Cultura

VIDA DE GORDO: Barbeiro de Jeffinho é boa prosa, por OTTO FREITAS

Camara além de boa prosa ainda oferece revista de mulher nua aos seus clientes
Otto Freitas , Salvador | 27/09/2015 às 14:31
Barbeiro tem que ser bom de prosa
Foto: ILS
Jeffinho não dispensa uma boa prosa, uma conversa fiada. Pior ainda: é um perguntador contumaz, quer saber de tudo. Embora tenha a língua meio solta, sobretudo quando toma umas duas, no fundo, no fundo, é um baú, sabe guardar segredos. Por tudo isso, não abandona as visitas periódicas ao seu barbeiro, quando se torna ouvinte e contador de piadas e causos. 

Quando era menino e não se governava, como dizia sua mãe, tinha o conforto de cortar cabelo em casa. Nessa época, passou por vários barbeiros, como seu Manoel e seu Pedro, que aplicavam máquina zero, sem dó nem piedade. Era cabelo raspadinho, estilo Ronaldinho, com o pimpãozinho na frente. Como se vê, Ronaldo tirou onda, lançou moda naquela Copa, mas esse corte é das antigas.

Na adolescência, Cardeal foi o seu barbeiro, lá na Cidade Baixa. A barbearia pobre funcionava em um improvisado complexo de serviço e lazer de calçada que incluía ainda o bar de Zé, o tabuleiro do dominó, sempre na função, e a banca de seu Manoel Sapateiro. A galera da rua se reunia ali, para jogar conversa fora e passar o tempo.  

Contrastando com seu jeito moleque, Cardeal trajava calças de tergal azul marinho ou preto e camisa de colarinho branco, sempre por dentro das calças e com as mangas dobradas. Era um sujeito gordo, bigodudo, parecia um mexicano. Depravado, não podia ver uma mulher passar; parava o serviço, batia a tesoura sobre o pente e exclamava quase em êxtase: “Aquilo é que é um pé de trinchete!” (também conhecido como bunda) - e soltava sua gargalhada escandalosa, inconfundível.  

Eram duas cadeiras na barbearia. Ao lado de Cardeal ficava seu Edvaldo, sócio e parceiro, seu oposto em tudo. Era um crente mulato, todo certinho, que vestia camisas e calças simples, mas sempre impecavelmente limpas e bem passadas. Edvaldo não gostava de palavrões e balançava a cabeça negativamente, condenando a linguagem e as molequeiras do colega ao lado.

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Atualmente, Jeffinho é cliente de Ernesto, um paulistano educado, que fala baixo e manso e anda sempre bem vestido. Barbeiro clássico, categoria, mantém em Salvador uma barbearia tradicional, junto com o sócio Wilson, que veio das Minas Gerais. É um espaço confortável que se destaca em um mercado onde os cabeleireiros não sabem cortar cabelo e fazer barba de homem. 

Além do talento com a tesoura, não faltam cafezinho quente, água gelada, cervejinha nevada às sextas e sábados e, principalmente, vários títulos de revista de mulher nua, como é tradição antiga e não pode faltar em uma barbearia que se respeita. Melhor de tudo mesmo é a boa prosa, que distrai, diverte, enriquece a alma e amplia o conhecimento.

Há muito Ernesto abaianou. Gosta de jeito de viver aqui, sobretudo no interior. Aprecia a boa comida, bons vinhos, cervejinha gelada e uma cachacinha de procedência. Sempre puxa a conversa. Wilson, que é magro, gosta de perguntar sobre as dietas, aproveitando a vasta experiência do gordo. 

É a deixa. O espírito conversador incorpora e Jeffinho não pára de falar. Rapaz, uma vez....