Cultura

A odisséia de JEFFINHO em busca do seu local de votar, OTTO FREITAS

Pela primeira vez, ele curtiu a vantagem de ser idoso e gordo: não pegou fila na boca da urna.
Otto Freitas , Salvador | 02/10/2016 às 21:38
Jeffinho teria sido socorrido por umas freiras
Foto: BJÁ
   Na condição de orgulhoso nativo da Cidade Baixa, como sabem os leitores mais assíduos, Jeffinho nunca deixou de cumprir seu dever de cidadão e sempre votou, em uma escola estadual lá na Ribeira, perto do mar. Lugar simples, eleitorado de classe média baixa, mas tudo direitinho e organizado, sempre havia alguém para lhe indicar a sala de votação correspondente à sua zona e seção eleitoral. 

   Aí veio o recadastramento eleitoral, que Jeffinho, todo tirado a modernoso, logo atendeu, para atualizar seus dados e registrar o dedão, para ser identificado digitalmente já no pleito desse domingo. O que parecia um paraíso de facilidades, organização e velocidade na hora do voto tornou-se uma agonia - e o gordo ficou virado numa arara. 

   Para começo de conversa, mudaram Jeffinho da Ribeira para uma faculdade particular do outro lado da cidade, logo depois da Boca do Rio e um pouco antes de Itapuã, em Patamares. Para Jeffinho, ficou longe pra cacete, mas também é perto do mar, ele aceitou. Afinal, a mudança lhe faria bem ao respirar ares verdes e conhecer gente nova. Não foi, portanto, uma alteração realizada natoralmente. 

   No dia da eleição, ele acordou tarde - hábito que guarda desde os tempos da adolescência -, vestiu sua bermudinha domingueira e uma camiseta branca surrada, calçou sua havaiana (que antigamente era chamada de sandália japonesa) e partiu todo esperançoso de que logo voltaria para casa, graças à rapidez da identificação digital e da urna eletrônica. Era mais de meio-dia, sua hora preferida de votar.

   Ledo engano. Logo na chegada deu de cara com portas de vidro fechadas, na entrada da faculdade, seu novo local de votação. Por traz da vidraça, um negão de quase dois metros se esforçava, avisando, com gestos largos e dedo em riste, feito os antigos guardas de transito, que a entrada ficava ao lado. Um simples aviso com seta indicativa colado no vidro evitaria esse contratempo e a bursite que deve ter atacado o ombro do negão, ao final da votação.

   Vencido esse obstáculo, Jeffinho precisou atravessar, às cegas, um enorme pátio sem qualquer indicativo de que ali estaria em curso um processo eleitoral - nem avisos, nem sinalização, nem prepostos para orientar os cidadãos desassistidos que, como Jeffinho, batiam cabeça em busca de informação.
Logo Jeffinho alcançou o corredor onde uma fila enorme cortava a pequena multidão que ia e vinha. “O senhor sabe onde a gente se informa sobre a sala de votação”, perguntou ao moço do lado, enquanto se sentava para descansar, dividindo o banco de concreto com ele. 

   O gordinho já estava ofegante, quase com a língua para fora, suando feito cuscus, de tanto andar. Já estava se retando, falando alto, protestando, quando uma filha de Deus, em pé na fila, celular em punho, indagou: “Quais são as suas zona e seção”? Daí, toda prestativa, consultou o seu smart fone e informou, para alívio do gordo: “É essa aqui mesmo”.

   Jeffinho respirou fundo, agradeceu à moça, e, intrépido, partiu para exercer, pela primeira vez, a prioridade a que tem direito como velho e obeso. Furou a fila, entrou na sala, mostrou documentos e aí começou uma nova via crucis: a porra da maquininha não fez a leitura das suas digitais nem a pau. 

   A moça foi limpando e colocando polegares e indicadores sobre o leitor ótico - só faltaram os dedos do pé. Mas não teve jeito, não deu leitura certa (dedo de gordo é um dedão da porra, a máquina deve ter pirado, não entendeu nada).

   Final da história: a identificação foi feita à moda antiga, Jeffinho votou no seu prefeito e no seu vereador e voltou para casa, feliz porque votou por consciência e não por obrigação. Estava cansado, suado, com uma vontade do caralho de mijar. 

   Quando chegou em casa, após breve passagem pelo lavabo, correu na geladeira, abriu uma daquelas cu de foca, tomou uma Salinas de umburana e caiu de boca na feijoada, cheia de carne seca e lingüiça. Depois, ficou morgando no sofá, em frente à TV, chupando picolé de cajá e esperando o resultado da eleição.