Cultura

OS GORDOS, AS CARIOCAS E A FARRA RECORDE DE 48 HORAS. POR OTTO FREITAS

Belas e bem humoradas, as meninas eram magras, mas batiam um bolão no copo e no garfo.
Otto Freitas , Salvador | 28/02/2016 às 21:24
O mar de Itapuã
Foto: BJÁ

Foi assim que, em certo verão, quente e dourado como o de agora, o gorducho Paulo Coco recebeu a incumbência do irmão médico que morava no Rio de Janeiro: ciceronear duas jovens colegas que chegariam para uns dias em Salvador. Convém lembrar que Paulo Coco é o cagão. Não confundir com Paulo Bunda Podre, cujo apelido tem outra origem, um furúnculo quase eterno.

Enfim, ciceronear duas cariocas ávidas por conhecer os segredos e desvendar os mistérios da Bahia não representava um fardo assim tão pesado, evidentemente. Baiano gosta mesmo de receber e, além do mais, eram moças belas e magras, feito atriz de TV - e dispostas a cair na gandaia, com todo o respeito. 

De imediato, Paulo Coco requisitou o apoio de Jeffinho, amigo de infância, parceiro nas agruras da obesidade e em históricas empreitadas boêmias. A peleja se iniciou, então, em uma noite de quinta-feira, no vanguardista Berro D’Água. Naqueles anos 1970/1980, era a cara do agitado Porto da Barra, o grande point da cidade da época. Assim as jovens doutoras foram batizadas, com pompa e circunstância.

Já era madrugada quando Jeffinho propôs que se cumprisse o tradicional roteiro até Itapuã. Entusiasmadas e estimuladas pelas caipirinhas e pela conversa mole dos cicerones, as cariocas toparam na hora. E lá se foram os quatro, em um Chevette preto e rodas largas, feito carro de playboy - Jeffinho ao volante, pois Paulo Coco, o dono do possante, sempre ficava melado antes da hora.

No caminho para Itapuã, as paradas clássicas: Rio Vermelho, para tomar umas batidas de fruta em Diolino; e Amaralina, para umas vodcas e petiscos no Jereré, em frente ao largo das baianas de acarajé. Era o único bar e restaurante 24 horas da cidade. Uma preciosidade.

Intrépidas, as médicas cariocas chegavam junto. Além de gente simples e bem humorada, batiam um bolão no copo e no garfo. No Mercado de Itapuã, se jogaram no feijão de Amélia, - e uma delas ainda arrematou com meio copo de mingau de tapioca de sobremesa, na barraca de Amor. 

As moças estavam felizes da vida. Não se cansavam de repetir: aquela era Bahia que sempre sonharam em conhecer e viver, mas temiam ser levadas por roteiros turísticos formais e caretas. 

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Sol forte e brilhoso das 9 horas da manhã de sexta-feira, todos completavam 24 horas no ar quando uma nova decisão se impôs: ir para casa dormir, ou seguir na farra. Jeffinho sugeriu um banho de mar com cervejinha gelada na barraca de Pirilo, em Placaford, almoço de fim de tarde, na beira da praia. 

A sugestão virou realidade. Tudo sei cumpriu à risca, depois de uma parada breve em loja tem-de-tudo de Itapuã, para comprar roupas de banho. Ao final da tarde, baianos e cariocas se refestelavam à beira-mar, entre caipiroscas, caranguejos e camarões graúdos aferventados, no então famoso Quiosque de Janaina. 

A essa altura, Paulo Coco já estava mais zarolho do que era de fato; quase apagado, cochilava sobre a mesa. Mais acesas do que o farol de Itapuã, as cariocas bateram à porta de Vinícius de Moraes, mas ele estava fora do país. 

Jeffinho segurou a onda, precisaria dirigir de volta para casa. Já era noite, quando ele abriu a porta do apartamento e deu de cara com a patroa toda bonitona, chique nos panos. Vixe, Maria! Com tanta ação nas últimas horas, esquecera de que havia marcado jantar fora. 

Sem que ela percebesse a cagada, Jeffinho não se fez de rogado: lépido e fagueiro, com o fôlego e vigor da juventude, tomou um banho frio, vestiu sua melhor roupa e reiniciou a farra, agora com a madame. Saiu cheio de amor para dar, como se a balada estivesse apenas começando.
 
O gordo só voltou para casa quase ao amanhecer do sábado. Atingiu seu recorde pessoal de 48 horas no ar, sem um cochilo sequer. Farra pura, de alto nível, sem bozengagem. Ninguém comeu ninguém - a não ser o gordinho danadão que, depois de tudo, ainda compareceu com galhardia e deixou a patroa toda feliz.