Cultura

NO MEU TEMPO DE MENINO, a brincadeira era jogar bola no Largo da Usina

Passei toda minha infância sem conhecer um brinquedo elétrico e quando a luz chegou em Serrinha eu já era rapaz
Tasso Franco , da redação em Salvador | 19/11/2015 às 09:55
Carrinho feito por Sêo Conrado que serviu a mim e a meu irmão
Foto: Arquivo Pessoal
   No meu tempo de menino em Serrinha as opções de brinquedos e brincadeiras para crianças eram poucas. Não havia luz elétrica nem parques infantis e a gente 'dormia com as galinhas e acordava com os galos'. Era como se dizia para quem dormia cedo, logo depois do jantar - uma sopa, café com leite e pão com manteiga - e acordava cedo com o cantar dos galos e a cantoria dos passarinhos.

   Meu pai criava uns dez passarinhos em gaiolas e logo cedo estava trocando a água dos vasilhames e colocando alpiste nos cochos para um coleiro, um cardeal, uma sabiá e outros. Meu pai tinha um xodó especial com um passáro preto cantador. Quando estalava os dedos ele dobrava o canto. O sitio do meu avô era no fundo de nossa casa e a gente também podia ouvir o mugido das vacas leiteiras.

   A nossa maior diversão era jogar bola. Como eu morava no Largo da Usina (praça Miguel Carneiro, hoje também conhecida como praça da Catedral) o campo de bola estava a frente de nossa casa no estilo chalé, até hoje em pé, resistindo as 'picaretas do progresso'. A parte de cima da praça - quase um quadrado de aproximadamente 4.000 metros - era péssima, em declive, com pedregulhos. Uma lixa. Não dava pra jogar bola.

   A parte do meio era nosso campo oficial pois dava pra jogar 10 na linha e um no gol, de cada lado. E a parte de baixo , em frente a casa de dona Todinha e sêo Demá, era o filé. Tinha até uma grama natural e que também servia de pasto para jegues que pastavam por lá. Nessa área menor os babas eram com seis na linha e um no gol, poderia ser baba de 4 na linha sem goleiro, e gol a gol de dois.

   Cada campo tinha uma largura dos gols marcada com pedras, chinelos ou pedaços de madeira. No campo do meio o gol era de cinco passos de um metro cada, sem traves; e no campinho de baixo gols de 3 metros e até de 1 metro. O gol do campinho de baixo dava pra casa de Sêo Neco Bilheteiro, onde está hoje o supermercado Chama. Seus filhos Toinho e Dinho eram nossos colegas de bola.

   Como não havia traves para delinear a altura e as laterais dos gols as discussões eram intensas quando uma bola alta passava pelo goleiro. Às vezes resultava em porradas, tabefes.

   Ninguém queria perder. Os babas eram disputadíssimos. Agora, se a bola alta triscasse nas mãos do goleiro aí era gol sem discussão. Se a bola passasse a meia altura numa das laterais dava-se mais discussões. A rigor, gol mesmo era quando a bola passava rasteira entre as duas pedras ou chinelos; ou embaixo das pernas do goleiro. Aí a gozação era geral e a garotada chamava o goleiro de 'frangueiro'.

   Quando a meninada estava com 10/11 anos Sêo Paulino Biêta - pai do ex-prefeito Popó - organizou um mini-campeonato com times juvenis - Ypiranga e Bahia, usando padrões - camisa, calção, chuteira e meião. Nessa época jogavamos no campo oficial atrás do Cemitério. Cada time tinha uma madrinha e um mascote. No Ypiranguinha, Ana, tia de Popó era a madrinha; e Bocage, filho de Sêo Salvador da Pensão, o mascote.

   Cada time tinha seus craques. Dôia, o qual morreu recentemente, era arisco, catimbeiro; Toinho, zagueiro clássico; Nelsinho filho de Sêo Nelson do Trombone, estiloso; Miro Pezão, maior driblador, mais do que Robinho; Farias, marcador osso duro; Ferreirinha, bom meio de campo, 'garçom' distribuidor e cabeceador; Manezino, ponta direita foguete; Severo, goleiro voador. Cada um tinha um apelido.

   Outras brincadeiras de nossa época eram jogar ferrinho, jogo de gudes, jogo de pião e brincar com carrinhos de madeira.

   Meu pai mandou Sêo Conrado marceneiro fazer um carro de madeira que eu herdei do meu irmão. Até as rodas eram de madeira. Meu pai colocava a gente dentro do carro e saia empurrando. Meu irmão Bráulio, mais velho do que eu cinco anos, também empurrava o carro. Minha mãe ficava de olho, pois se o carro ganhasse a praça ladeira abaixo seria um problema, ninguém segurava. Acidente na certa. A sorte é que Serrinha, nessa época, tinha poucos veiculos e a praça era toda nossa.

   Perto de nossa casa, ao lado da casa de Sêo Titi Magalhães, moravam os irmãos Dem e Fio. Fio era craque em produzir carrinhos de madeira estilo miniatura pra gente puxar com cordões. A gente enfeitava os carros e dava nomes - Ford, Chrevrolet. E fazia com a boca o som dos motores dos carros. Subindo uma ladeira o som era mais grave. Passando da primeira pra segunda, essa imitação era genial...vommmmm...vooovrom room. Freiando também cada um tinha seu estilo ...tchumumm...tchuú.

   O campeão de ferrinho era Tonho Avelino, filho de Sêo Manoel Carneiro. Morreu cedo, num acidente da caminhão no Largo da Federação. Perto de sua casa tinha uma área que, quando chovia, a gente fazia a arena ou campo dos ferrinhos, tramas de labirintos no chão molhado. Avelino tinha uma técnica que colocava o adversário num labirinto que ninguém saia e ele ganhava o jogo.

   O campeão de gudes era Bacalhau, também bom de badoque. Quando a gente era maiorzinho saía pelos fundos da Sericicultura, nas imediações do Tanque das Abóboras ou pelo Campo do Tiro de Guerra, hoje, bairro da Santa, para matar passarinhos ou caçar com alçapões.

   O jogo de gude tinha várias modalidades. A mais jogada era buraco. Quem perdesse pagava uma prende, em gudes. A gente comprava as gudes na Tenda de Sêo Sinfroninho ou na mão dos colegas.

   Quando padre Demócrito começou a construir a Igreja Nova, hoje Catedral Basílica, foi uma festa. Os alicerces cavados a mando do mestre Evangelista Pedreiro eram fundos e a gente entrava nos buracos para brincar de cabana ou guerreô, usando inclusive os torrões para atingir uns aos outros.

   De vez em quando acertava-se uma testa e o 'galo' cantava, fazia um calombo no local. Ninguém chorava por isso. A gente dava era risada com a cara do camarada que ficasse com o 'galo' na testa.

   Minha mãe (como outras) tinha uma técnica toda especial para amaciar o 'galo' - colocando água com sal. Não tinha geladeira nas casas e gelo era coisa rara, só na sorveteria.

   Quando a gente tomava uma topada nos babas e machucava o dedão do pé ou tirava parte da unha e da pele, ela limpava, aplicava água com sal e amarrava um pano. Quando torcia o pé usava-se mastrúcio pisado com leite e um pano enrolando no local.

   Felizmente nunca quebrei um braço ou perna nos babas mas teve amigos nossos que quebraram braços e foram levados para o posto de saúde onde Dr Germano encanava puxando o braço e colocando no lugar.

   As vezes ficava torto e dias depois reencanava. Era um sofrimento. 

   Assim foi minha infância na Serra. Um Clube do Bolinha. Os meninos não brincavam com as meninas e vice-versa. Mesmo na escola primária, na hora do recreio, era meninos de um lado; meninas do outros.

   Até quando fiquei rapazote, uns 12 anos, e entrei no ginásio nunca tinha visto um brinquedo elétrico. Eletrônico só nas figuras do gibi de Flash Gordon.

   Quando a luz elétrica chegou na Serra, em 1962, na solenidade com o prefeito Carlos Mota, o deputado Manoel Novaes e o governador Juracy Magalhães, luz de Paulo Afonso, eu já era rapaz com fios de barba na face e ai é outra história.