Cultura

JEFINHO abandonou a bem sucedida carreira de gaitista, p OTTO FREITAS

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Otto Freitas , Salvador | 05/02/2017 às 12:10
Jeffinho e amigo Lapa
Foto: BJÁ
Não que Jeffinho tenha se tornado um virtuoso da música instrumental brasileira. Mas, àquela altura, o gordo desvendara os primeiros mistérios que tanto encantam os admiradores da harmônica, também conhecida como gaita de boca, de beiços ou apenas gaita (em algumas partes do Nordeste também é chamada de realejo). 

Ainda adolescente Jeffinho aprendeu a tocar violão, estimulado pelos acordes simples do iê iê iê. Também se iniciou na bateria; chegou a substituir o baterista da banda de Fred de Seu Pepe, na Cidade Baixa, em dois ou três ensaios, mas não foi adiante. Aí vieram a bossa nova e seus sofisticados acordes dissonantes, muito difíceis de executar. O gordinho desistiu do violão, não teve pique para se dedicar ao instrumento, até porque precisava ganhar a vida.

Muitos anos se passaram, a música chegava a ele pelo radio ou através dos quase quatro mil LPs da sua coleção de vinil. Quando já havia se tornado um coroa obeso e barrigudo, Jeffinho sentiu falta de tocar um instrumento e resolveu aprender gaita. Encontrou motivação nos saraus gastronômicos, etílicos e musicais em varanda, na casa de Botinho e Margarida, em Itapuã. 

No começo, Zé das Anas - o que é irmão, marido e pai de filhas, todas Anas - tocava e cantava sozinho para alegrar os convescotes. Discreto, de poucas palavras, é o homem das cordas: seu violão é limpo e eclético (toca qualquer gênero musical); também bate bem no cavaquinho e no bandolim. Canta mais ou menos, mas é capaz de tocar horas sem parar, desde que conte com a assistência qualificada de uma branquinha de boa procedência, com o cheiro da cana pura saindo pelo cangote da garrafa sem rótulo.

Logo Doutor Zé se incorporou. É um cantor clássico de seresta, conhece de cor letras de canções antigas. É afinado, tem boa extensão de voz. O problema é sua luta eterna contra o andamento; ele sempre entra antes ou depois; na hora certa, nunca. Nascido e criado no Cabula, é honra e glória da família desde que se formou médico parteiro, sendo grande autoridade em obstetrícia na Bahia. 

Não demorou muito e Duquinha de Zumira chegou para garantir o ritmo. Ele tocava zabumba em trio nordestino lá nas Cajazeiras, no alto sertão da Paraiba. Depois que se mudou para a Bahia, para trabalhar no Polo Petroquímico, urbanizou-se e trocou a zabumba pelo bumbo. Tornou-se uma espécie de bumbo cult; garante que acompanha sozinho até solo de piano - é o pianista e ele, no bumbo.

Foi ai que Jeffinho se entusiasmou. Comprou uma gaita cromática, leu algumas cartilhas. Autodidata, aproveitou-se do seu bom ouvido. Nas farras em varanda, sacava sua Hering de 12 orifícios, três oitavas, e seguia catando nota. Era um saco: foim, foim, foim... Botinho sacaneava: “Puta que o pariu, pára de soprar esse realejo, porra!”. Mas todo sábado ele ligava, logo cedo: “Está fazendo o quê? Venha pra cá, vamos tomar uma! Traga o realejo!”.

Com perseverança e apoio dos músicos e da plateia - todos amigos, obviamente - Jeffinho acabou aprendendo a tocar, músicas inteiras até, desde que tirasse de ouvido e treinasse bem, sozinho, para decorar a sequência de notas. Com Jeffinho na gaita, nasceu então o Quarteto Fora de Si: quanto mais eles bebiam, mais ficavam fora de si e tocavam melhor, segundo relatava a pequena multidão de meia dúzia de fãs que lotava a varanda de Itapuã.

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Como toda banda de sucesso acaba logo, o Quarteto Fora de Si não durou muito, mais por circunstâncias da vida, menos pelos conflitos de egos. Zé das Anas e Duquinha de Zumira foram tocar no Paroano Sai Milhó, que lhes fez proposta financeira irrecusável. Doutor Zé reencontrou Carlinhos Violeiro, amigo de infância, e hoje tocam de graça em bares, casamentos e batizados de boneca pelo Recôncavo baiano.

Quanto a Jeffinho, a obesidade lhe tirou a mobilidade e o fôlego - e sem fôlego é impossível tocar instrumento de sopro. Até parou de fumar, para ver se ajudava, mas foi em vão. Com seu jeito estranho de tocar não iria longe mesmo: as mãos seguravam, ao mesmo tempo, a gaita, o cigarro, o talher e o copo de uísque. Para agravar a situação, comia tira-gosto com farofa e soprava a gaita.
 
Sem fôlego, com mãos e braços travados pelo excesso de peso e a gaita cheia de farofa, Jeffinho se viu obrigado a abandonar a curta e bem sucedida carreira de instrumentista. Melhor para Mauricio Einhorn, Toots Thielemans, Rildo Hora e Edu da Gaita, que se viram livres de uma possível sombra gorda, em futuro próximo.