Cultura

O MOMO de Mané Gostoso e Boca de Uva no baile de Oxum, p OTTO FREITAS

AQUELE CARNAVAL QUE MANÉ GOSTOSO só não foi abandonado pelo uisque
Otto Freitas , Salvador | 31/01/2016 às 12:41
Maria Boca de Uva
Foto: ILS
   M ané Gostoso era gordo, baixinho e barrigudo, mas tinha uma autoestima altíssima. Era todo tirado a pegador, só andava nos panos; gostava de calça boca de sino e sapatos cavalo de aço, que tinham solado grosso e saltos que o deixavam menos tampinha.

   Depois das mulheres e da motocicleta, sua paixão era o Carnaval. Ao longo daqueles majestosos anos 1970/80, não perdia as micaretas no interior e os bailes pré-carnavalescos em Salvador. Também comparecia a todos os eventos às vésperas da festa, como as famosas feijoadas. Sempre na companhia da sua inseparável cascavel - um belo copo de um bom escocês com gelo.

   Acontece que a sorte não lhe era muito fiel. De vez em quando, acontecimentos indesejáveis acabavam por inviabilizar sua participação no Carnaval propriamente dito, no todo ou em parte. O gordinho ficava desesperado, pedia pra morrer! 

   Certa vez ele arranjou uma namorada com o dobro do seu tamanho e do seu peso. Era uma morenaça dos cabelos encaracolados, pernas longas e coxas grossas. No registro de nascimento, era Maria Aparecida, mas todo mundo a conhecia como Maria Boca de Uva. 

   Todo chamegoso e vibrando com a nova conquista, lá se foi Mané Gostoso, dependurado nos beiços de Maria Boca de Uva, para o famoso Baile de Oxum. Realizado sempre às quintas-feiras, em um luxuoso hotel cinco estrelas da cidade, era uma das festas mais concorridas de abertura do Carnaval da Bahia. 

   Foi uma alegria só, os dois lá no altíssimo, entre muitos uisques e tubos de lança perfume argentina. Apaixonado, o casal dava mil voltas no salão pulando o Carnaval das antigas, ele agarrado no pescoço da sua paixão. 

   Lá pela madrugada, Mané Gostoso já estava mais morto do que vivo e praticamente dependia do apoio seguro da namorada, que, àquela altura do baile, lhe parecia muito maior e mais forte ainda. Foi aí que a grandona, cheia de alegria e firmeza, pisou com fé e seus quilos de três dígitos no pé de Mané Gostoso. Pisou com tanta força que o tornozelo dele virou uma bola de boliche, na hora. 

   Mané Gostoso não brincou mais, nem podia andar direito. Passou o resto da festa sentado, triste e deprimido, embriagando-se com todo fervor. De manhãzinha, a moça o levou para casa, praticamente carregado. 
                                                                              @@@@@@

   Apesar da ressaca e do tornozelo doendo e muito inchado, Mané Gostoso não se entregou. Acordou no final da manhã com a esperança de brincar o Carnaval assim mesmo. Por precaução, foi à clínica ortopédica e o médico imobilizou o pé - ao menos, colocou aquele salto que lhe permitiria apoiar o pé engessado no chão. O doutor também prescreveu analgésicos e anteinflamatórios. Não poderia beber, ou tornaria a medicação inútil. 

   Daí ligou imediatamente para Maria Boca de Uva. Estava sentindo falta do seu aconchego e queria programar o Carnaval a dois. Solenemente, Boca de Uva lhe deu o maior aú. Parecia um iceberg ao telefone, fingiu que nem se lembrava direito dele. O golpe abalou profundamente a dignidade daquele machão latino com fama de pegador.
 
   Mas seu espírito carnavalesco era invencível. Em nome da honra, do orgulho ferido e do amor próprio, Mané Gostoso brincou o Carnaval do jeito que foi possível, no bloco do eu sozinho, de bengala em punho, gesso no pé - e a saudade de Maria Boca de Uva lhe doendo no peito. Pela primeira vez sentiu-se solitário no meio da multidão. 

   Só a boa e velha cascavel lhe foi fiel até o fim, não o abandonou um momento sequer.