Cultura

ANTIGUIDADE É POSTO: Segredos dos vinhos de guarda, MAURICIO FERREIRA

Uma dica para os que se iniciam no sempre surpreendente mundo do vinho, é que evite comprar vinhos tintos com mais de três anos desde a safra
Mauricio Ferreira , Salvador | 28/10/2015 às 07:14
Às taças degustando três vinhos de guarda
Foto: MF
   Durante muitos anos nos acostumamos a associar o vinho à longevidade, e, não poucas vezes, utilizamos expressões do tipo “fulano é como o vinho, melhora com o tempo”, o que, certamente, deixa os cinquentões muito satisfeitos. Mas, assim como na vida, isso não é uma verdade absoluta.

   O vinho como todo produto perecível, não apenas está sujeito a um prazo de validade - ainda que, em via de regra, seja indeterminado, como também, pode ter a sua qualidade afetada por falta de cuidados no seu manuseio ou armazenamento. 

   Mas, deixando de lado o que podemos considerar acidentes de percurso (como a má conservação), a maioria dos vinhos atualmente produzidos são feitos para serem consumidos ainda bem jovens, dentro de um prazo de dois a três anos de vida, e guardá-los por mais tempo poderá se revelar uma enorme perda de tempo, pois suas características só tendem a degradar.

   No caso dos vinhos brancos o prazo para consumo deve ser observado ainda com mais atenção, pois dificilmente suas propriedades gustativas se preservam por longos períodos, podendo facilmente apresentar sinais de oxidação com menos de dois anos de guarda.

   Em síntese, se pretende formar uma adega, procure observar a estimativa de guarda dos vinhos e quando você pretende consumir a bebida, para que não venha a decepcionar com líquidos avinagrados e intragáveis.

  Uma dica para os que se iniciam no sempre surpreendente mundo do vinho, é que evite comprar vinhos tintos com mais de três anos desde a safra, ou vinhos brancos com mais de dois anos desde a safra, aliás, ideais são aqueles com até um ano de colhida a safra, para que você tenha um bom tempo até o momento de consumir.

   Outra dica é que vinhos produzidos com variedades de maior potencial tânico tendem a durar mais, como o Cabernet Sauvignon ou o Shiraz, que facilmente ultrapassam os quatro anos sem terem alteradas suas características.

  Com essas explicações, o leitor a esta altura deve estar pensando: “Então os vinhos envelhecidos não são bons? ”

   A questão não é tão simples assim, existe uma pequena minoria de vinhos, que por sua excepcional estrutura possui não apenas a capacidade de envelhecer por longos períodos, mas, sobretudo, de se tornar melhor a cada ano, numa curva ascendente até alcançar a sua maturidade plena, quando só então começa a declinar até que se definhe por completo, o que pode chegar a 30 anos ou mais.

   São os denominados Vinhos de Guarda ou Vinhos Premium, como os Brunellos de Montalcino, produzidos numa pequena colina na Toscana ou os Premiers Grand Cru Classés produzidos na região de St.-Émilion em Bordeaux. 

   Outros vinhos também podem ser considerados Vinhos de Guarda, mesmo que não possuam a incrível longevidade de um Sauterne ou um Porto. São vinhos com potencial de envelhecimento que superam os dez anos, produzidos com uvas selecionadas, colhidas manualmente de um terroir diferenciado e vinificados com especial esmero, quase sempre com as fermentações alcóolicas e malolática em madeira, o que lhe confere estrutura, aroma e complexidade única.

   São vinhos que costumam chegar ao seu ápice com 4 ou 5 anos de envelhecimento em garrafa, quando então seus taninos estão mais macios e amigáveis, permitindo que uma profusão de aromas e sabores possa transformar sua experiência de degustá-los em algo inesquecível. São vinhos como o chileno Almaviva, o argentino Cobos
Volturno ou o californiano Opus One, cuja maturidade lhes conferem características próprias.

   A Coluna Tempo de Vinho separou para seus leitores três ícones da vinicultura francesa, cujo título desta matéria cabe como uma luva. O Chateau Le Gay 2000, o Chateau Haut-Brion 2004 e o Chateau Pavie 2004, todos vinhos com mais de 10 anos e cuja capacidade de continuar a envelhecer em garrafa se mostrava viva a cada gole.

   Vamos as taças...

   O Chateau Le Gay 2000, produzido na pequena região de Pomerol por Catherine Péré-Vergé é um clássico bordalez, que demonstra o quanto vale os séculos de experiência e o sempre presente esmero na produção de um grande vinho. De cor vermelha escura, com reflexos terrosos, não esconde a complexidade aromática que se apresenta quase que instantaneamente, em meio a notas terciárias que lembram animais e sous bois. 

   Os halos granadas, que surgem circundando à taça, não lhe roubam a jovialidade e elegância, mesmo sabendo que os 15 anos de garrafa que lhe preservaram, não foram tão tranquilos, dada a precariedade do armazenamento em que se encontrava, o que pelo visto, em nada lhe afetou.

   Em seguida, notas de cereja, amora, framboesa e ameixa madura explodiram a cada gole, em meio a taninos macios e aveludados. Na boca, chocolate, tabaco e especiarias finas, que deixaram uma sensação no palato extremamente amistosa e deram a esse exemplar uma facilidade de bebê-lo que encantou. Em síntese um vinho formidável, cujos anos de vida lhe fizeram muito bem.

   O Chateau Haut-Brion 2004, considerado por muitos o melhor vinho de Bordeaux, é um veterano, ocupando uma posição entre os Premiers Crus Classés desde 1855, até hoje é um modelo de simplicidade e sofisticação. 

  O blend de Merlot, Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc, é colhido manualmente como a 150 anos, os cachos são 100% de desengaçados e, após suave esmagamento, passam à maceração-fermentação que dura entre 15 e 30 dias dependendo da safra. O amadurecimento em barricas de carvalho, sempre novas, dura de 18 a 30 meses, a depender da safra, sendo o mais longo dentre os grandes Chateaux. Ainda assim, é um vinho leve, não muito concentrado graças ao controle da fermentação.

   De cor vermelho rubi escuro com reflexos violáceos, na boca é complexo e cheio de classe. Jovem, mesmo com 11 bons anos, é elegante e aromático, com especiarias doces que se sobressaem, como alcaçuz e baunilha, fruta madura com bastante frescor, que se apresenta bem definida, além de tabaco, cacau, grafite e terra molhada. 

  Na boca é seco e estruturado, com muitos taninos finos e presentes. Com ótima acidez, é gastronômico, com boa profundidade e ótimo potencial de guarda. É um vinho para bebedores experientes.

   O último vinho degustado, o Premier Grand Cru Classé de Saint-Émilion, Chateau Pavie 2004, não à toa foi reservado para encerrar à mesa. Intenso, opulento, superlativo, é um vinho de pegada forte! É tipo um muscle wine de Bordeaux.

   De cor vermelho intensa, ainda não apresentava ainda sinais de envelhecimento, se mostrando jovem e fechado. Precisou de pelo menos uma hora e meia de decantação para começar a se abrir e apresentar as primeiras notas frutadas de cereja vermelha, de mirtilo, licor de cassis e café, tudo em estado bruto, que se sobressaiam em meio à grafite e tostas de madeiras que preencheram as narinas, à medida que a taça se aproximava do rosto.

   Taninos forte e presentes e final de boca interminável, decifram a personalidade impositiva deste vinho marcante e destinado aos que esperam, sobretudo, um estilo único. 

   Esperamos que o test wine apresentado nesta edição tenha agradado a todos, ao tempo em que pedimos desculpas por não indicar os locais onde os vinhos foram adquiridos, por se tratarem de vinho de coleção.