Cultura

LISBOA, CAP 13: CAFÉ A BRASILEIRA, UM LUGAR ESPECIAL DOS BRAZUCAS

Fica localizado na Almeida Garret, quase no larguinho do Chiado, ponto de encontro sagrado para os brasileiros
Tasso Franco , Paris | 18/05/2022 às 04:04
Jornalista Tasso Franco em pose ao lado da estátua de Fernando Pessoa
Foto: OG

Muitas vezes na praça na cidade onde nasci descia até a casa da minha avó Leonor para pedir-lhe a benção e diante dos seus olhares ansiosos, negros e vivazes como o escuro da noite, trepar na mangueira do seu quintal onde as espadas quase maduras me esperavam para recolhê-las. - Desce dai menino que tu vai quebrar a cabeça, dizia ela. E eu com ar de preocupação zero saltava de galho em galho até abocanhar uma manga. 

  Assim estava eu aborto olhando as árvores, as flores e o casario de Lisboa quando num rompante delicado dirige-me as minhas parceiras de viagem e falei em tom amigável: -  Chegou a hora de paletarmos até o larguinho do Chiado. Cometei com as meninas que já tinham se levantado das espreguiçadeiras e apreciavam os jardins do piso inferior do Miradouro de São Pedro de Alcântara. 

  - Importante é não confundir São Pedro de Alcântara com dom Pedro de Alcântara, o Pedro I do Brasil e Pedro IV de Portugal, lembrei-lhes e ouvi de minha neta a seguinte frase: - O que sugere o nobre surdo em nossa nova caminhada?  - Desceremos a calçada da Misericórdia apreciando o casario até o Largo Luis de Camões e o larguinho das duas igrejas do Chiado e beberemos algo no "Café A Brasileira", mais agradável que do que estavas a ingerir naquele quiosque.

  - Já estivemos por lá - acrescentou a senhora Bião encaminhando as passadas nas calçadas da Misericórdia. - Belíssimo casario vejo com meus olhos que estão sempre a admirar a sua beleza, flertei com a madame e acrescentei que 'brasis' que vem a Lisboa e não sentam no "Café A Brasileira", ao menos uma vez, não esteve na cidade avó do Brasil. - Era só o que me faltava, acrescentou minha irônica neta, um pouco à minha frente andando na calçada. 

  Passávamos pela gare do Elevador da Glória: - Olha que lindo, deveríamos ter pegado este ascensor para chegarmos a Alcântara - dedilhei com sintomas de saudosismo. - Fica para a próxima viagem - emendou minha neta adiantando o passo.

  E seguimos por onde já tivemos beirando a lateral da igreja de São Roque, atravessando o largo Trindade Coelho e adiante numa calçada mais estreita beirando a igreja de Nossa Senhora do Loreto.

  O calçadão do Chiado, na rua Almeida Garret, estava afunando em 2019 e foi repaginado e recuperado. Está com visual novo e os sombreiros do "Cafe A Brasileira" são bem disputados e ficam ao ar livre, diferentes, pois, da área interna da casa que, embora lindamente decorada, são, como os interiores de uma forma geral, mais intimistas. 

  Na área externa onde está instalada a imagem de Fernando Pessoa sentado e há uma cadeira vazia para que as pessoas façam fotos ao lado do maior poeta português do seu tempo, vê-se os pedestres para lá; e para cá, os artistas que se apresentam no largo e o andar do tempo como se estivesse passeando.

   O melhor petisco a pedir é o croquete d'Brasileira (6 euros) que pode ser apreciado com um café com leite (4 euros) ou uma taça de vinho branco (6.5 euros). O café serve vários tipos de doces e salgados e, obviamente, sendo uma espécie de vitrine da cidade os preços são mais elevados do que noutros lugares. Uma taça de tinto - por exemplo - custa em média 3 a 3.5 euros nos bares e restaurantes da classe média e no "A Brasileira" 6.5 euros.

  Paga-se o preço do glamour. O cliente pode - no entanto - ficar uma boa parte da tarde com uma caneca de chope ou uma taça de vinho sem que o garçom pergunte se quer mais algumas coisa.

  La Bião ama este local - ela própria falou a minha neta - que fazia pose de modelo d'alguma revista famosa. Eu, claro, me divertia com ambas e contava a história do café que nasceu depois que um português chamado Adriano Teles migrou para o Brasil, onde fundou um estabelecimento comercial - "Ao Preço Fixo" - que incluía uma casa de câmbio. Dedicou-se à produção agrícola, em particular de café, com o qual enriqueceu nos finais do século XIX.

  Regressado a Portugal no início do século XX devido aos problemas de saúde da sua mulher, criou uma rede de pontos de venda do café que produzia e importava do Brasil: as famosas "Brasileiras".

  Mas Adriano Telles foi também um homem de cultura, com interesse pela música e pela pintura. Fundou a Banda de Alvarenga, financiando a compra dos seus primeiros instrumentos, e fez da Brasileira do Chiado, o primeiro museu de arte moderna em Lisboa. No Brasil, ainda no século XIX, passou pela imprensa e pela política, tendo sido Vereador da Câmara da cidade onde casou e se estabeleceu. Em 1908, faz uma remodelação, criando, então, a cafeteira.

   A estátua de Fernando Pessoa (1888-1935) é de Lagoa Henriques. Nascido a 13 de junho de 1888, em Lisboa, Fernando Pessoa se destacou como o mais universal dos poetas portugueses. A sua infância foi passada na África do Sul numa escola católica, onde recebeu uma educação britânica que lhe proporcionou contacto com a língua inglesa e que lhe abriu a porta para alguns trabalhos de tradução de obras literárias como Shakespeare ou Edgar Allan Poe.

  Depois de uma juventude vivida em Durban, Fernando Pessoa regressa definitivamente a Lisboa com 17 anos, isolando-se da família, e começa a contactar com artistas e escritores portugueses em encontros e tertúlias regulares nos cafés mais emblemáticos da cidade, como a Brasileira do Chiado, que viria a homenageá-lo por ocasião do centenário do seu nascimento, numa estátua da autoria do mestre Lagoa Henriques.

  Em 1915 participou, com Almada Negreiros, Santa-Rita e Mário de Sá Carneiro da criação da revista literária "Orpheu", que nasceu nas mesas d’A Brasileira e que lançou o movimento modernista em Portugal, causando algum escândalo e muita controvérsia numa época em que reinava o conservadorismo.

   Um pouquinho da vida do poeta só para entender porque sua estátua está no calçadão do café.