Cultura

GORDO fica mais livre e feliz quando anda de moto, por OTTO FREITAS

Sem perigo e sem medo, andar de moto deixava o gordo mais livre e feliz.
Otto Freitas ,  Salvador | 13/08/2017 às 13:10
Histórias do rebelede Jeffinho
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   Como bem lembrou o amigo Gazula, de Ituaçu - cidade encantadora de onde Jeffinho anda morrendo de saudade -, além de voar na sua Mula Branca o gordo também já foi um ás em duas rodas. Teve três motocicletas na vida - uma Honda 125cc e duas 400cc. Nunca batizou nenhuma, mas criou afeto por elas, pois lhe ensinaram a gostar ainda mais de liberdade.  

   Jeffinho era motociclista, de capacete e tudo o mais, é bom que se diga, porque motoqueiro é o motociclista fora da lei. Também nunca foi consertador de motocicleta - isso era com Meu Branco, um galego sertanejo de fala mansa, filho pródigo da Serrinha, dono de loja e oficina especializadas. 

   O gordinho andou de moto por muitos anos, na década de 1980 - hábito de poucos, naquela época, geralmente uma gente rebelde. Eram tempos de paz, amor e rock and roll, mas Jeffinho não andava só, principalmente na estrada, nem aos bandos. Acompanhava-se, no máximo, de dois ou três amigos de cada vez, com suas respectivas máquinas: Mané Gostoso, Don Franquito, Marreco, Tampinha e o Italiano. 

   Já estava nos três dígitos da balança quando estreou a sua memorável Honda CG 125cc, a azulzinha em que aprendeu a pilotar e se tornou um motociclista devidamente habilitado. Era uma imagem meio ridícula, aquele corpanzil sobre uma motinha de nada, sem contar garupa e bagagem. Mas Jeffinho não estava nem aí, queria era conquistar o mundo sobre duas rodas, com o vento entrando pela viseira do capacete. Até começou a emagrecer, porque andar de moto é uma atividade física puxada, exige equilíbrio e força.

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   Jeffinho fazia tudo de moto, trabalho e lazer, de dia e de noite, na nas ruas da cidade e nas estradas da ilha de Itaparica e de outras regiões da Bahia e do Nordeste. Na ilha, junto com Tampinha, sempre ia ao povoado de Baiacu, fim de tarde, para buscar peixe fresco, a cavalinha e o caçonete para a moqueca do rango noturno, fechando a farra do dia.  

   Don Franquito foi o parceiro mais frequente, inclusive para umas roskas no Habeas Copus, na Barra. Vez por outra pegavam a estrada até o mercado de Santo Amaro, no Recôncavo, para tomar a benção a dona Canô e pegar um rodízio de mariscos na barraca de dona Domingas, entre camarões, ostras e o que houvesse no dia. Às vezes, a aventura se estendia até Cachoeira, para tomar uma rápida à beira do rio Paraguaçu, com luz do sol de fim de tarde rebatendo suavemente sobre as fachadas dos velhos casarões.

   Certa vez, com suas respectivas na garupa de intrépidas máquinas CB 400cc, a dupla de gorduchos pegou a estrada até Maceió, para acampar em Paripueira, antiga aldeia de pescador. Absurdas 16 horas (em vez das 5 ou 6 normais) em uma viagem regada a conhaque com café e muita risada, parando de posto em posto. Na madrugada, um passeio relaxado pela rodovia deserta, curtindo o frescor da noite de lua cheia, a beleza do céu e o cheiro de cana ao redor.
 
    É como disse Jeffinho, quando falou pela primeira vez sobre seu amor pela motocicleta: “Na estrada, você se integra à natureza, ao verde das montanhas, ao som das águas descendo rios e cachoeiras. Você sente o cheiro de terra molhada, o perfume das lavouras, e cavalga com os deuses da motocicleta pelas trilhas do amor e da liberdade”.

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   Convém lembrar que, naquele tempo, andar de moto não era tão perigoso como hoje, não havia tantos acidentes, assaltos e roubos - Jeffinho nunca sofreu sequer uma queda. Era seguro andar pelas ruas e rodovias, a qualquer hora do dia ou da noite. Poucas motocicletas circulavam, nem todo mundo tinha coragem de viver esses perigos; também não havia motoboys, muito menos mototaxis. 

    Perigo mesmo era beber e dirigir, ainda que no limite das sete doses de vodca ou de uísque a que Jeffinho se permitia, quando estava de moto. Um risco de morte quase certa, porque na motocicleta você é para-brisa, para-choque, lataria e tudo o mais. Pior é que, nesse caso, não havia como recorrer à ajuda do Irmão Emmanuel, porque ele não sabe andar de moto.