Cultura

Festa, farra e alegria, da Barra ao Mercado Itapuã, por OTTO FREITAS

A Barra era o centro de tudo e o mercado o poético fim de linha ao amanhecer
Otto Freitas , Salvador | 18/01/2016 às 10:33
Novo Mercado de Itapuã
Foto: BJÁ
  A Barra era um bairro residencial de classe média, com forte atividade comercial, de lazer e de entretenimento. Era o centro de tudo o que havia de melhor na cidade, naqueles criativos anos 1970/1980. Tinha gente alegre e dourada, a vista mais bonita do por do sol sobre a ilha de Itaparica e a praia do Porto, ainda hoje considerada a melhor praia de Salvador.

  Naquele tempo, a praia era frequentada por gente cabeça, o povo zen, a artistagem, jornalistas, publicitários e afins, geralmente durante a semana. Jeffinho e Don Franquito costumavam comparecer aos sábados, por volta das 15 horas, para pegar um bronze, tomar uma gelada e rebater a ressaca da noitada de sexta-feira. Depois do por do sol e de muitos banhos com regador de plantas, atravessavam a rua para pegar a tradicional feijoada à beira da piscina do Grande Hotel da Barra, ao pé da ladeira. Assim, o corpo e o espírito ficavam no ponto para o que todo mundo espera de um sábado à noite.

  Além de boates, bares e restaurantes, a Barra abrigava os melhores clubes sociais das classes média e alta da cidade (Bahiano de Tênis, Associação Atlética da Bahia, AABB, Cabana), hoje transformados, parcial ou totalmente, em edifícios residenciais de luxo, supermercados e loja de conveniência. Além de festas dançantes e bailes Carnaval, esses clubes (junto com o Espanhol) abrigaram os primeiros shows musicais de grande público (foi no Bahiano que vi meu primeiro show de Tim Maia).

  A Barra ganhou fama e glória definitivas depois de inspirar canções de Caetano Veloso (“domingo no Porto da Barra, todo mundo agarra, mas não pode amar....”). O compositor costumava frequentar o Porto e sempre aparecia em fins de tarde, junto com amigos e seguidores, para aplaudir o por do sol, todos sentados na balaustrada. 

  Até que o Carnaval chegou definitivamente. Mas aí é outra história. Antes disso havia os bailes nos clubes, como o famoso Preto e Branco do Bahiano, a banda do Habeas (na verdade um chupa-catarro que na quinta-feira dava uma voltinha, puxando os clientes pelas ruas próximas ao bar famoso) e a lavagem do Porto, no sábado.

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   Desse modo, se a farra era boa tinha que começar na Barra, no Berro D’Água, o bar mais charmoso da época, ou no Habeas Copus - um clássico bar de calçada que ainda resiste ao tempo -, com esticadas na boate Close Up. 

   Os filés do Le Mignon são inesquecíveis, assim como o cardápio e o fino ambiente do Tiffany’s, vizinho chique do Berro e do Manga Rosa, um dos primeiros restaurantes naturebas da cidade. Mas não havia nada mais gostoso e relaxante do que as tardes de sol, brisa e chope gelado no Oceania, esquina do farol, ou no Barravento, em cima do mar, perto do Cristo.
 
  A depender da pressão, a farra podia se estender até o amanhecer, no Mercado de Itapuã. Se a noite fosse de sorte, no caminho podia-se fazer uma parada técnica rapidinha, no Jardim dos Namorados, para se embaraçar nos pentelhos de Judith durante tradicional corrida de submarino.

   Depois a barca tocava direto para o feijão de Amélia no mercado, renovando as energias, entre duas ou três doses de cachaça de infusão - folha, raiz ou casca de pau. Na emergência de repor o açúcar, tinha os mingaus na barraca de Amor, senhorinha gentil de cabelos brancos que fazia ponto na barraquinha em frente. 

   O Mercado de Itapuã reergueu-se agora, inteiramente, pela segunda vez - nos anos 1980/90, a estrutura antiga, original, térrea, já decadente, foi ao chão para dar lugar a um novo prédio em pré-moldados, demolido há três anos. Renasce maior, mais moderno, mais completo e com alguma pegada turística. 

   Independente da sua arquitetura, o mercado guarda para sempre a alma do povo itapuanzeiro. Essencialmente, é um espaço cultural, um lugar de tradição em que a história da Bahia é contada pela gente do mar, entre secos e molhados, carnes e peixes, hortigranjeiros, comida popular, cachaça de rolha e muita poesia.