Cultura

Lactos e Glúten, dois vilões para comida sem graça, por OTTO FREITAS

Otto Freitas escreve quinzenalmente no Bahia Já sobre Vida de Gordo
Otto Freitas , Salvador | 16/08/2015 às 22:24
A média de café com leite é imbatível
Foto: DIV
   Todo dia inventam uma novidade. Depois da cirurgia bariátrica, apareceu o tal do detox, um tratamento para desintoxicação cuja estrela é aquele suco verde horrível que você precisa beber todo dia, até ficar traumatizado e não conseguir sequer se lembrar dele sem sentir ânsia de vômito. Geralmente, vira caso de analista. Jeffinho mesmo tem trauma incurável de sopa de abóbora e de salsão, por causa da dieta da sopa.

Agora, a nova questão, que afeta gordos e magros, é a intolerância à lactose e ao glúten. Só se fala nisso - falar, não, que ninguém fala mais; todo mundo se comunica pelas teclas do smartphone. São doenças modernas que até pouco tempo não existiam ou, pelo menos, eram desconhecidas. Aliás, dizem que nem é doença, é disfunção de origem genética. 

A intolerância à lactose é a incapacidade do organismo de digerir esse tipo de açúcar existente no leite e nos seus derivados (Ah! o que seria da fantástica cozinha francesa sem a manteiga!). Isso provoca distúrbios digestivos como diarreias e cólicas. Não há tratamento. A única solução é suspender o leite, consumir o tipo sem lactose, que já existe no mercado, ou apelar para alternativas como o leite de soja e afins. 

Pior é que, preventivamente, os nutricionistas já prescrevem para todo mundo, com ou sem intolerância, uma dieta sem leite de vaca. O organismo humano não precisa dele, há outras fontes de cálcio, dizem. Oxente! E aquele copo de leite in natura, que deixava o bigodinho, recomendado para quem queria ficar saudável? E o leitinho quente, antes de dormir, para acalmar e garantir um sono reparador? Essa velha ladainha a gente ouvia desde menino. Era tudo mentira?

E onde fica a antiga e tradicional média com leite e pão com manteiga, no balcão da padaria, que ainda hoje compõem o café da manhã de boa parte do trabalhador brasileiro? Aliás, a vovó Celina, se fosse viva, não poderia mais tomar a sua xícara diária de café com leite, no lanche da tarde. Era sagrada, não podia faltar. A vovó morreu do coração aos 84 anos, sem nunca ter ouvido falar em intolerância a lactose. 
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Já a intolerância ao glúten é a dificuldade de digestão dessa proteína presente em alguns cereais, especialmente trigo, centeio, milho e cevada, além de batata, mandioca e polvilho. O glúten prejudica a absorção de nutrientes e danifica as paredes do intestino delgado, provocando diarreias, dor e inchaço abdominal. Também não tem tratamento, tem que ser retirado da dieta. Pode-se consumir apenas os alimentos que não contém glúten. 

Para quem padece desses males modernos e aprecia as coisas boas da vida as perdas são irreparáveis: lá se vão o misto quente e o pãozinho fresco com mortadela; a bela macarronada da Mama; a boa e velha broa de milho molhadinha no café preto quente; a batatinha frita crocante com cerveja ou chope gelado; e até mesmo o famoso avoador, aquele biscoito de polvilho que gera mais compulsão do que pipoca e amendoim - você come até acabar com aquele sacão enorme... E o que será do ovo frito, que não é mais vilão? Vai ter que se contentar com a companhia de um pão sem glúten e sem graça. 

Querem deixar a gente com a alma empobrecida, o coração triste e a barriga cheia de folhas, legumes, verduras, farelos, grãos e comprimidos. É a comida do futuro, funcional, inteligente, em que peixe não é peixe, é ômega três ou mais. Fazem bem à saúde, é certo. Mas não trazem alegria e felicidade, não têm o gosto da vida real.