina a natureza. Há 106 estátuas e duas fontes esculpidas, a Fonte Médici e o Monumento a Eugène Delacroix.

  O Petit Luxembourg, construído no século XVI, é a residência do Presidente do Senado desde 1825, mas não é possível percorrê-lo pois ele se situa dentro de um pátio fechao. O Jardim pertence, hoje, ao Senado, mas é administrado pela Prefeitura de Paris

 Para os amantes de arte, o jardim conta com o Museu du Luxembourg, 20 estátuas de mulheres ilustres e rainhas da França.  Há ainda um coreto e o pavilhão Davioud, que recebe algumas exposições no verão.

  Hoje, imagina-se, a cidade agradece penhoradamente a Maria de Médicis, pois, o Jardim de Luxemburgo é a maior área de lazer verde da cidade, mais do que o Campo de Marte e as Tulherias, e com o crescimento da cidade está praticamente no centro (se é que Paris tenha um centro) próximo de Saint-Germain des Prés, do rio Sena, de Notre Dame, de Saint Suplice, do Louvre, do d'Orsay, do Panteão, e de outros monumentos importantes

  Os dias da semana (exceto sábado e domingo) são os melhores para visitar o local. Abre às 7h30m e fecha às 21h nesta temporada da primavera.

  Depois de percorrermos várias áreas do jardim ainda tivemos fôlego para irmos até a igreja de Santa Genoveva, ao Panteão e aos arredores da Sorbone.