Cultura

Festa Sant'Anna em Serrinha no meu tempo de criança e Igreja Nova (TF)

A gente gostava da Festa para Senhora Sant'Anna pelos leilões na praça Luis Nogueira e pelo desfile da Filarmônica 30 de Junho
Tasso Franco , da redação em Salvador | 11/07/2016 às 10:46
O arcebispo dom Álvaro Augusto e a guarda 'suiça' de Serrinha. Fantástico, 1949.
Foto: TF
​   Já comentamos aqui que, no meu tempo de menino em Serrinha, o São João, o Natal e a Semana Santa eram as festas populares mais interessantes para as crianças.Todas essas manifestações da cultura local eram vinculadas a Igreja Católicia. Naquele tempo, a população da Serra era maioria esmagadora católica. 

   Ainda tinha mais uma dessas manifestações religiosas que vamos comentar hoje, que era a festa para a padroeira Senhora Sant'Anna, supostamente a avó de Jesus.

   Serrinha tem ligação com Senhora Sant'Anna desde os primórdios quando a familia de Bernardo da Silva ergueu uma capela na única praça que existia, isso por volta de 1780, ao lado da casa de morada do patriarca e vizinha ao Tanque de Nação - onde se situava o Mercado Municipal posto ao chão, recentemente - e a família Silva doou a igreja católica essa capela e braças de terras adjacentes, com a ressalva de que as filhas de Bernadro e Josefa Maria do Sacramento e o reverendo Antonio Manoel de Oliveira e mais Custódio Francisco Junqueira morassem nas referidas terras, sem pagar o fôro.

   Depois da emancipação política de Irará, Serrinha agora completando 140 anos como município, as localidades distritais louvavam outros santos e santas, Santo Antonio no Lamarão, Teofilândia e na Chapada; Nossa Senhora da Conceição, em Araci; Nossa Senhora do Belém, em Biritinga; e São João Baptista, em Barrocas. 

   Quando eu era menino foi exatamente a época em que o vigário (essa era a denominação) Carlos Ribeiro, já velhinho, faleceu no início dos anos 1950, passando o bastão para o padre Demócrito Mendes de Barros, então chamado de vigário cooperador. 

   Em 1949, eu tinha 4 anos de idade, quando Serrinha sediou o III Congresso Regional das Vocações Sacerdotais com a presença do arcebispo primaz do Brasil, dom Álvaro Augusto da Silva. Foi um acontecimento e tanto. Não se falava noutra coisa na cidade e até uma guarda 'suiça' - com jovens serrinhenses - imitando a guarda papal do Vaticano foi organizada.

   O padre Demócrito ficou com a missão de construir a Igreja Nova, idéia do padre Carlos, o qual sonhava com um bispado na localidade e trouxera para Serrinha a Procissão do Fogaréu.

   Demócrito começou a construir a Igreja Nova (hoje catedral) na praça Miguel Carneiro, no antigo local onde existia a Usina de Energia movida a motor diesel e a antiga Capela de Sêo Marianno (Primeiro intendente de Serrinha, Marianno Sylvio Ribeiro, governou de 3 de março de 1889 a 20 de janeiro de 1893) e isso fez com que o padre programasse leilões na praça Luiz Nogueira, num cercado que se fazia na época da festa, mês de julho, do lado direito do cruzeiro que havia em frente a igreja matriz.

   Na festa para Sant'Anna essa era a parte que a gente, digo as crianças, mais gostava. O novenário era interessante só para os adultos católicos porque a gente não entendia nada ou quase nada do ato religioso em sí, nem os adultos, porque parte das missas era oficiada em latim, mas, valia pela fé, pela movimentação na praça, umas gambiarras que a Prefeitura colocava entre o coreto e o cruzeiro; e entre o cruzeiro e a igreja e nas laterais próximas ao jardim, isso para clarear os locais. Ainda não havia o Abrigo Casablanca e a parte mais valorizada era do lado do jardim.

   O jadrim também era o antigo ainda da época da intendência de Luis Nogueira. Só nos anos 1960, quando eu já estava usando calças compridas, foi que o prefeito Carlos Mota (1959/1963) fez um jardim novo com jarros iluminados a neon copiados de uma cidade paulista onde morava um dos seus irmãos, o Totonho Mota.

   Além do leilão, que a gente gostava demais, apreciando José Ramos Silva (Nelinho Magarefe) poetisando a venda das mercadorias, havia o desfile da Filarmônica 30 de Junho de sua sede até o coreto onde fazia um concerto com dobrados e clássicos.

    Nelinho deixava a gente de boca aberta escutando-o. Negro alto e forte, retinto, voz vibrante, pegava um 'capão' pelas pernas, levava ao alto com as mãos e dizia: - Este aqui quem deu foi o agricultor tal e vou abrir o leilão pedindo apenas 5 cruzeiros nesse galo. Agora, olha só a beleza desse galo, olha só a postura desse galo, qualquer galinha gostaria de ter um galo desses no terreiro.

   - Nesse momento alguém gritava: dou 6 cruzeiros no galo.

   - Fulano de tal deu 6 cruzeiros nessa maravilha de galo, mas ele vale muito do que isso, 6 é pouco, quem vai dar mais, quem dá mais.

   - Alguém gritava: dou 8 cruzeiros no galo.,

   - Não disse a vocês que o galo valia mais. E levantava o galo mostrando a todos, gesticulava, bradava, apelava por um melhor preço.

   - Vou dar 10 cruzeiros no galo.

   - A disputa tá boa entre o comerciante tal que deu 8 e o fulano de tal que deu dez. Vale ainda mais.

   Ninguém falava mais nada e a gente ficava de boca aberta olhando Nelinho e o galo até que ele dizia ...dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhes três... o galo foi arrematado por fulano de tal. 

   E seguia leiloando outro animal ou objeto deixando por últimno os garrotes doados pelos fazendeiros.

   O padre Demócrito era obstinado. Falava com os comerciantes, com os fazendeiros, com os professores, com as familias católicas e estabelecia uma homenagem para cada grupo durante a novena, cada dia com mordomos. 

   Exemplos: Primeira noite: Dona Mariquiha Campos e Nanova Valverde. A quinta noite foi patrocinada pela Comissão de Nossa Senhora das Graças tendo como componentes a familia Santiago, Flaviano Gonzaga de Matos, Manoel Sobrinho e Bráulio Franco orador.

   Evidente que, cada familia além de patrocinar a noite enfeitando a igreja, doava mimos para os leilões.Tinha a noite das moças; noite dos ferroviários, dos fazendeiros e assim por diante. 

   Do ponto-de-vista financeiro para a igreja a noite mais esperada era dos fazendeiros. Alguns deles doavam garrotes para serem leiloados.

   Foi assim, de garrote em garrote; de galo em galo; de saco de cimento a milheiro de tijolos; de bolo em pratos de pastéis; de vestido de renda a chapéus decorados que a igreja foi subindo e virou uma realidade.

   Crianças não percebem a dimensão desse esforço do padre, alguns avarentos criticavam que o padre se beneficiava de algum bem, o que era uma infâmia porque Demócrito morreu pobre e vivendo seus últimos dias na casa paroquial. 

   Em compensação, a gente vivenciava a festa, admirava, dava benção padre, cortejava o sacristão José e curtia a construção da igreja brincando de picula nos fundos alicerces, obra sob o comando do mestre-de-obras Sêo João Evangelista.

    Outro grande prazer era assistir o desfile da Filarmônica 30 de Junho entre a sua sede - ainda hoje no mesmo local - e o coreto. Quando a banda se enfileirava em frente a '30' a gente corria e vinha marchando com a filarmônia. Uma maravilha.

   Dois músicas a gente admirava em especial. Um deles era Zé Ramos, apelidado de 'Coqueiro' por ser bem alto, zagueiro do São Cristovão, e que tocava tuba. A tuba tem algo em torno de 1m70cm com mais os quase 2 metros de Zé Ramos, quando 'Coqueiro' despontava soprando-a a parte da bocarra da tuba tocava nas folhas dos otizeiros. 

   Era o gigante da banda e a garotada ficava boquaberta.

   O outro música éra Epifânio Simão, apelidado de 'macaco Simão', mas, a gente não tinha coragem de chamá-lo pelo apelido sob pena de levar uma baquetada, o qual tocava caixa e formava na última fila, com o bumbo de Chibarra e os pratos, estes tocados por Ernesto gráfico. 

   O repique que Simão dava na caixa era algo sensacional ---tárárá...tárárá...tárárá...táráráááá ---- usando as baquetas com uma maestria impressioante para mãos gordas. A gente ficava olhando com a vontade enorme de fazer o mesmo, de imitá-lo, e alguns de nós preferia seguir a banda ao lado de Simão até que chegasse ao coreto.

   Depois tinha o concerto nos intervalos dos leilões e a gente não desgrudava os olhos da banda.

   A festa para Sant'Anna durava 9 dias - novenário - e normalmente ia das 19h às 23h, máximo. No dia da santa, 26 de julho - a data já foi móvel em Serrinha - tinha a procissão na Praça Luis Nogueira.