Cultura

VIDA DE GORDO: Jeffinho e o menino eterno de São João, p/ OTTO FREITAS

Dá uma saudade danada daquelas noites de São João na casa da vovó Celina
Otto Freitas , Salvador | 14/06/2015 às 23:12
São João é a festa que os gordos adoram
Foto: DIV
Tudo começa em março, no dia de São José (19), pai de Jesus, protetor dos lavradores - no candomblé, é Xangô Aganju, orixá ligado à terra. Para o nordestino é hora de semear, principalmente feijão e milho. Se chover no dia do santo, a boa colheita estará garantida e será celebrada em junho. É uma festa perfeita: tem bebida gostosa como os licores, música boa, como o baião, e mesa farta, cheia de produtos típicos da época, como laranja, milho, amendoim, aipim e mandioca, entre outros. 

Tem fé, alegria e muito forro para dançar desde 1º de junho, quando começa a Trezena de Santo Antônio, que na Bahia é Ogum. Nunca falta comida, especialmente no dia do santo (13); cada noite tem um dono, para quem todos pedem proteção. Ele é responsável pela organização da reza e banca os fogos de artifício e os comes & bebes. 

Desde menino Jeffinho foi tomando gosto pela reza cantada e suas belas orações em forma de música. Ainda guarda na lembrança o cheiro de incenso e o perfume das angélicas que enfeitavam o altar de papel crepom, na cor azul de Ogum. 

Naquele tempo a criançada fazia de tudo para disfarçar o riso e as brincadeiras. Ninguém dava muita atenção ao altar; os gorduchinhos esperavam ansiosamente a hora da comilança com o olho grande na mesa cheia de guloseimas, bolos, doces e refrigerantes.

@@@@@@

São João (24), que é Xangô no candomblé, tem a maior festa do ciclo junino (o dia de São Pedro, 29, deixou de ser feriado e perdeu sua força, exceto nas cidades do interior que têm o santo como padroeiro). Mesmo no São João já não há mais fogueira na porta e o colorido dos balões se juntando aos fogos de artifício e às estrelas no céu iluminado, como antigamente. A beleza ficou muito perigosa nas noites de junho, exceto se a festa acontecer no interior, longe das cidades e das florestas.

Jeffinho ficou pesado demais para pular fogueira e cair no forró até de manhã, como fez por toda a vida. Hoje dança um pouquinho, solta umas estrelinhas e chuvinhas com as crianças e fica sem fôlego. Enquanto descansa, se distrai com as comidas típicas da festa - e não dispensa um licor de jenipapo ou um quentão feito com boa cachaça. 

Dá uma saudade danada daquelas noites de São João na casa da vovó Celina, tanto nos Dendezeiros, na Cidade Baixa, como na roça, em Itaparica. Sobre a mesa grande com toalhas brancas de renda havia de tudo: licores em garrafas e cálices de cristal decorado; doces de frutas secas, como jenipapo, laranja, caju e carambola, servidos em majestosos centros de mesa de cristal e prata; amendoim, milho cozido e pé de moleque; muito queijo do reino e laranja de umbigo; canjica e pamonha de milho verde; e grande variedade de bolos de aipim, milho, tapioca e carimã.

Diante de tamanha beleza, sabor e tradição, praticamente um banquete cultural, Jeffinho cometeu algumas travessuras de menino, como roubar doces e embriagar-se de tanto experimentar licor de jenipapo. 

É como diz a música de Caetano Veloso e Gilberto Gil, o mais importante cantador vivo do Nordeste e do São João: “Quero ser sempre o menino da fogueira de São João... fogo, fogo de artifício, quero ser sempre o menino...Viva São João!”.