O fruto do jenipapeiro é o símbolo e o sabor mais tradicional das festas juninas.
OTTO FREITAS , Salvador |
13/06/2016 às 00:32
Licor de dona Leda, em Serrinha
Foto: BJÁ
Junho tem cheiro de chuva, terra molhada, cor dos fogos coloridos, som da sanfona e gosto do jenipapo. É tempo de frio e de fartura, milho verde e canjica, bolo de aipim e carimã e uma rica variedade de frutas cristalizadas. Por todo o Nordeste, é tempo de festa no interior, em homenagem a Santo Antônio, São João e São Pedro.
Nessa época do ano, não há nada mais presente na memória afetiva das comunidades do que o tradicionalíssimo licor de jenipapo, o mais famoso entre as diversas variedades produzidas artesanalmente. O licor adoça a boca, aquece a alma, alimenta as fantasias e esquenta o corpo para o forró.
Segundo o folclorista Câmara Cascudo, a origem do forró está no arrasta-pé ou forrobodó, baile junino animado pela sanfona ou acordeão, o triângulo e a zabumba, que tocam ritmos nordestinos como o baião, o xote e o xaxado.
Jenipapo é o fruto do jenipapeiro, árvore da família das rubiáceas, assim como o café, que tem em média 20m de altura e 80cm de tronco. Originário das Américas do Sul e Central, é típico da Amazônia e da Mata Atlântica.
Dá praticamente o ano inteiro, tem propriedades medicinais, é afrodisíaco e ajuda a emagrecer. É mais saboroso quando amadurece e amolece no pé: sua casca enruga-se e adquire uma coloração avermelhada ou amarelada. A polpa é comestível, mas seu melhor aproveitamento se dá na produção de licor, compotas e doces cristalizados - as tirinhas de jenipapo secas ao sol e cobertas de açúcar são inesquecíveis.
Em guarani, jenipapo que dizer fruto que serve para pintar. Tupiniquins, maracás e cariris extraiam a tinta do fruto verde para pintar o corpo e adornar objetos e utensílios.
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Jeffinho é testemunha de que o primeiro licor de jenipapo a gente nunca esquece. Ainda era menino quando provou, às escondidas, a sua primeira dose. Gostou tanto que virou ladrão contumaz daquela mesa farta de pratos juninos da casa da vovó Celina, onde os licores eram servidos em antigas garrafas e cálices de cristal ricamente decorados. Foi assim que Jeffinho, de cálice em cálice, embriagou-se pela primeira vez na vida.
O licor da vovó Celina era feito pela tia Lea, a filha do meio, que até hoje produz a bebida artesanalmente, do jeito original. Obedece rigorosamente o processo tradicional em que o jenipapo fica por quase um ano de infusão na cachaça e depois é coado lentamente no algodão.
Se a tia Lea não dava conta de atender a família grande, o licor de vovó Celina vinha de Cachoeira, produzido por uns parentes de lá. Além de histórica, esta cidade do Recôncavo é famosa como a capital baiana do licor de jenipapo, produzido normalmente pelas famílias locais. Hoje há cerca de 20 produtores, como dona Nemzinha, de Belém de Cachoeira, e a família Roque Pinto, o maior de todos.
Tirando Cachoeira, por todo o canto do Recôncavo e de outras localidades da Bahia sempre tem uma tia, uma sinhá ou um sinhô que faz licor para as festas de São João e para o ano todo, seja de jenipapo ou de frutas típicas de cada região. No sertão, tem o umbu de Uauá e em Serrinha dona Leda faz jenipapo e um licor de laranja que desbanca qualquer francês metido a besta. Em Ituaçu, no fim da Chapada Diamantina, dona Tatá, da rua do Xixá, faz licor de rosas, de banana e de tangerina.
Quem vai querer?! Vai mais um?! Viva São João!!!