Cultura

ARTE ABSTRATA: Morre a artista plástica Tomie Ohtake aos 101 anos

Japonesa naturalizada brasileira se tornou um dos maiores nomes da arte abstrata no país
O Globo , RJ | 12/02/2015 às 13:02
TOMIE OHTAKE
Foto: Div
RIO - Mestre na exploração de formas e cores num estilo abstracionista livre, em que tanto a geometria quanto a natureza se prestavam como referências, a artista japonesa Tomie Ohtake, que vivia no Brasil desde 1936, morreu nesta quinta-feira, aos 101 anos (completados em novembro do ano passado). Tomie se recuperava de uma pneumonia desde o dia 2 e, na terça-feira pela manhã, receberia alta hospital. No entanto, segundo assessores, sofreu uma grave broncoaspiração, e, em seguida, uma parada cardíaca, nesta quarta-feira. Nesta quinta, ela voltou a sofrer uma parada cardíaca e não resistiu.

Ela só começou a pintar profissionalmente quando tinha 40 anos, após ter criado os dois filhos, os arquitetos Ruy e Ricardo. Naturalizou-se brasileira quando tinha 55 anos e se tornou um dos maiores nomes da arte abstrata no país. Vivia imersa em sua arte: na casa-ateliê de aspecto modernista onde morava, projetada pelo filho Ruy no bairro Campo Belo, em São Paulo, ela mandara instalar uma cama, de solteiro, ao lado das telas para poder vê-las já quando acordava.


Ela contava que havia se apaixonado pelo Brasil no momento em que desembarcou no porto de Santos, aos 23 anos, quando viera visitar um irmão: "Brasil tem sol muito claro. Quando saí do navio, olhei para o céu e senti cheiro de amarelo. Ali, gostei do Brasil". Apesar de morar há tanto tempo em São Paulo, ela jamais perdeu o forte sotaque japonês e fazia piada com isso: "Nunca 'aprendeu' a falar português. Agora não 'aprende' mais, né?", brincou, numa entrevista ao GLOBO há dois anos.

Tomie, que também fazia gravuras e esculturas - é dela a polêmica "Estrela do mar", escultura de aço amarela que flutuou sobre o espelho d'água da Lagoa, no Rio, entre 1985 e 1990 - continuou trabalhando até o fim da vida. Estava usando poucas cores nas telas mais recentes, destacando o branco, o vermelho, o azul e algum amarelo, e criando jogos de luz e sombra. Bem-humorada, disse em outubro do ano passado, pouco antes de fazer sua última exposição, com seis grandes pinturas, na Galeria Nara Roesler, no Rio: "Aos 100 anos, a única coisa que posso fazer é arte".


Desde novembro de 2001, o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, presidido por seu filho Ricardo, presta, com seu nome, um tributo à grande artista. No momento, estão em cartaz lá uma exposição com 200 obras de Salvador Dalí, uma com desenhos que originaram esculturas em espaços públicos da própria Tomie (são várias em São Paulo) e a coletiva "Novo banco photo".

Tomie participou de cinco edições da Bienal Internacional de São Paulo, conquistou 28 prêmios - entre eles, no ano passado, o Faz Diferença do GLOBO, na categoria Artes Visuais - e fez mais de 50 exposições individuais e 85 coletivas, no Brasil e no exterior. Sucesso de crítica e de público, ela atraiu mais de 4 mil pessoas na inauguração de sua primeira retrospectiva no Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 1983.

As gravuras também são parte importante de sua obra e ganharam reconhecimento em 1972, quando a artista foi convidada a participar da sala Grafica D’Oggi na Bienal de Veneza, exposição que contou com a presença dos mais importantes artistas do mundo, como os norte-americanos da Pop Art. Ela, que sempre gostou de acompanhar a produção de artistas mais jovens, vinha saindo pouco nos últimos tempos. Mas não abria mão dos almoços dominicais em sua casa-ateliê, encontros festivos e considerados sagrados pela família e pelos amigos.