Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 5: PONTE NEUF E O CAMINHO DA LUZ NO SENA

Em busca da paz de espírito, do caminho da luz e do conforto das águas
Tasso Franco , Salvador | 04/09/2022 às 08:53
TF e a madame Bião às margens do Sena
Foto: Selfie

Na quinta de Santa Rita onde predomina o preto das viúvas em vestes, acordei cedo e ao chegar a "terrasse" cumprimentei com um discreto "bonjour" o gato negro da vizinha que o apelidei de "Veludo Noir", pois mesmo de longe sentia a maciez do seu pelo farto ao vento. Acenei para ele do outro lado da rua, em igualdade de altura nos andares dos prédios, e ele respondeu com um miado. 

   Após o café da manhã ajustei o corpo na cadeira quebra-costelas e atualizei o Bahia Já dialogando com nossos pupilos na Bahia e na Espanha. Vi e também ouvi pela TV que a Guerra na Ucrânia continuava intensa e iria demorar meses, o que preocupava os franceses diante da escalada da inflação na Europa e no seu país, visto que a Rússia é uma mina subterrânea de gás e petróleo; e a Ucrânia celeiro em alimentos, em especial, milho e trigo, e os preços dos produtos de comer, beber e se movimentar subiriam. 

  Entendi que era o momento de levar a madame Bião de Jesus para conhecer uma área central de Paris onde se situa a ponte Neuf, a primeira implantada sobre o Rio Sena, adorado pelos locais como "la Sienna", isso na idade média quando essa área era o centrão da "ville".

  Na atualidade, nos 13 km que o rio serpenteia a cidade são 37 pontes de ponta a ponta, portos, praias artificiais, áreas de lazer, barcos que trafegam repletos de turistas sem cessar, os famosos "bateaus mouches" (barcos morcegos), gente a andar por suas margens nas partes baixas e altas, famílias que residem em barcos, restaurantes fluviais e quiosques.

  A Neuf se mantém numa das áreas centrais, se é que Paris da atualidade tem um coração central - penso que são vários corações - próxima aos museus Louvre e d'Orsay e da catedral Notre Dame, em reforma diante o incêndio que aconteceu em 2019. 

 Iriamos, como bem falava o cronista Carlinhos Oliveira quando estava em Paris, colunista do saudoso JB impresso standart, "passear, apreciar o belo, diluir-se na multidão", colocações que fez em seu livro "Flanando em Paris" com crônicas que produziu na década de 1960.

  Durante o nosso almoço no "Bistrô de Sêo Franco", céu brilhando como um sol das montanhas astecas, confidenciei a madame que iríamos até o Sena e a Neuf e expliquei do que se tratava, pois embora ela não fosse marinheira de primeira viagem, já jantará num "bateau mouche" em tempos idos dos anos 1990 à luz de velas e ao som de violinos, agora seria diferente, caminhar a beira rio, flanando, de mãos dadas comigo, namorando ao som das águas barrentas do Sena. 

  A madame achou a ideia maravilhosa e disse que faria um descanso de 40 minutos após o almoço, se arrumaria como manda o figurino e partiríamos. Em hora adiante, maquiada como se fosse a um "brunch" da corte de Luis XV, encantadora estava usando jaqueta preta e echarpe colorido, radiante, quando pegamos o metrô na Convention estação. 

   - Vamos saltar aonde? - perguntou-me após comprar os bilhetes num caixa eletrônico. Eu, que já havia pesquisado num mapa sobre a linha 12 - ainda sou viciado no uso de papéis - respondi: Na estação Soferino.  

  Ela sorriu: - Não me disse nada, deu de ombros.

   - A linha 12 - complementei a informação com meu saber mapista é um privilégio. São 29 estações que cortam a cidade de Oeste a Leste e passa no que há de melhor em Paris - Saint Lazare, Madeleine, Monteparnasse, Pigalle... e não consegui completar a informação, pois um sanfoneiro começou a tocar um tango no nosso vagão.

  - Que loucura, lembro-me da mi querida Buenos Ayres, solfejou no meu ouvido mouco.

  - Já paramos em quatro estações e contando-se mais cinco chegaremos, avisei.

   Saltamos, então, na Soferino, bem próximno do Sena e do d'Orsay e avistamos enormes esculturas em bronze de leões e outros bichos.

  Pilheriei: - Aquele é o leão de Judá que o imperador Haile Selassie ofereceu à cidade.

   - Pare de mentir e cuidado para não tropeçar nos batentes das calçadas, advertiu-me.

   Em instantes passamos pela lateral do d'Orsay e alcançamos o calçadão a "gauche" do Sena. A madame suspirou fundo, mirou o rio com intensidade, fechou os olhos em minuto silencioso, abriu-os de novo e disse: - Agora, sim, chegamos a Paris.

   Que poderia eu falar? Consenti com sua observação e nos beijamos em cena romântica como no tempo da Paris da "Geração Perdida", de Zelda Fitzgerald e F. Scott.

  O rio Sena (la Siene, em francês) é a principal referência da cidade, um acidente geográfico que a corta de ponta a ponta no sentido Sudoeste/Noroeste, em 13 km, com águas calmas e profundidade média de 9 metros, onde em suas margens se concentram os principais monumentos e bairros mais emblemáticos.  

 Alguma coisa importante está ou às margens direita ou esquerda - o Louvre, o d'Orsay, a Biblioteca Nacional, a Assembleia Nacional, Notre Dame, as universidades, a Eiffel e assim por diante. É, portanto, a principal fonte de referência para os turistas e locais. Ninguém se perde nesta imensa cidade. É só seguir ou procurar o Sena.

 Hoje, existem 37 pontes sobre o rio somente em Paris, a mais bela delas a Alexandre III, uma homenagem ao czar da Rússia. Paris foi ocupada pelos russos na guerra contra Napoleão e o czar seu avô entrou na cidade montado a cavalo durante a ocupação do exército russo imperial no inicio do século XIX. 

 Visitaremos e falaremos da Ponte Neuf (significado de nova para a distinguir das pontes medievais) que é a mais antiga da localidade e fica bem no coração da cité. O Rei Henrique III lançou a primeira pedra da Neuf em 1578 e seus arcos elegantes unem a Île de la Cité às duas margens do rio desde 1607, quando foi inaugurada no reinado de Henrique IV, com 238 metros de extensão. A ponte possui de um lado da ilha 4 arcos, já do outro lado, tem 7 arcos. Donde se olha é belíssima.

 Patrimônio Mundial da Unesco foi a primeira ponte a ter calçadas para pedestres. Na atualidade, tem mão dupla para veículos e permanecem as calçadas para pedestres dos dois lados, onde alguns músicos tocam e cantam, e nós, os mortais, fazemos fotos e vídeos. É impossível passar por ela - ao menos na primeira vez - sem um registro.

 Sua fama resulta por ser a primeira ponte de pedra com uma vista livre do Sena, sem possuir casas em ambos os lados, como na idade média, permitindo a visão dos antigos palácios às margens do rio. Sua decoração é composta por candelabros negros e mais de 300 máscaras esculpidas na parte inferior. No ponto em que a ponte cruza a Île de la Cité, fica a estátua equestre do rei Henrique IV.

 Na margem próxima desse monumento há uma escadaria para os turistas acessarem os "bateaus mouches". Um passeio pelo rio custa 17 euros. No verão suas margens abrigam o "Paris Plages", uma praia urbana. 

 Em todo ano, as pessoas fazem encontros às margens do rio, pic-nics e casais tomam vinho e saboreiam quitutes, além de fazerem declarações de amor. 

  Nas margens do Sena - área baixa rente ao rio - acontece de tudo, de pedidos de casamentos a entregas de alianças de noivados e outros. É um ótimo lugar para prática do cooper e muitas moradores e turistas passeiam de bike. Enfim, é uma extensa área de lazer da cidade. 

                                                 *****

  De mãos dadas com a madame, atravessamos uma outra ponte na testa do d'Orsay e assim declamei para ela: 

   - Cada cidade tem sua 'praia', sua área de lazer a céu aberto que reúne as 'tribos' urbanas para papear, romancear e se divertir nos momentos extra trabalho, extra correria do dia-a-dia. Não tendo mar ou montanha vai-se à beira rio, é o que vamos fazer, flanar, romancear. 

  - Vamos buscar a paz do espírito, o caminho da luz, o conforto das águas, ao menos para lhe dar inspiração nos seus escritos, comentou.

   - Estás inspirada! 

  Víamos à nossa frente os pássaros, os patos, os "bateaus mouches" que passavam repletos de turistas acenando com as mãos, os barcos cargueiros, o sol, as árvores, todo um cenário que era desfrutado por milhares de pessoas que buscavam momentos de pleno entendimento com a natureza e a vida.

  - É um programa para todos, democrático, popular, gratuito, a praia dos franceses. Um espaço internacional, de todos os povos, recitei acariciando os cabelos ruivos da madame. 

  Assim é o Sena. É impossível vir a Paris e não contemplá-lo, não navegar em suas águas e sentar-se numa das suas "praias" à beira rio saboreando um vinho e petiscando queijos. 

  E, se você, romântico não é; passa a ser. O local impõe isso, lhe conquista, lhe seduz e quando menos se espera entra-se em alpha, no altar do mundo da paz. Ficamos horas nessa primeira contemplação a curtir a Neuf e o Sena e prometemos a nós mesmos que voltaríamos sempre para sermos abençoados.

   Como o amor é lindo. Foi uma tarde dos deuses. E, como não roubei nenhum fogo, fomos acolhidos por Zeus e pela encantadora Paris.