Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 4: NOSSO CANTINHO DO CÉU NA RUE DOMBASLE

Nosso apê tem ambiente único de 20 metros quadrados na parte coberta localizado no 7º andar do 10 Rue Dombasle, 15º Distrito
Tasso Franco , Paris | 01/09/2022 às 10:58
Na terrasse d0 10 da Rue Dombasle
Foto: TFF

Manhã ensolarada com raios penetrando pelas frestas da cortina, temperatura agradável, início de maio sem chuvas e com ventos moderados ainda vi a madame Bião se despedindo do jornalista embaixo da coberta desejando-me um bom dia e recomendando que a esperasse para o almoço, em casa, sem ir à rua ou ao seu encontro na Acoord. Teria algum sentido esse cuidado excessivo se estivesse caindo das pernas, trôpego, ou falho de memória sobre o caminho de casa, conversei comigo baixinho para ela não ouvir. 

   Ordem é ordem e cumpri sua determinação. Às 9h tinha saboreado o yogurte e a banana que deixara para meu café da manhã, o que complementei com biscoitos de nata e suco de maçã. Abri de toda a cortina para que a luz do sol iluminasse o apê, empurrei a porta de ferro que dá acesso a terrasse e estirei as pernas e braços na cobertura, banhados pela luz solar, em movimentos que aprendi com os fisioterapeutas da Sofísio, em Salvador, observando o casario à frente, quando vi um gato preto também se espreguiçando na terrasse da vizinha, no prédio em frente, e não sei porque cargas d'água lembrei-me do gato noir do conto de Edgar Allan Poe.

  Devo explicações aos leitores já que falo da minha residência parisiense. Nosso apê tem ambiente único de 20 metros quadrados na parte coberta localizado no 7º andar do 10 Rue Dombasle e abriga um sofá cama, uma TV colocada na parede acima de uma escrivaninha, um armário embutido na parede para roupas, um outro armário que acomoda as louças, talheres, garrafas, copos e outros utensílios domésticos, fogão elétrico "cook top", pia com área para máquina de lava pratos, geladeira, quartinho do sanitário com minúscula pia, banheiro e bancada de madeira com espelho para acomodar os objetos de toucador, e ao lado da porta de entrada, à direita, um outro armário onde ficam a máquina de lavar roupas, as vassouras, a prancha de passar roupas, o ferro elétrico e mais um guarda roupa com cabides.

  Tínhamos, pois, o básico essencial em acomodação. No terraço (terrasse em francês) que coloquei logo o apelido de "Bistrô de Sêo Franco" há uma mesa com tampo de vidro e seis cadeiras de vinil que resistem ao sol e a chuva.

  Uma cobertura nua pois não podíamos considerar quatro caqueiros pequenos com plantas murchas nos seus interiores que haviam num canto. Ainda assim, era o lugar mais agradável do nosso "Cantinho do Céu" bom espaço para almoçar, ceiar, tocar meu bandolim, exercitar-nos e degustarmos um rouge ou um blanche com queijos nas noites ou quando o tempo louco de Paris permitia. E, como vocês sabem e nem precisa dizer isso, o que não faltam na França são queijos e vinhos, bem mais baratos e melhores do que consumimos no Brasil. Além do que, o clima europeu combina com eles.

   A madame retornou da ecole passando das 14h minha barriga pedindo mais um biscoitinho para amenizar a fome. Havia passado no Carrefour da Vaugirard para comprar salada, cortes de frango assado com batatas e tomates cereja, uma botella de vinho e um pacote de batatas fritas. Ao chegar em casa, cansada, diante da maratona de 4 horas de aulas em curso intensivo e da paleta de 40 minutos entre a Acoord e a Dombasle, saudou-me com alegria e beijos perguntando a que horas havia despertado. 

  Pilheriei com o velho humor ácido que cultivo: - Com o miar do gato preto. 

  - Mas, como! Algum "chat" (já falando francês) entrou aqui? 

  - Não, o gato da vizinha, do outro lado da rua, aumentei a dose da pilheria uma vez que o gato não havia miado em momento algum e me pareceu um animal bem educado. 

  - Ah! sim! Vamos vê-lo. Ponha os pratos na terrasse, os talheres e abra essa garrafa de "rouge", afirmou com a ressalva de que não vira gato algum à sua vista. 

  - Deve estar vendo televisão neste momento, sorri e executei com presteza a missão de empratar a mesa enquanto ela dava um requente no frango e lançava um pouco de azeite de oliva e sal na salada.

  Foi a nossa estréia secundária e a sós no "Bistrô de Sêo Franco" uma vez que, mesmo antes de colocar esse nome na cobertura, havíamos brindado a nossa chegada a Paris com filho e nora. Desta feita, no entanto, seria nosso primeiro almoço e brindamos o "rouge" com uma taça e um copo. 

  - Parece-me deselegante beber vinho em copo, comentei dizendo que teríamos que comprar algumas taças até porque poderíamos receber alguma visita ilustre da Bahia. 

  - Contente-se com o que temos, disse a madame pondo a salada e o frango no meu prato, o que agradeci de bom coração uma vez que minha barriga já estava a roncar.  

  - Depois do almoço vou descansar um pouco e no final da tarde poderemos ir ao supermercado para nossa primeira feira. 

  - Alertei-a, desde então, que o sofá cama não era dos melhores e a cadeira que havia sentado para atualizar as noticias do Bahia Já durante toda a manhã era do tipo "quebra costelas". 

   Ela sorriu e elogiou a qualidade do vinho: - Rouge como gosto, sabor que inicia forte e vai ficando suave quando descansa, comentou. 

  - Trata-se de um Saint Emilion Bordeaux? - inquiri. 

  - Quisera eu. Este, com garrafa de gargalo torto ainda não gravei o nome custou apenas 4 euros.  

  - Fantástico - comentei - dentro das nossas limitações. 

  - Deixe de chorar miséria que não somos nenhum descamisado, relaxou em risos com mais goles do rouge e dando "vive la France".

   Descanso realizado após o almoço, coube-me por consenso entre as partes a missão de lavar os pratos, copos e talheres, recolher o lixo num saco plástico e deixar a mesa limpa. Em seguida, fim da tarde, fomos dar os primeiros passos de observação na Rue Domblase, um trecho pequeno entre o número 10 e a Vaugirard, onde ficava o Monoprix, um supermercado completo que vende de alimentos a roupas, móveis e artigos de beleza, além de queijos e vinhos, verduras e frutas, e observei que na frente do nosso prédio havia uma sapataria artesanal de alta qualidade e um corredor de prédios de apartamentos; e rente à nossa porta, à direita uma clínica que cuida de piolhos nas cabeças das crianças, uma lanchonete mais adiante, uma casa de materiais de construção e tintas, uma loja de aluguel de automóveis, e na direção do mercado uma loja de produtos à base de maconha, um salão de beleza, uma auto-escola para aprendizes de motocicletas e carros, uma lanchonete, uma imobiliária, um restaurante japonês, o Kantaro, uma padaria e uma loja de roupas feminina.  

   - Estamos bem servidos, falei para a madame. 

  - Ora, eu sei escolher um bom lugar para morar, gabou-se já no passeio do Monoprix acessando o local. 

   De cara, estranhei, pois, logo na entrada do que ele me disse ser um supermercado havia inúmeras prateleiras de cosméticos, batons, esmaltes, rouges e tudo mais de beleza. 

  - Creio que entramos no local errado, falei para ela. 

  - É a assim mesmo, o supermercado de alimentos e bebidas fica na parte baixa. Vamos por aquela escada rolante. Uma enormidade o que se vê abaixo.

   Compramos o básico - verduras, frutas, ovos, peixes, frangos, queijos e vinhos e queixei-me dos altos preços para os padrões brasis. 

  - Lembre-se que estamos em Paris e não em Salvador, advertiu-me a madame passando rapidamente por um mostruários onde havia mamões, abacaxis e mangas e assustei-sem vendo que uma manga-rosa custa algo em torno de 30 reais.

  - Não vai levar duas ou três manguinhas? - falei com sorriso de hiena nos lábios.

  - Esqueça. Quando você voltar para Abrantes chupará suas calotinhas.