Cultura

JEFFINHO era viciado em pastéis chinês e das duas Anitas, OTTO FREITAS

Pastel bom é frito, crocante, massa batizada com cachaça, e carne moída bem picante.
Otto Freitas , Salvador | 23/10/2017 às 22:18
Pastel tem que se crocante
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     Dizem que os chineses inventaram o pastel, no século XIX, inspirados no seu famoso rolinho primavera. Dizem também que o pastel chegou a São Paulo nos anos 1940, pelas mãos dos imigrantes japoneses, vendido em feiras livres e pastelarias. Nas décadas seguintes, espalhou-se pelo sul e sudeste do Brasil. Aqui os japoneses se apresentavam como chineses, para fugir da discriminação (mesmo depois da segunda guerra mundial, ainda foram considerados inimigos por um bom tempo).

   O pastel do chinês, como se dizia nos anos 1960/70, chegou a Salvador com a invasão de asiáticos de várias origens que, na terra do dendê, viravam chinês do pastel ou da lavanderia. Eles montaram a maior concentração de pastelarias da cidade, na rua Carlos Gomes, uma das mais importantes do centro antigo, na Cidade Alta. 

   Virou hábito, à tarde ou à noite, inclusive depois do cinema, lanchar no chinês, comer pastel com caldo de cana ou Coca Cola - não havia McDonald’s e similares. Tinha forma de envelope, quadrado ou retangular; recheio original de carne, mas logo inventaram também de queijo e galinha.

   Doido por pastel desde menino, Jeffinho comeu muitos do chinês; era grande, gostoso e barato, embora a carne do recheio tivesse procedência duvidosa. Mas até hoje o gordo prefere mesmo do jeito brasileiro de ser: em forma de meia luta, massa batizada com cachaça, frito, cheio de bolinhas, crocante, e recheio de boa carne moída, bem temperada, picante e saborosa. 

   Em frente à sua casa, na Cidade Baixa, dona Anita - uma galega dos longos cabelos lisos amarrados em coque por trás da cabeça - fazia pastel exatamente desse jeito, e vinha sequinho, nem parecia que era frito! Vendia toda tarde; os vizinhos faziam fila na sua porta. Jeffinho ficava esperando pelo pastel de dona Anita para enriquecer sua merenda da tarde, forjada a pão de açúcar com uma essência dissolvida em água chamada Ksuco.

   Nessa época, o gordinho também era freguês do pastel da cantina de dona Anita, no Colégio João Florêncio Gomes, na Ribeira, onde estudava. Havia a concorrência da banana real e do sonho, doces alternativas tradicionais, mas Jeffinho só poderia comprar um por dia, a mesada era curta, e assim acabava comendo pastel com mais frequência. 

   Existiam ainda as padarias e confeitarias e os tradicionais ambulantes com suas cestas de vime, mercando pelas ruas e praias. Baratíssimo, era chamado pastel de vento, porque no recheio sempre havia mais ar do que carne moída. Pendurada na cesta ficava a garrafinha self service com um molho de pimenta aguado para temperar o pastel, que era crocante e gostoso, apesar do excesso de “vento” e de gordura. 

Com seu corpito de adolescente já anunciando a futura obesidade, Jeffinho não se fazia de rogado: traçava, pelo menos, uns seis, cada vez que se batia com um vendedor na rua.

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Agora é difícil achar um bom pastel ao modo das duas Anitas, a não ser em uns raros pontos especializados ou na Mouraria, antigo ponto gastronômico da velha Salvador onde o pastel é feito em casa. Pastel virou moda: tem em todo lugar, incluindo barraquinhas de rua; muitos bares oferecem este salgado cobiçado em variados tamanhos e sabores, mas são tão iguais que parecem industrializados pelo mesmo fornecedor. 

Congelados e descongelados sabe Deus quanto tempo depois, são fritos e servidos jorrando mais gordura do que água nas cachoeiras da Chapada Diamantina. Tem pastel de tudo e muito mais: de feijoada e maniçoba; bacalhau, camarão, caranguejo, siri e aratu; queijo de búfala com tomate seco; mussarela, presunto e frango; tem até o original, de carne moída. 

Só não tem, ainda, de efó, caruru e vatapá. Também não tem pastel de vento, pois, como é congelado, naturalmente estaria criado o pastel de gelo, de granito, de neve... Baiano é criativo!