Cultura

MIUDINHO VESTE O SUNGÃO E ARRUMA SEU ISOPOR DE VERÃO. POR OTTO FREITAS

A prática do isoporzinho se disseminou de vez nas praias de Salvador e RMS
Otto Freitas , Salvador | 27/11/2016 às 20:01
À moda Miudinho pegou de vez na classe média endividada
Foto: BJÁ
  Miudinho, um sujeito grande e gordo, é um primo carnal de Jeffinho lá da Cidade Baixa. Mão fechada, tão casquinha que beira a avareza, não perde uma boca livre: chega antes de todo mundo, só sai da festa no lixo, e ainda leva uma quentinha para casa. No bar, sempre carrega uma bolsa com bebida quente no cantil e uns tira-gostos, como vidros de azeitona e latas de salsichas em conserva. Daí, só paga a cerveja - e mesmo assim só a que bebeu, em conta rachada.

   Econômico como ele só, Miudinho é o mestre do isopor de praia. Para tanto, usa toda a experiência que acumulou nos seus tempos de farofeiro, no começo dos anos 1970, sob a sombra do coqueiral que já não existe mais na então longínqua praia de Santo Amaro de Ipitanga. É muito além do aeroporto de Salvador, que já se chamou Aeroporto de Ipitanga (hoje Deputado Luis Eduardo Magalhães) e já pertenceu ao município de Lauro de Freitas. 

   Era todo mundo em cima da caminhonete verde do baixinho Trincha, uma Ford F100, ano 1959, carroceria de madeira adaptada – filhos seus e dos vizinhos (entre os quais o adolescente Miudinho), afilhados e sobrinhos. Na boleia, iam a patroa, dona Miné, coladinha no seu careca de olhos azuis, amor de sua vida, e mais um adulto convidado para o convescote domingueiro mais popular da Cidade Baixa. 

   O destino era sempre a deserta praia de Ipitanga, no trecho onde hoje fica o kartódromo, logo depois das atuais praias do Flamengo e Aleluia. Naquele tempo, a viagem até lá durava umas duas horas através da perigosa Estrada Velha do Aeroporto. Dona Miné caprichava na produção e na hora do almoço distribuía pessoalmente os pedaços de galinha assada e a farofa de miúdos, tudo acompanhado por variados refrescos das frutas de época. O baba, antes e depois do rancho, era sagrado.
 
   Com essa bagagem toda, Miudinho já tirou da gaveta o sungão velho e se organiza para curtir esse verão da recessão em que o isopor está de volta e deve ser o rei da praia na temporada. Na crise, é a salvação para a classe média sem dinheiro e sem barraca que frequenta as praias da orla marítima de Salvador. 

   Convém lembrar que o povo mesmo sempre se manteve fiel à farofa e jamais abandonou o isopor, com crise ou sem crise. A novidade é que a classe média, empobrecida pela incompetência populista, não tem mais grana para frequentar as barracas que ainda sobrevivem, por exemplo, nas praias de Lauro de Freitas e Litoral Norte de Salvador.


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   Como seu isopor, velho de guerra, já estava muito derrubado, Miudinho comprou outro, de segunda mão. Para não gastar esse dinheiro, ele faz o gelo em casa mesmo, ao longo da semana, e guarda no congelador, em sacos plásticos. Para levar a farofa, o vinagrete e os tira-gostos, separou umas caixas de plástico usadas, tamanhos variados, genéricas da antiga e tradicional marca Tupperware (Tapoer). 

   O cardápio é variado. Além do franguinho assado, titular absoluto, no fardo praieiro de Miudinho não faltam salsichas e sardinha em lata, peixinho frito e linguiçinhas na farofa d’água. Tudo devidamente escoltado pelo vinagrete onipresente, sem azeite de oliva, e pela farofa com margarina - azeite e manteiga, hoje em dia, só para os ricos. 

   Para beber, a caipirinha vai pronta de casa, em garrafas pet, feita à base de cachaça barata, mel e limão; vai geladíssima, praticamente frozen. A cervejinha também é gelada, estupidamente, com antecedência: Miudinho leva no isopor as pequenas, de 300 ml, vasilhame retornável, também conhecida como Litrinho ou Putinha; é a alternativa mais barata do mercado. Refrigerante só em pet de dois litros ou mais, e os mais baratos, marcas populares. Coca Cola, nem pensar, é caro demais.
 
   À tarde, antes do sol se por, na volta para casa a galera do isopor se lembra do grande sucesso de Walderley Cardoso, naqueles tempos em que Miudinho era farofeiro na praia de Ipitanga: “O piquenique foi bom, mas a volta é que foi tão triste...”.