Cultura

VIDA DE GORDO: Culpa, religião e a mentira do glúten, por OTTO FREITAS

Religião e comida se misturam desde o tempo de Adão e Eva
Otto Freitas , da redação em Salvador | 30/08/2015 às 20:14
Religião e comida se misturam desde o tempo de Adão e Eva
Foto: DIV
  
  Está imperdível a entrevista (páginas amarelas da Veja 2440, de 26/8/15) com o americano Alan Levinovitz, professor de religião e filosofia da Universidade James Madison, em Harrisonburg, Virgínia. Ele traça paralelos entre religião e modismos alimentares e adverte que há muito a ciência já superou a máxima “você é o que você come”, repetida como um mantra pelos nutricionistas.

  Durante dois anos Levinovitz revisou centenas de pesquisas e entrevistou médicos e cientistas sobre a questão. Ele concluiu que, como os dogmas religiosos, o radicalismo nos hábitos alimentares se utiliza de padrões de comportamento para dar às pessoas a segurança de fazer algo que as tornaria seres humanos melhores. “Há os que se sentem culpados por não comer bem. Isso é ridículo. Relaxar é tão importante quanto comer bem”.

  O resultado desse trabalho está no livro A Mentira do Glúten, que deve sair no Brasil neste setembro. Quanto ao glúten ser o vilão da vez na alimentação (questão que foi tema da crônica anterior, neste espaço), Levinovitz afirma que só os celíacos realmente precisam cortar o glúten da sua dieta, mas eles são apenas 1% da população. Além destes, somente 3% a 5% de não celíacos podem desenvolver reações. Para todo o resto, não há razão para evitar a ingestão dessa proteína.

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   A seguir, uma síntese de alguns trechos da entrevista de Alan Levinovitz:

  - Religião e comida se misturam desde o tempo de Adão e Eva. Eles viviam no paraíso até que Eva comeu a maça que não deveria comer. Daí os dois se tornaram mortais e passaram a experimentar dor e sofrimento. Ou seja: comer algo indevido pode ser ruim e causar dor física.

  - Muito do excesso de calorias consumido no mundo vem de bebidas adoçadas e de outros alimentos açucarados. É um problema sério, mas não há razão comprovada pela ciência para que se elimine completamente o açúcar da dieta.

  - Com moderação, dá para comer de tudo. Para aproveitar a vida, o importante é ser flexível e não ficar o tempo todo impondo regras a sí próprio. Viver com medo de ser impuro é viver com medo de estar doente. Isso é estressante e pode levar a distúrbios alimentares. 

  - Não podemos viver como monges modernos. Comer não é somente um hábito para ser saudável e manter o peso. É também divertir-se com os amigos, desfrutar cultura e história. Não podemos transformar os alimentos em remédios.

  - Quem faz proselitismo de dietas acha que vive de uma maneira superior e, por isso, quer atrair um maior número de adeptos, como na religião. Fazer proselitismo de comida e de exercícios físicos é um modo de definir a própria identidade como superior à dos outros.

  - Em uma era em que as mídias digitais se tornaram muito populares e acessíveis, as estrelas de cinema e os atletas assumiram o papel dos santos do passado. Em vez de textos religiosos, os indivíduos passaram a ler o que as celebridades dizem, pois querem alguém para guiá-los. Também acreditam que, se fizerem o mesmo que os famosos, vão conquistar resultados iguais aos deles.