Cultura

A PELEJA das vacas de AJU x a de TUCANO no São João em Coité do Lapão

Crônica narrada pela pena de Tasso Franco na Fazenda Coité do Lapão, em Tucano, Bahia
Tasso Franco , da redação em Salvador | 30/06/2016 às 10:55
Mesa onde se deu a peleja e o anfitrião de camisa azul
Foto: BJÁ
   Quando Zé de Zequinha do Ichu puxou o fole e começou a cantar 'Comadre Sebastiana', de Jackson do Pandeiro, na varanda da Casa Rosada da Fazenda das 7 Mulheres, na Serrinha, levantei pra dançar com a madame Grece, a ponta da bota bateu no pé de mesa e lá se foi o licor da dita ao chão.

   Zequinha apimentava: "Já cansada no meio da brincadeira/ E dançando fora do compasso/ Segurei Sebastiana pelo braço/ E gritei, não faça sujeira/ O xaxado esquentou na gafieira/ E Sebastiana não deu mais fracasso/ Mas griatva a, e, i, , u, ypsilone... e lá fui eu pro terreiro da casa de viúva Zaís Pinharada quase tropeçando no cachorro marrom que se encontrava no caminho coçando um carrapatinho no lombo.

   A poeira só não levantava no arrasta pés porque poucos dançavam e a chuva fina de molha havia ensopado o terreiro. Na fogueira após a porteira as crianças e os adultos soltavam fogos e a chikungunya que atormentava a viúva fazia com que ele desprezasse a cerveja.

   A festa junina na roça é assim: licor, cerveja, milho cozido na panela de barro, amedoim, quentão, galinha caipira no fogo, cuscuz e forró.

   Zequinha, o qual de bobo nada tem, de vez em quanto tocava aquela música que soletra 'o tocador quer beber'. Joinha, animado, brindava o licor com a mãe Nilda; a mãe de Elivan, animadíssima; Luluba já tinha pego um sapo pelas costas e se divertia; Dil da Janela forrozeava gabando Campina Grande.

   Quem não foi a fazenda das Sete Mulheres perdeu um São João bem à moda antiga, tradicional, pé-de-varanda.

   No outro dia fui a fazenda Coité do Lapão, no Tucano, propriedade do meu compadre Fernando Lapa, donde se avista a serra do Quijingue, a meio caminho de Euclides da Cunha. Já na estradinha vicinal para a Tabua avistei a capela em louvor a Santa Izabel. Bati a segunda cancela e buzinei no terreiro.

   A mesa estava posta e Luis Gonzaga cantava no som da casa de alpendre alto. Lá estavam a familia do Lapão e de Armando Lemos com o filho Rodrigo, a esposa e a netinha Bia. 

   O licor de passas servido era de dona Leda, da Serrinha, de 2015, curado. Dona Grece levou mais dois litros do de laranja e a gelada corria solta.

   IoIô que simbolicamente havia se casado com uma burra no São João de 2015 tinha saído para o Cajueiro. Civilizado, fora de carro.

   O tempo fechou lá pro lado da cidade do Tucano e a chuva caiu forte. Depois arrodeou a fazenda Coité do Lapão e despencou no Quijingue.

   - Será o Benedito - disse Lapa - que essa chuva vai faltar para nós.

   Armando bromeou: - Parece que tem um um grande guarda chuva por aqui, sobre a fazenda.

   Daí que olhei por céu, fiz dois pedidos pra Xangô, e a chuva desabou no terreiro do Lapão.

   Uma alegria enorme na mesona do alpendre. Armando agradecia aos deuses e o cachorro Sadam, que parecia ainda não conhecer chuva, molhou-se nuns pingos d'água.

   O licor corria solto. A gelada também. Apareceu um garrafa de Old Paar, o uisque preferido do velho Lapão. Vivas a chuva e a São João.

   Nisso surge uma rodada de carne de vaca, suculenta, macia, das melhores, e o dono da casa começa a se gabar.

   - Compadre, vosmincê vai saborear a melhor carne de vaca do sertão do Tucano, Tracupá, Crengenhem, Quijingue e arredores.

   A madame Rodrigo astuciava a conversa desconfiada.

   - Tá ou não tá boa essa carne, suculenta, macia - provocava o dono do terreiro - mandando eu degustar.

   - Não tenho o que reclamar. Está muito boa e com essa farinha e a pimentinha de dona Edileusa, uma maravilha - elogiei.

   Entra na conversa a madame Grece querendo saber qual a direferença das carnes de boi e de vaca.

   O anfitrição então explica que a carne de vaca é mais macia do que a do boi, este mais musculoso, e volta a elogiar a beleza de sua carne de vaca à mesa.

   Nisso a madame Rodrigo não resistiu aos comentários e pediu licença no expressar, cheia de desculpas, e comentou:

   - Sêo Lapa essa carne de vaca eu trouxe de Aracaju.

   Cutuquei Armando: - O bicho pegou. Estou comendo gato por lebre, de uma vaca interrestadual pensando que era nativa dessas terras do finado Catão.

   - Se minha nora falou tá falado, obtemperou Armando.

   Botei mais um pedaço da carne na boca e arreliei com o anfitrião: - Agora tô sentido que essa carne é mesmo de Aju, lá dos açougues da capital sergipana - comentei.

   - Você sabe lá o que é vaca daqui ou da Hermes Fontes. Peraí que vou tirar a limpo essa parada e chamou a esposa, a paciente dona Nadya Abud para saber o que teria acontecido com sua carne da vaca tucanense.

   - Oh! Nando, os nossos espetinhos da vaca ainda estão no fogo lá no fogão de lenha.

   Armando cutucou de novo: - Só soprando o tição para ve se assa essa vaquinha de acá chega à mesa, comentou com seu sotaque português.

   Luis Gonzaga não parava de cantar e fomos brindar uma rodada de licor de laranja. 

   Então, como um gato, surge o vaqueiro Vandinho, a essa altura atuando como garçom, com os espetinhos da vaca nativa.

   Só não soltamos uns foguetes porque não tinha.

   O anfitrião esmerou-se em elogios: - Agora, você vai ser o que é carne de vaca da boa, saborosa que nem o caldo verde da Célia, de Euclides.

   A madame Rodrigo astuciava e murmurava baixinho com o sogro: - A minha carne é melhor.

   Na bola dividida, elogiei a carne do compadre: - Uma maravilha, tostada, saborosa, fantástica. Sem no entanto, desprezar a carna da vacana sergipana igualmente suculenta, macia, saborosa.

   Mais vivas, mais licores. 

   E daí, para agradar aos dois, sai com um verso de seis pés: Na peleja da vaca de Aju/ Versos a vaca de Tucano/ Quem se deu melhor foi eu/ Que saboreei do macio e do bão/Viva a São João do Coité do Lapão.