Cultura

ELIANA KERTÉSZ, madrinha das mulheres gordas do Brasil, p OTTO FREITAS

A Bahia é gorda na topografia, nos gestos, na grandeza, e o povo muito generoso
Otto Freitas , Salvador | 02/04/2017 às 18:45
Eliana Kertész
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Apesar de sua marcante passagem pela política, é como artista plástica que Eliana Kertesz entra para a história. Ela fez a passagem na manhã de um domingo de sol, depois de conquistar respeito e reconhecimento internacional com suas famosas esculturas, as gordas. Além do valor artístico, suas peças simbolizam o combate à discriminação e ao preconceito contra as mulheres acima do peso ou obesas.

     Eliana não teve medo da reação do mercado, que poderia recusar a sua arte tal qual a sociedade rejeita os gordos em geral e as mulheres gordas em particular. Ela seguiu seu coração, obedeceu aos desígnios da sua alma de artista, e criou as gordas que atualmente estão espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. “Elas têm um pouco da minha rebeldia em não aceitar a ditadura e a imposição da beleza magra. As pessoas vivem em função não da felicidade, mas da magreza”. 

    Tudo é diferente. Tamanho, cor, textura. Nem nas posições elas se repetem. Em comum, mesmo, só as formas arredondadas (braços, pernas, bochechas), cheias de curvas e volume. “Eu não saio com nenhum projeto de fazer algo específico. Imagino a forma e vou atrás, vou seguindo. Agora eu acho que o fato de sair gorda tem uma identidade comigo. Essa é hoje a minha identidade”.

   Da rebeldia e da resistência surgem os volumes, com abundância, exagero e fartura; nascem as gordas com suas curvas generosas, sensuais e extravagantes. “Acho que tem muito a ver também com a minha cidade. A Bahia é gorda na topografia, nos gestos, na grandeza, e o povo é muito generoso”. 

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   Eliana Kertesz já estava fora da vida pública quando se descobriu escultora, no início dos anos 1990. Autodidata, desenvolveu suas técnicas e deu à luz, no barro, às suas primeiras 33 gordinhas. Foi sucesso imediato. 

   A partir daí seu trabalho evoluiu, com variação de tamanhos e a utilização do pó de mármore, resina, bronze e fibra de vidro. Fez inúmeras exposições no Brasil e no exterior e ganhou prêmio da Bienal de Roma, em 2004. Naquele ano, publicou o livro Gordas, para marcar os 10 anos de carreira. Entre memórias e imagens das obras, diz que suas gordas são “redondas como o mundo, onde cabem todas as curvas e movimentos, onde cabem todos os sentimentos”.

  No livro, entre as opiniões de vários artistas e críticos, Fabio Gino Francescutti afirma: “Você pode observar que as gordas são gordas e escritas com gê, a letra mais gorda e cheia de curvas redondas. A gorda de barro se mexia, se torcia indolente, como sabem fazer as gordas. Elas e só elas, sensualmente”.

   Eliana deixou de presente para Salvador As Meninas do Brasil, mais conhecidas como as Gordinhas de Ondina. Instaladas há mais de dez anos na orla marítima, agora vão ganhar uma praça. São três peças em bronze, cada uma com quase quatro metros de altura e uma tonelada e meia. Representam a formação do povo brasileiro: Damiana os negros, Mariana os brancos e Catarina os indígenas.
Eliana Kertesz bem que poderia ser eleita a madrinha das mulheres gordas da Bahia, do Brasil e do mundo. Ela ganhou esse direito em vida, com sua atitude e sua obra.