Cultura

CRÔNICA: Conversa de compadres em volta de um pinheiro e os anos 2046

Compadres dialogam tomando um uisquinho e visualizando os anos dourados de 2046
Tasso Franco , da redação em Salvador | 29/08/2016 às 09:35
É cada coisa que se vê!
Foto: Divasca
   Estava prosando com meu compadre Lapa à beira da piscina em Lauro quando ele olhou para um pinheiro do meu quintal e disse que a planta precisava de um nutriente, pois, pondo-o nas partes queimadas das folhagens revigorariam.

   Então lhe falei que estive numa casa-restaurante em Pitangueiras e havia um pinheiro formoso, segundo a dona da propriedade que serve umas comidinhas árabes deliciosas, cultivado há 30 anos com todo zelo. 

   Falei pro compadre: - Quando este aí (apontei para o pinheiro lá de casa) estiver com 30 anos você vai ver como ele estará bonito.

   - Ô compadre! daqui a 30 anos a gente só vai ver pinheiro se for lá do céu você com seus 71 anos e eu já beirando os 70 anos não dá mais tempo.

   - Como não! A essa altura estarei com 101 anos e você com 97 anos e a gente pode até não estar tomando todo esse uisque que bebemos hoje, mas, ainda dá pra tomar uma dose com água de coco e cutir nossa vida.

   - Você tá brincando comigo, compadre. Viver esses anos todos ainda só se a gente morasse nas montanhas da Itália ou nas aldeias do Casaquistão tomando leite de cabras montanhesas. 

   - Bobagem. A gente vai chegar lá numa boa aqui mesmo na Bahia ainda mais que v, agora, está tomando caldo verde de dona Célia, lá em Euclides, e recebe os ensinamentos de Ioiô do Cajueiro, beirando os 80 e esquipando numa égua, ainda fogozo.

   - É, pode ser, pode ser... Agora, queira Santa Isabel que a gente ainda tenha memória pra lembrar de alguns episódios, dar umas boas risadas embaixo desse pinheiro, lá pelo ano 2046.

   - Como não! A gente nunca vai esquecer de 'Totonha', a rural do velho Lapão, do 'derrière' da viúva Guadalupe lá da Campina Grande, das meninas que usavam botas brancas de cano longo no apê da Rua Nova do São Bento, das festas de largo da Cidade da Bahia dos tempos idos em que a gente chupava melancia nas madrugadas e pegava o Lacerda com uma fatia em mãos e assim por diante.

   ​- Aqueles foram tempos bons e que não voltam mais: as penetras nas festas das filhas dos espanhós que faziam 15 anos lá no Barbalho, os bailes do Bahiano de Tênis, as noitadas no Tabaris e no Anjo Azul, os carnavais na Praça Castro Alves. Tempos que deram adeus.

   - Pois é, em 2046, vamos lembrar de mais coisas ainda fora essas que vosmincê falou e eu complemento reforçando sua memória com as idas ao Taboleiro da Baiana, ao Melancia, as farras na Pá da Baléia, as batidas do Diolino. Vamos lembrar ainda de muitas coisas. Do bicentenário da Independência, que vem aí, e podemos alcançar os 500 anos de Salvador!

   - Vai lembrar é de nada. A memória vai ficar fraca. E se hoje o compadre que já tá meio surdo precisará de um daqueles aparelhos antigos para colocar nos ouvidos parecendo uma corneta e vai é gagueijar, tropeçar nas letras, deixar cair a dentadura no chão.

   - Vou nada. Pra isso existem as novas tecnologias. Vou usar um aparelho bem minúsculo para que minhas fãs não vejam e ajustarei a dentadura lá com doutor Cantidiano com pinos de titânio.

   - Cê tá dizendo pode até ser. E a gente ainda vai poder tomar um banho de piscina? - perguntou o compadre.

   - Claro. Naquela escada alí - apontei para a piscina - vou colocar um equipamento protetor de última geração, com amortecedores, que não vai deixar a gente cair. Depois, velho é como menino, a gente vai colocar umas boias nos braços e pronto. É só bater as pernas e colocar o papo pro sol.

   - Você, compadre, é um gozador. Daqui a pouco você diz que a gente vai nadar até o outro lado, onde fica nosso uisque com acarajé e saboreá-los.

   - Mas, isso não tenho dúvidas. Acarajé do crente aqui de Vilas que é melhor de Lauro. E abará de dona Vera, que é mãe do crente e tem ponto aqui no Clube.

   - E dona Vera, a essa altura, 2046, ainda estará viva?

   - Vivissima. Estará lá com seus 107 anos, numa boa, fazendo o melhor abará de acá.

   - Olhe! compadre, vamos tomar nosso uisque e deixar essa conversa de lado, porque daqui a pouco você vai dizer que ainda dará uma com a comadre, vai fazer isso e aquilo, essas coisas que a gente ainda faz com muito sacrifício, hoje, graças ao doutor Ciális.

   - Lá, em 2046, vai ter coisa melhor. Medicamentos de última geração, que vão ser pá e bola. Se a gente vai nadar na piscina, tomar uisque, comer acarajé, chamar o compadre Armando Portuga para uma prosa, convidar nosso causídico doutor Bomfim para uns acepipees e o conselheiro Souza para uma tertúla literária, isso aí de dar um, quiça duas, vamos tirar de letra, para alegria das comadres.

   - Compadre! compadre! para de brincadeira! Trouxe um charuto dona Flor comprado no Pelourinho, lá no Rosa do Prado, vamos baforar enquanto a gente pode.

   - Baforar aui, agora e também em 2046.

  Assim, convidei o caseiro Zezé da Conceição da Feira pra trazer uma brasa, acendemos o charuto, dos melhores, as comadres trouxeram mais acarajés cortadinhos e esphias árabes e ficamos baforando, tomando um uisquinho e olhando para o pinheiro de folhas murchas.