Cultura

VIDA DE GORDO: Tempo em que Salvador não tinha fast food, OTTO FREITAS

A comida do dia a dia não tinha conservantes, nem agrotóxicos. Lelê, acaçá, pamonha e beiju.
Otto Freitas , Salvador | 15/11/2015 às 19:57
Um costume que vem da época da Colônia e está quase extinto
Foto: ILS
   Devagar e sempre, os gordos (acima do peso e obesos) representam mais da metade (51%) da população - os homens são 54% e as mulheres 48%. A sociedade brasileira, enfim, começa a fazer alguma coisa para tentar mudar essa realidade. Novas leis estão sendo criadas, como a que determina a redução de sódio, conservantes e aromatizantes em alimentos industrializados. Até os fast foods estão oferecendo alternativas menos engordativas em seus cardápios.

  No tempo em que Jeffinho era magro, gordo era raridade, é só conferir em qualquer foto antiga com imagens de gente na rua. Também não havia fast foods - a vida, aliás, não tinha nada de fast, corria sempre suave e calma, principalmente nas refeições. Naquela época, a comida do dia a dia era integralmente natural e orgânica, com legumes, frutas e hortaliças sem agrotóxicos.

  O fast food das antigas vinha na porta de casa. Em vez de batatas fritas, os vendedores traziam, por exemplo, tabocas de farinha de trigo e baunilha, pequenos tubos que se derretiam na boca. Eram vendidas em latões pendurados nos ombros por uma tira de couro. Os vendedores tocavam um triangulo de ferro, cujo som anunciava que a taboca estava chegando. 

   O biscoito vinha da padaria (os recheados de gordura saturada nem existiam) e sanduiche se fazia em casa, fresquinho e natural, sem a química dos hamburgueres gigantescos de hoje, ignorância pura. Para acompanhar, em vez de pets monstruosos de até dois litros e meio, os refrigerantes eram vendidos em pequenas e satisfatórias garrafas de vidro de 200 ml (a Coquinha e o Caculinha, da Antarctica, eram os mais vendidos). 

   Em todo canto da cidade havia sempre um ponto de caldo de cana, ótimo para acompanhar o cachorro-quente verdadeiro, com apenas uma salsicha normal e o molho tomate natural. Hoje, cachorro-quente é uma bomba calórica, com salsicha grande, milho, molho de tomate, mostarda, maionese, queijo ralado e mais o que cada vendedor inventar. 

   Naquele tempo, excesso de doce só no baleiro, que ficava nos cinemas ou passava na porta de casa com sua cesta de vime e madeira colorida ao colo, levando chocolates clássicos como Diamante Negro e Sonhos de Valsa, drops, balas sortidas e pastilhas de hortelã. Tinha também os vendedores de pirulitos cônicos de mel no palito, espetados em um grande estandarte na forma de galo de madeira colorido.

   Carregando tabuleiros na cabeça, homens e mulheres do povo passavam diariamente, trazendo doces de vários tipos, como cocadas e quebra-queixo; lelê, acaçá, pamonha e beiju. Os famosos bolinhos de tapioca (conhecido como bolinho de estudante ou, mais popularmente, como punheta) são raros, mas ainda se encontram nos tabuleiros das baianas de acarajé. 
 
  Toda tarde também passavam o carrinho de pipoca doce e salgada e a bicicleta-bau do padeiro, trazendo pães de sal, de açúcar e de chocolate. Havia ainda o sorveteiro com sua cantimplora na cabeça, oferecendo dois ou três sabores de frutas. Não fosse assim, tomar sorvete na Ribeira, na Cidade Baixa, na Cubana ou na Primavera, no centro antigo, era um programa tranquilo e relaxante.

   Nos terminais de ônibus, estádios de futebol e festas populares não faltavam rolete de cana, amendoim cozido e torrado, milho cozido e assado, além da laranja de umbigo, doce feito mel, descascada a canivete em tiras finíssimas, verdadeira obra de arte. 

   Por fim, não se pode esquecer o velho e tradicional pastel de carne (às vezes de vento, de tão oco), vendidos em cesta de vime por ambulantes espalhados por toda a cidade. Mas os pastéis do chinês, de queijo, carne e galinha, nas extintas pastelarias da rua Carlos Gomes, eram famosos e disputados