Cultura

BAD BOY DE BORDEAUX tem seu lugar na table, por MAURICIO FERREIRA

Ao fim, a degustação se mostrou antológica, com os participantes se mostrando inclinados a elegerem o Bad Boy 2009 o principal vinho da noite, com o qual concordo plenamente.
Maurício Ferreira , Salvador | 13/08/2015 às 10:56
Preços do Bad Boy variam de R$99,00 a R$199,00
Foto: DIV
   Quem acompanha os campeonatos de futebol ou de algum outro tipo de esporte de equipe, sabe o quanto é apaixonante observar a reação dos torcedores e como eles defendem as suas escolhas. Para eles, nenhum outro time é capaz de superar o deles, e se assim acontece, terão a justificativa na ponta da língua: o juiz apitou errado, o técnico se equivocou na escalação, não era um bom dia etc.

   O mundo do vinho para os aficionados é bastante semelhante. Procure perguntar a um português qual o melhor vinho, sem dúvidas ele saberá responder: “Claro que é o português, afinal, qual outro lugar pode lhe oferecer mais de
250 castas diferentes? Qual país pode lhe oferecer uma infinidade de aromas, sabores e texturas, a partir de métodos seculares?”, se perguntado a um produtor espanhol, ele por certo responderá “qual o país com maior área de cultivo
vinícola, afinal de contas nenhum país cultivaria mais de 1,02 milhão de hectares de parreirais, se não tivesse a certeza de fazer o melhor vinho”. 

   Justificativas tão fortes terão os italianos, que começaram a produzir o vinho no século VIII a.C. ou tantos outros povos, sempre destacando a qualidade e as características de sua vinicultura. Afinal de contas, vinho é paixão!

   Contudo, continuando a analogia com os esportes de equipe, sobretudo ofutebol, uma opinião é unânime: A França é uma espécie de Time do Barcelona do mundo do vinho, cheio de craques e que todo mundo admira. Alsácia, Borgonha,
Cotê de Nuits, Côte de Beaune, Beaujolais, Loire, Champagne, Cótes de Provence, Languedoc e Roussillon e tantas outras, são regiões capazes de produzir vinhos que poderiam facilmente configurar na lista dos melhores do mundo, sem qualquer esforço. 

   Isso se deve a um conjunto de fatores, propiciados, sobretudo, pela privilegiada combinação de uma excepcional diversidade geológica e climática, aliada a diferentes métodos de cultivo e vinificação.

   Mas a esta altura, os mais observadores e apressados deverão está se perguntando: será que Maurício esqueceu a região de Bordeaux. Não, não esqueci e sobre ela será nosso bate papo de hoje.

   BORDEAUX - UMA INSPIRAÇÃO PARA O MUNDO DO VINHO

   É indiscutível que expressão Bordeaux ultrapassou a dimensão territorial de sua famosa região vinícola, e se tornou um modelo para toda a indústria do vinho, seja da Itália à California, da Austrália à Áustria e do Chile à Alemanha, só para parafrasear o enciclopedista André Nominé, que vê na denominação, um modelo e inspiração para todos os produtores do mundo, uma verdadeira referência quando se trata de estilo e qualidade. Um verdadeiro padrão a ser seguido.

   Resultado da influencia de vários povos que em algum momento da historia a ocuparam, a viticultura de Bordeaux começou a despontar a partir do século XII, quando com a ajuda de generosos privilégios aduaneiros tornou-se o
principal fornecedor à corte inglesa. Posteriormente, lá pelos idos do século XVII, com a Holanda passando a ocupar o outrora papel da Inglaterra nas relações comerciais com a região, novas técnicas de vinificação e conservação
foram desenvolvidas, bem como a interiorização da vinicultura, sobretudo rumo as antigas regiões pantanosas, que haviam sido dragadas através de um engenhoso sistema de canais desenvolvidos pela avançada arquitetura holandesa, ávida por novos territórios onde pudesse ampliar a área de cultivo de parreirais. 

   Esta época foi marcada pelo surgimento dos grandes Chateaux, como Chateau Haut Brion, Chateau Latour, Chateau Lafite e Chateau Margaux, até hoje responsáveis por alguns dos vinhos mais valiosos e desejados do mundo.

   Mesmo com o crescente prestígio conquistado ao longo destes séculos, a indústria vinícola da região foi bastante abalada com a filoxera (espécie de inseto que infestou os parreirais), praga que se instalou e, praticamente,
dizimou todos os vinhedos da Europa. 

   Quando as plantações, enfim, foram recuperadas, com a abolição do cultivo sobre o pé franco e utilização de bases arenosas, a industria se recuperou e as exportações voltaram, mesmo que sucessivamente afetadas pelas Grandes Guerras e a recessão econômica, que afetaram importantes mercados como a Rússia e os Estados Unidos.

   Por volta de 1950, passado este tormentoso período, a industria voltou a crescer a passos largos, com a valorização de sub-regiões vizinhas à Medoc, como Graves, Saint-Émilion e Pomerol, cujos vinhos passaram a alcançar preços
astronômicos. A fim de evitar fraudes quanto à origem, os rigores da fiscalização aumentaram, sobretudo quanto ao controle e à denominação de origem das regiões de cultivo.

   Em paralelo, com o melhoria da produção vinícola do Novo Mundo, sobretudo Califórnia e Austrália, estes passaram a concorrer de igual para igual com os melhores rótulos de Bordeaux, oferecendo qualidade e elegância a um preço significativamente menor, o que colocou em risco os produtores franceses. 

   Bordeaux precisava se modernizar, tomando como base as novas referências qualitativas sobretudo as cultuadas pelo maior crítico de vinhos dos dias atuais, o advogado Robert Parker Jr, principal formador de opinião do mercado
americano, e que se tornou padrão para todo o mercado internacional. Logo, para atender as novas exigências dos consumidores, os principais propriedade de Medoc, Graves, Saint-Émilion e Pomerol se reestruturaram, tanto no campo de inovações tecnológicas, como na produção de castas de uvas, valorizando cada vez mais as cepas clássicas da região, como o Merlot, o Cabernet Sauvignon, o Cabernet Franc, o Petit Verdot e o Malbec, que alcançaram níveis qualitativos nunca antes verificados. 

   Igual processo de aprimoramento passou a ter as castas de vinho branco, como o Semillon e o Sauvignon Blanc, cujas frutas se tornaram mais complexas, assemelhando-se ao Riesling alemão, referência dentre as uvas brancas. Enfim, Bordeaux se tornou um campo de inovações, com concentradores mecanizados, evaporadores de vácuo e diversos outros aparatos e técnicas que passaram a fazer toda a diferença e fizeram com que seus vinhos se mantivessem na posição de destaque que sempre ocuparam. 

   No diapasão destas inovações, novos nomes surgiram no restrito universo dos produtores da consagrada indústria vinifica de Bordeaux, dentre eles Jean-Luc Thunevin, que iremos comentar a seguir.

Jean Luc Thunevin – O Bad Boy de Bordeaux

   A história de Jean Luc Thunevin, proprietário do renomado Chateau Valandraud, é inusitada e serve muito bem para tipificar as mudanças ocorridas em Bordeaux nas últimas décadas. Francês, nascido na Argélia, quando ainda era
colônia francesa, Thunevin é considerado um “pied noir” (pé preto), sem tradição no cultivo de vinha. Tendo trabalhado em profissões tão distintas quanto lenhador e DJ, e viu sua vida impulsionar assim que conseguiu um emprego numa das mais importantes instituições financeiras da França, o Banco Credit Agricole, do qual se demitiu aos 33 anos, com uma indenização de pouco mais de 15.000 euros.

  Com suas economias e a indenização percebida, adquiriu uma pequena propriedade em St-Emilion, onde após uma frustrada experiência como dono de restaurante chinês, passou a comercializar vinhos. Daí a produzir seu próprio
vinho, foi uma consequência natural.

   Em sua pequena propriedade de pouco mais de 0,6 hectares, adquirida em 1986, passou a cultivar principalmente Merlot, e com a ajuda de amigos, como o proprietário do Chateau Ausone, passou a produzir seus próprios vinhos de forma artesanal, usando, inclusive, o espaço da garagem de sua casa para abrigar os primeiros tanques de fermentação de barricas de carvalho. 

   Desde 1991, quando foram produzidas as primeiras 1500 garrafas do Valandraud, praticamente dentro da própria garagem, os vinhos de Jean-Luc ganharam o mundo, sendo considerados inovadores e bem estruturados, distintos dos
Bordeaux clássicos, mais nem por isso menos elegantes e complexos, merecendo notas e comentários elogiosos do crítico americano Robert Parker, que, não imerecidamente, os classificou com avaliações superiores às mesmas safras de integrantes do seleto grupo dos Premiers Crus Classés de Bordeaux. 

    Tais notas elevaram o conceito de Jean-Luc Thunevin, exaltando a sua genialidade e cunhando definitivamente a expressão “vin de garage” ou “vinhos de garagem”, como a designação de uma pequena propriedade vinícola e a alcunha de “Bad Boy de St-Emilion” ao revolucionário produtor.

   O sucesso de suas criações trouxe ao Bad Boy fama e dinheiro, seu Valandraud que originalmente foi lançados a meros 13 euros em 1991, hoje são vendidos a centenas de euros, e sua produção se multiplicou dezenas de vezes. Hoje
Jean-Luc possui propriedades fora de Bordeaux, na não menos prestigiada, região de Languedoc-Roussillon, onde, longe das rigorosas regras, pode ter mais liberdade para produzir seus vinhos. 

   Atualmente Jean-Luc Thunevin produz diversos outros rótulos, além do super-premium Valandraud  (a esta altura já promovido a Premier Grand Cru Classé B), a exemplo do Baby Bad Boy, o Bad Boy, o cremant Bad Girl, o Domaine Virginie Thunevin, o Présidial, o Virginie de Valandraud, o L´Amourette Maxima Briza, dentre outros, sendo considerado um dos mais bem sucedidos e influentes importadores de vinhos da França. 

   Depois de tanta conversa, nada mais justo do que participarmos de uma degustação especial com alguns dos principais vinhos de Jean-Luc Thunevin, vamos às taças! 

   Escolhemos para estrelar nossa degustação assistida, os vinhos Baby Bad Boy 2009, Bad Boy 2009, L´Amourette Maxima Briza 2009 e Cuvee Constance 2009, que refletem a influencia do “wine maker way” de Thunevin, seja com as cepas de Bordeaux, como as de Languedoc Roussilon.

   Baby Bad Boy 2009 – Não se engane se a denominação Vin de France der um tom desprentencioso a este vinho, elaborado com 70% de Merlot (de Bordeaux) e 30% de Grenache (do Languedoc-Roussillon), pelo contrário, é um
vinho exuberante e aromático, com uma belíssima cor rubi e reflexos violáceos e um nariz rico, com muitas frutas vermelhas, como morango, amora, framboesa e especiarias finas. Na boca é ligeiramente encorpado, boa acidez, taninos domados e excelente volume. Mesmo com a persistência acima da média e uma personalidade marcante, é um vinho amigável, feito para jovens e iniciantes na arte da degustação, não à toa, é um líder em sua categoria.

   Bad Boy 2009 – Elaborado com um dos cortes mais clássicos de St-Emilion, Bordeaux, 80% Merlot e 20% Cabernet Franc, é um vinho opulento, de cor Rubi, quase negra, com aromas de frutas negras maduras, porém frescas e não em calda, como nos vinhos americanos. É complexo e equilibrado, com notas que evoluem para o café, moca, couro, especiarias e chocolate amargo. Na boca é bem estruturado e volumoso, com taninos macios e final longo e duradouro. De grande expressão, é um vinho diferenciado e que supera facilmente outros na mesma faixa de preço. O brilho e
a vivacidade, marcada pela ausência de halos, atesta o potencial de envelhecimento, que deve superar facilmente os 15 anos de guarda.

   Cuvée Constance 2009, Thunevin-Calvet– Corte típico do Sul da França, à base de Granache (6-0%), Syrah (30%) e
Carignan (10%), é um vinho vibrante, intenso, aromático, repleto de notas de amoras frescas, cassis e ameixas maduras, refrescante e, sobretudo, descontraído, bem ao estilo de Cótes Du Roussillon Villages, na boca transfere impressões de chocolate, mentol e baunilha. Tem como principal característica, a fermentação alcoólica em tanques de concreto, o que lhe confere leveza e toques florais que se destacam, em meio a minerais e das especiarias, que lhe confere o Syrah. Potente e, ao mesmo tempo, delicado e acessível, comporta uma temperatura de serviço mais fria que os tradicionais Bordeaux, mostrando apropriado para o nosso clima. Um grande vinho, a um bom preço.

   L´Amorette Maxima Briza, Thunevin-Calvet – Blend composto de 60% de Mouvèdre e 40% de Grenache Noir, cultivados organicamente em vinhas velhas, estagia 24 meses em carvalho francês, resultando um vinho suculento e vigoroso, repleto de frutas vermelhas e negras e acidez vibrante. Bastante gastronômico, mesmo com 15° de teor alcoólico, é equilibrado e delicado o suficiente para ser degustado em momentos de pura contemplação, bem como comporta alimento vigorosos, como carnes gordurosas e o tradicional ossobuco. Vale dizer que foi um dos preferidos em nossa degustação, principalmente por comportar a leveza e a refrescância das cepas do Sul da França e a potencia do carvalho francês. Um caso raro, onde a fermentação alcoólica eleita no concreto, se complementa divinamente com a malolática ocorrida em barrica. Em tempo, vale informar que “maxima briza” é a denominação de uma delicada planta encontrada na flora mediterrânea. 

   Ao fim, a degustação se mostrou antológica, com os participantes se mostrando inclinados a elegerem o Bad Boy 2009 o principal vinho da noite, com o qual concordo plenamente.

   Os vinhos aqui degustados foram adquiridos na Casa do Porto (www.casadoporto.com.br), importador exclusivo do vinhos Thunevin e Thunevin-Calvet, com preços que variam de R$99,00 a 199,00.