Cultura

HORA do SPA e retomar dieta para o jejum da Quaresma, por OTTO FREITAS

Jeffinho resolveu matar a curiosidade e satisfazer um desejo antigo.
Otto Freitas , Salvador | 01/03/2015 às 14:09
Chegou o mês de regular a comidinha de cada da
Foto: DIV
Passadas as orgias carnavalescas, Jeffinho tenta se entregar à oração, ao jejum e à penitência, como deve ser na Quaresma, mesmo que ele não se considere um católico tão fervoroso. De volta à dieta - ou, pelo menos, a uma alimentação mais light -, resolveu matar a curiosidade e um desejo antigo: passar um tempo no spa.

Na cabeça de Jeffinho, spa era prisão de rico cheia de belas mulheres acima do peso, restaurante servindo migalhas sem sabor, doutores cagando regra e treinadores de educação física tirando onda em cima dos gordinhos. Nas suas fantasias, no entanto, todo o sacrificio seria compensado por deliciosas aventuras. 

Assim convencido, logo após o Carnaval Jeffinho partiu para um spa entre as montanhas e o mar. Foi em busca do resto do sol de verão, de descanso, novas experiências e alguns quilos a menos - não necessariamente nessa ordem. Levou o amigo Jorginho Papão, um gordo barrigudo que, no seu entendimento, seria companhia ideal para a empreitada - simpático, conversador, o homem vende gelo para esquimó; sem profissão definida, é feito aranha, vive do que tece. 

Logo a dureza da vida real foi quebrando as expectativas. Para começar, havia uma disciplina rigorosa, dureza de quartel. Há horário para tudo – dormir, acordar, comer, cagar. Cada hóspede tem seu personal monitor, que o acorda bem cedo e acompanha sua sombra o dia todo, até a hora de dormir - nem mijar sozinho é possivel. 


Durante a madrugada, tem segurança para todo lado, ninguém entra, ninguém sai. É privacidade zero; tudo para impedir que o paciente fuja do tratamento.   

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Como se não bastasse, a comida é pura ficção. O café da manhã é uma nesga de fruta e uma fatia de pão integral com requeijão que parece leite de magnésia cremosa. No almoço, um fiapo de frango seco grelhado, uma rodela fina de cenoura e uma folhinha de alface - tudo sem tempero. No jantar, um caldo mais ralo do que mijo de gato. 

Entre as refeições, de vez em quando sai uma colher de chá de gelatina sem graça, no lanche da tarde; o rango noturno se resume a um chazinho safado. Ao longo do dia realizam-se exames de rotina e muita malhação, incluindo caminhadas, hidroginástica e exercícios na academia.  

Logo nos primeiros días Jeffinho já estava desesperado, com os olhos fundos, gastura, fraqueza nas pernas - e completamente entediado. Teve vontade de fugir, mas Jorginho Papão, que sempre tem um jeito para tudo e nunca deixa os amigos na mão, alertou, enigmático: “Muita calma nessa hora!”.
  
Dia seguinte, logo cedo, Jorginho deu a boa noticia para Jeffinho, que já não aguentava mais passar tanta fome: havia descolado um fornecedor na comunidade vizinha que entregava a domicílio caixinhas de suco, pizzas brotinho, salgadinhos variados, mini-hamburger, chocolates e doces caseiros.
 
Enquanto durou a temporada, Jorginho Papão foi ampliando sua clientela. Quando se completaram os 15 dias programados para sua estadia, Jeffinho foi embora, tão gordo quanto no dia da sua chegada. Papão decidiu ficar; quería aprofundar um pouco mais o seu tratamento no spa. 

Não se sabe o tempo certo, mas enquanto esteve por lá criou um sofisticado serviço de delivery noturno secreto exclusivo para os hóspedes do spa. Além do cardápio original, incluiu também garrafinhas de vinho, uísque, vodca e água tônica, além de gelinho de água de coco, cigarros e preservativos.

Ninguém garante que essa história é verdadeira. Mas Jorginho Papão, que sumiu no mundo, tornou-se uma lenda no spa.