Cultura

Galope do Tempo: Marcelo Nova lança biografia, por MAURÍCIO MATOS

Sem pestanejar e correndo o risco de perder o contrato com a gravadora, Nova disse ironicamente que mudaria o nome de ‘Camisa de Vênus’ para ‘Capa de Pica
Muricio Matos , Salvador | 27/10/2017 às 21:19
Marcelo Nova
Foto: DIV

 
 O cantor e compositor baiano Marcelo Nova lançou recentemente sua biografia, sob o título ‘O Galope do Tempo’ (Saraiva/Benvirá), em parceria com o jornalista André Barcinski. Em formato de entrevista, o livro lembra episódios pessoais do músico e do grupo ‘Camisa de Vênus’, uma das mais importantes bandas dos anos 1980, que voltou recentemente à ativa com nova formação.

Ao contrário da maioria das biografias, ‘O Galope do tempo” – nome de um dos melhores discos da carreira solo de Nova – trata muito mais o trabalho do que da vida pessoal do músico baiano. “As biografias de rock estão sempre pontilhadas de clichês. Da coisa de comer tietes embaixo do palco, de usar heroína no banheiro. Eu não arranco cabeça de morcego com dente, não corto pescoço de galinho no palco nem quebro televisão ou destruo quartos de hotel. Sou um cara normal”, disse Marcelo Nova, em recente entrevista ao site UOL.

Com 264 páginas, o livro relata detalhes e curiosidades da sua carreira, como o dia em que conheceu Raul Seixas (1945-1989) e a famosa reunião com diretores da gravadora carioca 'Som Livre', responsável pelo lançamento do primeiro disco do ‘Camisa de Vênus’ e pela sugestão para que trocasse o nome da banda, considerado 'indecente' para a época.

Sem pestanejar e correndo o risco de perder o contrato com a gravadora, Nova disse ironicamente  que mudaria o nome de ‘Camisa de Vênus’ para ‘Capa de Pica’. Não precisa dizer que o grupo foi expulso da 'Som Livre' e ficou mais de um ano sem gravar.

Apesar de roqueiro, a carreira de Marceleza – apelido dado por Raul Seixas - manteve uma certa distância do ‘mainstream’ do rock nacional. Avesso à festas e badalação, nunca pertenceu a nenhum grupo ou movimento artístico e sempre pautou a carreira pela coerência musical. Desde à época do 'Camisa' que primou por compor e cantar aquilo que gosta, ou seja ‘rock and roll’, e nunca se 'vendeu' aos modismos da indústria fonográfica, embora tenha, no início da carreira, sido acusado pelos pseudos-punks de 'traidor do movimento'.

Inquieto, Marcelo Nova, à frente do Camisa, em parceria com Raul ou em carreira solo, nunca trilhou o caminho fácil do êxito nem ficou repetindo fórmulas de sucessos musicais. Quem conhece a carreira do cantor, sabe que nenhum disco gravado por ele é igual, nos itens música, arranjos ou letras.

Muitos 'entendidos' creditam a Renato Russo (1960-1996) o 'título' de melhor letrista do rock dos anos de 1980, o que, na minha opinião, não reflete a verdade. Russo abordava, de forma chata e melancólica, temáticas amorosas e sociais direcionadas a 'aborrecentes' e adultos infantilizados, que moram na casa dos pais e não sabem o que é pagar sequer uma conta de luz.

Marcelo Nova não. Suas letras são meio 'Nelson Rodrigues': mostram a vida exatamente como ela é. É o Plinio Marcos do rock nacional, responsável por inserir palavrões na música brasileira. Antes de Marceleza, o registro mais pornográfico na música brasileira foi o refrão “joga bosta na Geni”, da música ‘Geni e o Zepelim’, de Chico Buarque.

E como bom leonino, Nova gosta de fazer a coisa do jeito dele, independentemente de dar certo ou não. A versão em português da música ‘My way’ (Claude François/Jacques Revaux/Paul Anka), de sua autoria e gravada pelo 'Camisa de Vênus' no disco 'Viva' (1986), deixa explícita a personalidade desse grande roqueiro baiano. “Pra que serve o homem/O que é que ele tem/Ou é um puta barão/Ou um João Ninguém/Fazer as coisas que desejou/Comer as mulheres com quem sonhou/Eu me fudi/mas resisti/ I did it my way” (Eu fiz do meu jeito). Dá-lhe Marceleza!