Cultura

PARIS AO SOM DO BANDOLIM, CAP 1: DECISÃO DE VIAJAR E O MEDO DA MADAME

Jornalista Tasso Franco inicia publicação de livro sobre Paris no Bahia Já e no www.wattpad.com
Tasso Franco ,  Salvador | 18/08/2022 às 10:06
Paris ao som do bandolim
Foto: BJÁ
  
   Estou casado com a senhora Ohra Grece Bião de Jesus há 29 anos. Lá se iam ao menos dez anos em débito com a promessa de quitar um sonho antigo da madame em passar uma temporada na capital da França, que fossem 90 dias, participando de um curso da língua de Voltaire. 

  A impiedosa máquina do tempo foi triturando os anos, já havia passado temporada semelhante, em 2005, na cidade de Barcelona, desejo meu, melhorando o meu espanhol e flanando após 8 anos como secretário de Comunicação da Prefeitura de Salvador, sem direito à férias, e estávamos na década de 10 do século XXI quando decidi que havia chegado o momento de pagar a prenda. 

   A madame Bião de Jesus ficou entusiasmadíssima e quando tudo parecia certo na segunda quadra de 2010 fui atropelado por doenças da velhices, primeiro uma RTU para melhorar meu canal urinário e depois com uma cirurgia de emergência para colocar dois “stents” na circunflexa do coração, o que me deixou, segundo o dizer popular "entre a vida e a morte". 

   Refeito desses percalços eis que, no final de 2018 início de 2019 surgiu a pandemia do Coronavirus, algo inimaginável na minha existência e na de bilhões de pessoas do planeta, paralisando quaisquer movimentos rumo ao exterior. Foi assustador e continua sendo até os dias atuais com milhões de mortes no mundo, vírus que não respeita raça e condição social matando gente em países desenvolvidos e no terceiro mundo, cá entre nós, ceifando 800 mil vidas. 

  Nunca se vira nada igual em 1 século desde a "gripe espanhola" dos anos 1918/1919 que matou 50 milhões de pessoas no rastro da I Guerra Mundial quando a medicina e as práticas de controle epidemiológico não eram tão avançadas como hoje. Felizmente, quem respeitou as orientações da OMS e os protocolos sanitários sobreviveram e eu e a madame Bião fomos vítimas da Covid.

  Chegamos, pois, na década de 2020, vivos e eu, mais do que nunca, decidido a cumprir com minha palavra e irmos para uma temporada em Paris. No final de 2021 estávamos em Valencia, na Espanha, na casa do meu filho, tendo como convidada minha neta Lua Gonçalves. Como dores na coluna e tendinite fui socorrido por um médico de nome Dr Jesus que aliviou meu sofrimento. Minha neta arreliava: - Jesus está chamando o "véi". Daí fomos para uma estada de 8 dias em Lisboa e retornamos a Salvador. 

  Quando cheguei a capital baiana disse a madame: - Neste 2022 vamos a Paris. - De jeito em que você se encontra, com tantas dores, vai ser difícil, respondeu. - É agora ou nunca mais. Temos que aproveitar o que ainda me resta em saúde, frisei.

  Em março, estudante que sou de Psicologia da Faculdade Santa Casa de Misericórdia, tranquei a matrícula, fiz algumas contas financeiras e falei em alto e claro som para a madame: - Prepare a matrícula na escola francesa, vamos procurar um apartamento para alugar e embarcaremos dia 2 de maio. A madame se assustou, incrédula. Acho que era uma piada entre as poucas que produzo com fino humor. Nada mais disse e se fechou em copas.

  Passei então, velho lobo solitário a fazer pesquisas na internet sobre acomodações em Paris. De vez em quando dava uma informação a ela. - Hoje, vi um apartamento interessante no Marais. 

  Passada uma semana a madame macambúzia, tristonha, disse-me: - Sabe de uma coisa? Eu não quero ir mais para Paris. - Mas, como assim, e seu sonho, seu desejo de anos vai sepultar sem mais nem menos logo agora que decidi pela ida, o que aconteceu? - Estou com medo da Covid e dos terroristas, insegura. 

  - Pense bem, voltei a falar, dia 2 de maio a gente embarca no aeroporto de Salvador. Vou colocar Tasso Filho no circuito para ajudar. Meu filho, nessa época, estava morando em Milão e deu uma boa contribuição para convencer a mamãe e ajudar no processo. Calado estava e calado fiquei nas minhas pesquisas, digo, sem êxito. Adicionei ao tempero da ida o propósito de pesquisar mais a fundo a vida de Catarina Paraguaçu, a qual foi batizada em Saint Malo, na Bretanha, e sobre quem escrevi um livro em 2000 intitulado "Catarina Paraguaçu, do Brasil".

   Creio que sensibilizei a madame com essa iniciativa uma vez que ainda hoje tenho muitas dúvidas sobre a dupla Diogo Álvares, o Caramuru, e Catarina Paraguaçu, que são os pais baianos da primeira geração de brasis no século XVI. Disse a madame: - Iremos conhecer a basílica de São Vicente, em Saint-Malo, onde Catarina fora batizada em 1528. 

  Uma semana depois, a madame entrou no jogo e com a ajuda de Tasso Filho já tinha selecionado três pequenos apartamentos para alugar. A conversa foi evoluindo. A escola de francês já estava escolhida. Em meados de abril estávamos com a escola garantida e restava-nos um apartamento para alugar, na Rue Dombasle, no 15º distrito, nas proximidades das Avs Convention e Vaugirard, duas gigantes de Paris. Havia uma extensão burocracia a cumprir com a imobiliária francesa, mas tudo deu certo.

  Tudo organizado lá e cá porque ainda trabalho no BahiaJá com escritório montado e vivenda na Barra, dia 30 de abril estávamos no saguão do Aeroporto Luís Eduardo Magalhães para embarcar para Lisboa e depois Orly, em Paris. A madame não acreditava, mas, conduzia sua maleta de mão com entusiasmo, alegre, confiante e ao mesmo tempo preocupada. Era um novo mundo que se descortinaria para ela, sem a mínima experiência para enfrentar os franceses - povo historicamente considerado mal educado - e Paris.

  - Já na ante sala do embarque bati na sua perna e disse: - Vai dar tudo certo.

  No voo para Lisboa as turbulências foram tantas que a madame rezou uns dois terços e quase esmaga minha mão em apertos e orações. Era 30 de abril, um sábado, e ao meio dia do domingo, 1º. nos encontrávamos na fila da imigração para carimbar nosso passaporte. O gajo português no guichê perguntou para onde iríamos. A madame respondeu com orgulho: - Para Paris estudar e pesquisar.

  No saguão do aeroporto Humberto Delgado, nosso velho conhecido, a madame se soltou e disse que iria ao “freeshop” enquanto eu bebia água sentado numa poltrona à espera do voo para Orly, às 18h. Tudo foi dando certo, como planejado. Comprei um queijo de cabra e um vinho do Porto para levar comigo e às 23 horas desembarcamos em Paris. O voo de 3 horas entre Lisboa e Paris, mas, acrescenta-se mais 1 horas do fuso horário.

  Quando o avião se aproximava de Paris o farol da Torre Eiffel era visível da janela do avião. - Tá vendo aquela luz ali, mostrei para a madame, é da Eiffel. - Não acredito, jura? - derramou-se em alegria.

  No desembarque em Orly como já havíamos passado pela alfândega em Lisboa fomos direto para a área de recolhimento das malas despachadas de Salvador e as recolhemos para pegar um táxi e ir para a nova casa. Ela ligou para Tasso Filho que já estava no apartamento a nossa espera.

  Enfrentamos uma imensa fila para pegar um táxi sob os olhares de milhares de pessoas e de patrulhas do Exército armadas até os dentes. - Não se assuste, falei para ela, isso é normal em tempo de terrorismo. 

  Na nossa vez de pegar o taxi um “rasta” imenso saltou do veículo e colocar nossas duas malas no bagageiro. A madame então tirou um papelzinho na bolsa e mostrou para ele: - Alto Sena, Rue Dombasle, 10. O gajo não disse uma palavra e tocou o veículo à frente por ruas escuras que são na saída de Orly. 

  O coração da madame batia forte. Ela continuava apreensiva. Eu assoviava. Em mais alguns minutos entramos nas vias mais habitadas da ville e alcançamos a Vaugirard, a maior do nosso distrito. Eu não sabia nada disso e ia acompanhando a trajetória do táxi pelo GPS do celular. Já passávamos dos 40 minutos da segunda, 2, quando chegamos na Dombasle. 

  O taxi diminuiu a velocidade e eu fui vendo os números dos prédios: 50, 46, 42. O nosso era o 10 e quando suspendi a vista vi meu filho e minha nora Vitoria Giovanini no portal do prédio. - Falei para a madame, olha os meninos ali. Foi, então, que senti alívio na distinta senhora. Pagamos 37 euros com direito a gorjeta e começou a festa com abraços e beijos no filho e nora na rua.

  Entramos no prédio e subimos até o 7º andar onde iriamos passar 90 dias. Duas pessoas de cada vez no minúsculo elevador. Afinal, chegamos a nova morada um flat com 22 metros quadrados e mais uma terrasse de 25 metros, pequenino, aconchegante, com o essencial para vivermos.

  Uma garrafa de vinho tinto foi imediatamente aberta e só então a madame relaxou. Às taças, aos brindes, aos goles e aos queijos. Estávamos exaustos da viagem, mas nem parecia. Havíamos saído de Salvador, de casa, às 20h do sábado, e estávamos na segunda de madrugada, em Paris, na terrasse do apartamento, frio intenso para nosso padrão, a brindar a noite de Paris. Tínhamos, finalmente, chegado à cidade. 

A madame não acreditava. Não saberia dizer se ela chorava ou se sorria ou as duas coisas juntas.