Cultura

É TEMPO DE OBALUAÊ e as filhas de santo estão pelas ruas da cidade

Que maravilha nos proporciona a cidade da Bahia
Tasso Franco , da redação em Salvador | 12/08/2016 às 09:12
Baianas de Obaluaê/Omolu na rua da Misericórdia
Foto: BJÁ
   É tempo de Obaluaê/Omolu quando filhas de santo da cidade do Salvador saem as ruas em prova de humildade, com pés descalços, percorrendo alguns caminhos como essas duas mulheres do candomblé flagradas pelo Bahia Já no centro histórico de Salvador. 

   Faziam votos para seus santos, distribuiam pipocas e eram reverenciadas pelos baianos e alguns turistas que se encontravam ontem na Rua da Misericórdia. Para entender esse ritual leiam os textos abaixos.

HISTÓRIAS DO POVO NEGRO DE SANTO

Caminhando pelas ruas do bairro da Federação com suas batas, rendas, torços e colares, Sandra Ribeiro e Valmira de Jesus parecem rainhas, mas os pés descalços revelam que a caminhada é, na verdade, uma prova de humildade. Sandra de Obaluaê e Valmira de Iansã são duas das várias filhas-de-santo que, nos primeiros dias de agosto, saem às ruas de Salvador com Obaluaê e seu alimento preferido – a pipoca – visitando alguns terreiros e casas. Como tudo no candomblé, a cerimônia envolve vários rituais preparatórios. 

Pouco antes da ida para a rua, ainda no terreiro, o pai ou mãe-de-santo faz um ritual “que louva a Exu, para que ele limpe os caminhos, as estradas, para Obaluaê, levado sobre o ori (cabeça) das filhas-de-santo”, explica o pai-de-santo Alberto, do Ilê Axé Iaominidê (casa das águas mãe). Um pequeno grupo se reveza nessa cerimônia, simples e bonita, onde cada gesto dançado e verso cantado deve ser preciso e possui um significado específico, mas onde respeito não é sinônimo de sisudez.

Depois do banho de pipoca nos filhos da casa e alabês, que tocaram os atabaques durante toda a cerimônia, o Sabejé de Obaluaê ganha as ruas. É impossível não prestar atenção nas duas mulheres: uma transporta um grande cesto repleto de pipocas, “o duburu, que é uma fonte de energia”, segundo Babá Alberto, enquanto a outra leva o próprio orixá: o seu longo capuz de palha da costa coberto com búzios, sobre uma base. Quando o poderoso Obaluaê passa, alguns vêm correndo para ver, outros só olham de longe e, quem não resiste, para as filhas-de-santo, faz a sua doação em dinheiro ganha um pouco da pipoca.

“Sabejé oro unlá”, cantam as filhas-de-santo nas portas das casas, anunciando a visita importante e o pedido de doação. Apesar dos convites, elas não entram, só conversam um pouco e deixam o duburu. “Atotô, atotô”, vão repetindo, enquanto jogam a pipoca em crianças e adultos que estendem as mãos e abaixam a cabeça para receber melhor a bênção do orixá.

Quem recebe a fonte de energia diretamente nas mãos vai comendo devagarinho e em silêncio. Maria de Santana, 71, contente por ter sido uma das escolhidas para a visita, explica o motivo: “Ele traz coisas boas para minha casa. Quando estou mais aflita, eu peço e a ajuda chega”. Até quem não mantém mais a tradição do Sabejé sabe bem por que o orixá precisa fazer durante sete dias de agosto a sua peregrinação pelas ruas, como Mãe Elza de Oxum, do terreiro Obá Toni: “Quando ele sai à rua é para nos livrar das doenças, das moléstias, leva a cura. É um médico”, explica .

O Sabejé de Obaluaê faz parte das cerimônias para o orixá que culminam com o Olubajé, a sua festa anual. As doações que as filhas-de-santo recebem são, inclusive, usadas nesta cerimônia. “É uma cerimônia com muita fartura, onde a comida é feita com todos os cereais e todas as folhas. Porque ele lida mais com isso, a saúde”. Quem explica é o antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia Milton Moura. As comidas, acrescenta o professor, são servidas aos convidados em grandes folhas.
Os cuidados em torno da saída do orixá às ruas envolvem até a Federação Nacional do Culto Afro Brasileiro (Fenacab), que disciplina tudo o que diz respeito à tradição africana, como os terreiros e baianas de acarajé. 

“As pessoas receberam a obrigação dos antepassados de colocar na rua duas pessoas com um tabuleiro preparado com a representação do orixá. Quem quiser, dá um dinheiro”, sintetiza Antoniel Bispo, secretário da Fenacab e babalaxé do Omin Natossê. Antes de sair às ruas, a maioria das casas religiosas envia um representante até o órgão para obter a licença. O assunto é tão sério que quem não segue as normas pode ter os objetos litúrgicos apreendidos: “Nós fiscalizamos e já prendemos tabuleiros. Algumas pessoas colocam balaio o ano todo, pedindo esmola. Também não é para a pessoa sair manifestada e em lugares como o Centro Histórico. Isso é profanação”.

Um cheiro delicioso de pipoca vai acompanhando as filhas-de-santo que participam do Sabejé, caminhando rápida e decididamente pelo asfalto. Dizem que o ritual já foi mais longo e que um número muito maior de casas religiosas mantinha essa tradição. Hoje, as mulheres que ainda realizam a peregrinação, dividindo espaço com carros, ônibus e transeuntes apressados, vão nos mostrando que ainda há espaço para a fé nas ruas, mesmo quando ela não está acompanhada de multidões e festa.
Entre as casas que não fazem mais a peregrinação nas ruas, a tradição é mantida internamente, durante sete dias.

 “A maioria das casas antigas deixou de fazer o Sabejé na rua, porque hoje em dia as pessoas não estão mais respeitando nada, os tempos mudaram: é um fluxo grande de carros, as agressões dos protestantes”, explica o pai-de-santo Silvanilton. Nas casas que mantêm a tradição, explica ele, as filhas-de-santo que participam da peregrinação são pessoas experientes, com mais de sete anos de iniciação, “pessoas que sabem se conduzir e não vão se indispor se enfrentarem algum problema”.

***Fonte Texto: http://historiasdopovonegro.wordpress.com/fe-2/banquete/
Imagem: http://www.flickr.com/groups/saolazaro/pool/

MAIS INFORMAÇÕES SOBRE OBALUAÊ
(GRUPO AXOXÊ DE sALVADOR)

Obaluaê é uma flexão dos termos: Oba (rei) – Oluwô (senhor) – Ayiê (terra), ou seja, "Rei, senhor da Terra". Omulu também é uma flexão dos termos: Omo (filho) – Oluwô (senhor), que quer dizer " Filho e Senhor". Obaluaê, o mais moço, é o guerreiro, caçador, lutador. Omulu o mais velho, é o sábio, o feiticeiro, guardião. Porém, ambos têm a mesma regência e influência. No cotidiano significam a mesma coisa, têm a mesma ligação e são considerados a mesa força da natureza.

Obaluaê (ou Omulu) é o Sol, a quentura e o calor do astro rei. É o Senhor das pestes, das moléstias contagiosas, ou não. É o rei da Terra, do interior da Terra, e é o Orixá que cobre o rosto com o Filá (de palha – da - Costa), porque para os humanos é proibido ver seu rosto, pela deformação feita pela doença, e pelo respeito que devemos a este poderosíssimo Orixá.

Obaluaê está no organismo, no funcionamento do organismo. Na dor que sentimos pelo mal funcionamento dos órgãos, ou por uma queda, corte ou queimadura.

Obaluaê rege a saúde, os órgãos e o funcionamento destes. A ele devemos nossa saúde e é comum, nas Casas de Santos, se realizar os Eboris de Saúde, que fazem pra trazer saúde para o corpo doente.
O órgão central da regência de Obaluaê é a bexiga, mas está ligado a todos os outros. Ele trata do interior, fundamentalmente, mas cuida também da pele e de suas moléstias.

Divide com Iansã a regência dos cemitérios, pois ele é o Orixá que vem como emissário de Oxalá (princípio ativo da morte), para buscar o espírito desencarnado. É Obaluaê (ou Omulu) que vai mostrar o caminho, servir de guia para aquela alma.

Obaluaê também é o Senhor da Terra e das camadas de seu interior, para onde vamos todos nós. Daí a ligação que tem com os mortos, pois ele é quem vai cuidar do corpo sem vida, e guiar o espírito que deixou aquele corpo. É por isso que Obaluaê e Omulu gostam de coisas passadas, apodrecidas.
O sol também tem a sua regência. Ele também é o Calor provocado pelo sol quente. Há quem diga que não se deve sair à rua quando o Sol está quente sem a proteção de um patuá, a fim de não correr o riscos e não sofrer a ira de Obaluaê, geralmente fatal.

Obaluaê está presente em nosso dia-a-dia, quando sentimos dores, agonia, aflição, ansiedade. Está presente quando sentimos coceira e comichões na pele.Rege também o suor, a transpiração e seus efeitos. Rege aqueles que tem problemas mentais, perturbações nervosas e todos os doentes.

Está presente nos hospitais, casa de saúde, ambulatórios, postos de saúde, clínicas, sempre próximo aos leitos. Rege os mutilados, aleijados, enfermos. Ele proporciona a doença mas, principalmente, a cura, a saúde. É o Orixá da misericórdia.

Obaluaê é à força da Natureza que rege o incômodo de um modo geral. Rege o mal estar, o enjôo, o mal humor, a intranqüilidade. É o Orixá do abafamento e está presente nele, bem como na má digestão e na congestão estomacal. Gera o ácido úrico e seus efeitos.

Obaluaê está presente em todas as enfermidades e sua invocação, nessas horas, pode significar a cura, a recuperação da saúde.

Mitologia

Filho de Nanã – que abandou por ser doente – foi criado por Iemanjá. É o irmão mais velho de Ossãe, Oxumarê e Ewá; Orixá fundamentalmente Jeje, mas louvado em todas as nações, por sua importância.
Conta-se que, uma vez esquecido por Nanã, fora criado por Iemanjá, que curou das moléstias. Cresceu forte, desenvolveu a arte da caça, tornando-se guerreiro e viajante.

Certo dia, numa de suas jornadas, chegou até uma aldeia, coberto de palha, como sempre viveu. Como todos conheciam sua fama, suas ligações com as moléstias contagiosas, foram barradas antes mesmo de penetrar na aldeia.

-Não o queremos aqui! - disse o dirigente da tribo.

- Mas quero apenas água e um pouco de comida, para prosseguir minha viagem. Apenas isso! – respondeu Obaluaê, ou melhor, dizendo Xapanã, nome pelo qual era chamado.

- Vá-se embora, Xapanã! Não precisamos de doença, nem de mazelas em nossa aldeia. Vá procurar água e comida em outro lugar!

E Xapanã, então foi sentar-se no alto do morro próximo. A manhã mal começara e ele ficou, sentado, envolto em palha da costa, observando a subida do sol.

O tempo foi passando, as horas foram-se passando e, ao meio-dia, exatamente, o Sol já escaldante, tornou-se insuportável. A água ficara quente, o alimento se estragava e toda a tribo se contorcia de dor, aflição e agonia. Xapanã a tudo observava, imóvel, como um totem, como um símbolo de palha.
Na aldeia um alvoroço se fez. Uns tinham dores na barriga, outros tinham forte dores de cabeça. Outros, ainda, arrancavam sangue da própria pele, numa coceira incontrolável. Outros agiam como loucos incontrolados. Aos poucos, a morte foi chegando para alguns.

Xapanã apenas assistia...

Parecia que o tempo havia parado ao meio-dia, mas, na verdade, foram três dias de sol quente, pois a noite não chegava. Era apenas sol durante todo o tempo. E durante todo o tempo a aldeia viu-se às voltas com doenças, loucura, sede, fome, morte!

Xapanã, inerte, via tudo, imóvel...

Não agüentando mais, e vendo que Xapanã continuava do alto do pequeno morro observando, o dirigente de aldeia foi até ele suplicar perdão, atirando-se aos seus pés.

- Em nome de Olorun, perdoe-nos! Já não suportamos tanto sofrimento! Tente perdoar, por favor, Senhor Xapanã! Tente perdoar!

De súbito, Xapanã levantou-se, desceu até a aldeia e pisou na terra. Tornou-a fria. Tocou na água, tornou-a também fria; tocou os alimentos e tornou-os novamente comestível; tocou a cabeça de cada um dos aldeões e curou-lhes a doença; tocou os mortos e fez voltar a vida em seus corpos.

Restaurada a normalidade, Xapanã pediu mais uma vez:


-Quero um pouco de água e alguma comida para prosseguir viagem.
Num instante foi-lhe servido o que de melhor havia em toda a aldeia. Deram-lhe, vinhos de palmeira, frutas, carne, legumes, cereais, enfim, o que tinham de melhor.

Voltando-se para os aldeãos, Xapanã deu-lhes uma lição de vida.

-Vivemos num só mundo. Sobre a mesma terra, debaixo do mesmo sol. Somos todos irmãos e devemos ajudar uns aos outros, para que a vida seja mantida. Dar água a quem tem sede, comida a quem tem fome é ajudar a manter a vida.

Voltou-se e partiu. Atrás dele o povo da aldeia gritava:

-Xapanã, Rei e Senhor da Terra! Xapanã, Obaluaê! Xapanã, Obaluaê! Xapanã, Obaluaê!
Obaluaê que sua benção e proteção nos seja dada sempre!.
Dados
Dia:

segunda feira
Data:

13 ou 16 de agosto;
Metal:

chumbo;
Cor:

preto e branco e ou preto, branco e vermelho;
Partes do corpo:

a pele e os pulmões;
Comida:

deburú (pipoca), abadô (amendoim pilado e torrado), Iatipá (folha de mostarda) e ibêrem (bolo de milho envolvido na folha de bananeira);
Arquétipo:

sóbrios, reservados, generosidade destacada, geniosos, independentes, teimosos, tendência ao masoquismo.
Símbolos:

xaxará ou íleo (com que limpa as doenças e os males espirituais.