Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM,CAP 8: A FEIRA LIVRE DA RUE DE LA CONVENTION

Um local onde se conhecem como se comportam as donas de casa e o povo
Tasso Franco , Salvador | 15/09/2022 às 09:53
A feira do meu bairro
Foto: BJÁ

  Uma das maneiras práticas de conhecer uma cidade e sua gente é frequentando como consumidor as feiras livres e os mercados de verduras, frutas, flores, artesanatos, comidas típicas, bebidas e outros. 

  Creio que nem precisava dizer isso aos meus abnegados leitores e distintas leitoras a quem dou a maior atenção, pois, imagino, saberem disso. Em Paris, há centenas de feiras livres nas ruas e mercados à mancheia, conhecidos como "marchés". Alguns deles são bem famosos - o maior e mais popular o Pulgas, em Saint-Quenn - na realidade um conjunto de mercados reunidos num só lugar – se diz ser o melhor em antiguidades; e existem outros menos dotados, porém, todos, com grande público circulando e comprando 
  
  Muitas famílias, inclusive, dão preferência a abastecer suas residências nas feiras livres, cujos produtos são praticamente os do dia (frescos) ao contrário dos supermercados que estocam legumes e hortigranjeiros em câmaras frigoríficas. Nas feiras, além do frescor dos produtos, os feirantes fazem "queima" ou "promoções" dos saldos nos finais da feira - normalmente, às 14h ou um pouco mais - e as donas-de-casa espertas como são, sabedoras dessas artes, deixam para comprar nessa hora.

  Ora, nas proximidades de Rue Dombasle, onde residia em temporada de 90 dias, há uma feira livre na Rue de la Convention - trecho após o entroncamento com a Vaugirard e pedacinho da Alain Chartier - quintas e domingos a partir das 6h até 15h - com uma variedade enorme de hortis, frutas, pescados, carnes, frangos, coelhos, pães, queijos, chouriços, etc - tudo de comer; e mais vestuário, bolsas, sapatos, sandálias, panelas e suas irmãs caçarolas, bules, etc; tesouras e produtos de cutileria, aromáticos - lavandas -; móveis, tapetes e afins.

  Diria que caiu do céu, pois quando alugamos o apartamento não sabíamos dessa feira e Agapito, meu filho, assim que descansamos as malas na chegada disse-me (sabendo que gosto de feiras) que me daria bem. E, quando estivemos no Le Quotidien, o português Nino, também perguntou onde iríamos morar e quando soube que era na Dombasle falou da feira. Na sua visão, além das pessoas irem às compras também se relacionavam, frequentavam os bistrôs e cafés, as lanchonetes e as padarias da rua, os açougues e as tendas de queijos, e o seu movimento aumentava. 

  Então, no primeiro domingo em Paris, yo e la madame Bião, fomos conhecer a feira, abastecer a nossa dispensa do que estava faltando, passear, tomar um trago, comprar um buquê de flores e, sobretudo, conhecer o povo. Se tem um lugar para testar o (seu) francês é exatamente na feira onde os feirantes berram, oferecem seus produtos à altura de voz no céu e falam numa rapidez dos TVG.

  De nossa residência para a feira davam 50 metros ou 80 passos dos meus, curtos. E quando adentramos à rua, um feirante com cara de Obelix, com uma imensa barriga e narigão, gritava a plenos pulmões a oferta dos peixes de sua tenda, variados pescados, é verdade, com arraias, salmões, tainhas, tubarões e outros, e falei para a madame Bião: - É um bom teste para seus estudos. 

   - Não entendi nada o que esse vermelhão falou aos berros, tenho que apurar os meus ouvis melhor, respondeu. 

   - Aqui não é o francês de Baudelaire nem de Sartre e sim o do povo, o que o povo fala no dia-a-dia, e o que mais vale, comentei pedindo para ela apurar os falares com atenção.

  - Entendi algo que está oferecendo uma promoção das arraias a preços convidativos, rebateu ela após a minha desdita. 

  - Pelo que entendi é uma "queima" de arraias mijonas, pilheriei.

  - Lá vem você com esses dizeres antigos da Bahia. Daqui a pouco vai querer comer uma moqueca de pescada como no Porto Moreira do Mocambinho, solicitando ao garçom d'algum bistrô molho lambão e farinha de Santo Antônio de Jesus, rebateu a madame com sarcasmo.

  - Coloquei minha viola no saco como um jeca mineiro e nada mais falei.

  A feira de trecho da Rue de la Convention é longa. Algo em torno de 1 km de extensão dos dois lados da rua e como estávamos na época das eleições para a Assembleia Nacional, que seria em junho e estávamos em maio, alguns políticos distribuíam panfletos e cumprimentavam eleitores no chamado corpo-a-corpo. Até eu, que não voto na França, fui cortejado por um candidato a deputado e recebi o folheto com galhardia.

   De repente, a madame Bião parou numa tenda onde graciosas jovens com bonés à moda camponesa, viçosas como flores do campo, vendiam ovos e frangos assados e resolveu comprar algo.

 - Vai coçar a bolsa - arrisquei um rápido comentário.

  - Estou apenas analisando os preços e comprarei uma dúzia de ovos se queres saber.

   Uma feira livre em Paris não é diferente de qualquer outra no mundo. Tem burburinho, pechincha, promoções, queima de preços, corre-corre de vendedores, donas de casas com seus carrinhos a reclamar dos preços altos, enfim, é também uma festa.

  Os preços dos produtos nesta cidade são bem salgadinhos para o padrão brasileiro. Uma dúzia de ovos por 6 euros e um kg de tomatinho grape a 16 reais não é nada agradável. Paciência, come-se o que se pode. 
   A madame advertiu-me que não deveria converter os preços do euro para real, nem imaginar que estivesse na feira da Serrinha onde um k de tomares custa 0.5 do euro.

  De toda sorte, os produtos na feira às vezes (nem sempre) são um pouco mais baratos do que nos supermercados e os vendedores fazem muitas promoções do tipo uma cestinha de alcachofras por 4 euros. Pagou levou. E, também nem sempre tem nota fiscal. É como em qualquer feirinha. 

  O frango que custa 17 euros o kg - o assado - achei caríssimo, mas nada falei para a madame; e a carne de primeira (não filé) gira entre 28 a 30 euros o kg e se iguala aos preços dos supermercados e açougues.
  - Pelas barbas do profeta. Saborear um filé ao molho de Madeira, parece-me proibitivo, falei para a madame que parou numa banca de guloseimas para comprar um croissant.

  - Pare de chorar pitangas e vamos aquela floricultura - apontou - já saboreando o docinho que comprara, afirmando que estava delicioso.

   - Não estou chorando, mas pagar 4 euros por uma manga e 8 euros por um kg de mamão não é agradável.
 
   - Você está na Europa. Portanto, esqueça as frutas tropicais e coma peras, uvas, maçãs, cerejas e figos.
 
   - Deixemos para chupar mangas em Salvador ou em Vila de Abrantes onde uma cestinha repleta custa 10 reais, comentei, lembrando-a que o presidente Emmanuel Macron, enfrenta a insatisfação da população diante da escala da inflação, em parte substancial provocada pela prolongada guerra do Ucrânia. 

  - Bem, aí só alguém falando com o Putin para acabar com a guerra.

   - É o que li hoje no Le Monde dando conta de que os preços nos supermercados não param de subir - carnes, frutas, legumes materiais de limpeza, etc - e os combustíveis que já são vendidos a 2.15 euros a gasolina e o diesel a 2.25 euros. O país vai enfrentar as eleições legislativas, em junho próximo, para eleger o Parlamento - as duas câmaras - quase dois meses da eleição presidencial que reelegeu Macron, e creio que ele terá dificuldades em fazer maioria. 

  - Vou comprar é meu buquê de flores e o Macron que resolva seus pepinos.  

  - Só estou comentando porque isso também nos atinge. A inflação deve chegar a 5,4% em junho e há uma proposta do lider da esquerda, Jean-Luc Mélenchon e dos candidatos da Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes ), no sentido de congelar alguns preços. O líder defende, fixar os preços de uma cesta de cinco frutas e legumes, bem como certos bens e serviços de consumo diário, como massas ou roupas, ou os de energia e combustíveis". 

  - Esse negócio de congelar preços nunca deu certo e já passamos por isso no Brasil com Sarney e foi um desastre. 

  Adiante, a madame com o boque de flores em mãos e min-cenouras orgânicas e eu carregando a dúzia de ovos e rabanetes decidimos ancorar no Le Quotidien para saborear algo e degustar uma botella de blanche sob a observação da madame de que o trago não seria prolongado, pois, iriamos a missa às 18h.

  Vês - astuto leitor - como sofro.